segunda-feira, 6 de junho de 2011

Cuidado com a medicação

Por Manuel Vázquez Gil
 
Duas discussões sérias precisam ser levantadas e exaustivamente discutidas pela comunidade autista brasileira: a questão da medicamentação, que inclui tudo que entra pela boca ou pela veia, e a questão da conveniência do uso de métodos terapêuticos importados. Começo pela primeira, mas não vou me furtar à segunda.

           A ciência tem um protocolo rígido sobre novas descobertas e suas aplicações. Quando um pesquisador descobre algo novo em laboratório, essa descoberta ainda não é uma verdade: suas observações, análises e conclusões devem ser publicadas numa revista científica internacional, reconhecida pelo meio como portadora de excelência; seu texto será revisado por cientistas convocados pela revista; suas descobertas terão que ser confirmadas por um número expressivo de pesquisadores independentes entre si; se se tratar de saúde e implicar um medicamento ou dieta alimentar, deverá ser testada em cobaias animais, depois em voluntários humanos, aprovada pelos órgãos competentes governamentais, e só aí estará disponível para o público. Esse processo leva anos a fio, e é necessário para a segurança do ser humano. Mesmo assim, casos como o da talidomida surgem, às vezes.

           Há uma corrida ao Eldorado, no caso do autismo. Último grande enigma da ciência, tornou-se o sonho de muitos descobrir a sua causa. Não há dúvida que o autor dessa proeza será candidato ao Nobel, e inúmeros pesquisadores se lançaram a essa busca, o que é bom. O que não é bom é o fato de que essas pesquisas são publicadas em notas de jornais como se já estivessem consolidadas, levando-nos à conclusão que são verdades científicas. Ansiosos por melhoras nos nossos filhos, começamos a aplicar as sugestões ali descritas. Não há uma notinha de rodapé explicando o que descrevi no parágrafo anterior.

           Um exemplo: mês passado, pesquisadores de uma renomada Universidade inglesa, monitorando sujeitos ao longo de vinte anos, descobriram que o consumo de sal não é prejudicial às pessoas hipertensas, muito pelo contrário: o engano, segundo eles, é que os médicos verificam o aumento da pressão com o consumo do sal no dia a dia, medicam e concluem que é isso mesmo. Se verificassem ao longo dos anos, veriam que, em médio prazo, o organismo se estabiliza, e o sal não mais interfere no mecanismo da pressão. Verdade? Leia o segundo parágrafo.

           Dessa maneira, exultamos com notícias cheias de otimismo: um pesquisador descobriu um cromossomo responsável pelo autismo. Lendo com atenção, vemos que é algo que já sabíamos há algum tempo: o cromossomo 16, responsável pela síndrome de Rett, herdado da mãe. Mas Rett não é autismo, é apenas uma das síndromes que pode provocar comportamentos autistas, como a de West, do X Frágil, de Willians, de Tourette, de Down, de Heller, entre muitas outras. Todo transtorno que pode ser comprovado em exames de laboratório não é autismo e, se um dia um cientista chamado João descobrir a gene causador do autismo, ele passará a se chamar Síndrome de João. Autismo é um transtorno que se inicia antes dos 3 anos, e cujo portador apresenta déficits na aquisição da fala, na sociabilidade e no controle motor, e não pode ser comprovado em exames de laboratório, sendo seu diagnóstico essencialmente clínico.

           Cristopher Gillberg, o mais conhecido pesquisador do autismo (junto com Lorna Wing, foi o responsável pelos critérios diagnósticos da Síndrome de Asperger no CID-10), neurologista, professor de diversas Universidades europeias, tem um programa de três décadas em que analisa cérebros de autistas e não autistas mortos. Com a autorização das famílias, eles necropsia esses cérebros. Chegou a uma conclusão: o normal é ser diferente, em todos esses anos jamais encontrou dois cérebros iguais. Em algum momento das pesquisas, ele sugeriu que as neuroliginas pudessem estar ligadas ao autismo, mas disse também que provavelmente mais uma centena de genes faziam parte da gang causadora do transtorno. Não recomendou nenhum regime ou medicamento, apenas dieta sensorial.

           Um pesquisador encontrou metais pesados na urina de autistas, e sugeriu que autistas talvez tivessem o metabolismo diferente dos demais. Esse artigo levou inúmeras famílias a introduzir dietas alimentares que eliminassem certos metais. Não sei se nutricionistas concordariam com essa dieta: precisamos de metais no organismo, como o zinco, por exemplo. Se eliminássemos totalmente o sódio e o cobalto do organismo, as células não se comunicariam: é através da bomba de sódio e cobalto que elas fazem as sinapses químicas. Qual é o mínimo necessário? Resposta: não sei, talvez varie de pessoa para pessoa.
Um outro falou do glúten, tire-se o glúten da alimentação! Já passamos pelos malefícios do chocolate, dos ovos, da carne de porco, parece que há ciclos de alimentos malditos de acordo com a época em que vivemos. Parece mais: a natureza é madrasta, produz alimentos que vão nos envenenar...

           Há verdades em teorias novas? Cientificamente, não. Um órgão de defesa da saúde não aprovaria dietas ou medicamentos que não tivessem passado por todo o protocolo exigido. Talvez haja, e seja comprovado mais à frente. Essa é a grande discussão: devo transformar meu filho em cobaia humana, na esperança do “milagre”, enquanto o protocolo não é concluído? Teoricamente, tenho esse livre arbítrio, mas é sem dúvida discutível.

           Vou dar a minha leiga opinião: nós, cuidadores de autistas, devemos exigir de revistas e jornais um adendo a qualquer publicação do gênero, que nos esclareça quais as experiências estão em início de pesquisa, e quais já passaram por todas as exigências do protocolo da ciência, e estão aprovadas para aplicação. Sou um cientista por excelência, não me furtarei a acreditar nas maravilhas das novas descobertas. Apenas busco segurança, não quero fazer do meu filho uma cobaia involuntária.

           Falei, lá em cima, da talidomida. Não podemos esquecê-la.

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