segunda-feira, 6 de junho de 2011

Mais um texto do Manuel Vázquez Gil

Pense numa hipótese. Teste-a. Se for falsa, elimine-a e tente outra. Se for verdadeira, você tem uma tese. Essa é a linha de raciocínio piagetiana, a que segui nesta hipótese. Acontece que as causas do autismo são ainda desconhecidas, e o projeto que eu pretendia montar dependia do entendimento dessas causas desconhecidas. Parecendo um labirinto sem saída, tinha que encontrar a solução.

       Uma bela madrugada, atinei para um caminho: se eu pesquisasse os diversos eventos mentais conhecidos da ciência, e encontrasse um que explicasse os comportamentos autistas, poderia estar no caminho certo. Mesmo não conseguindo comprovar que a causa seria aquela, encontraria uma maneira de construir um processo que contemplasse os comportamentos citados.

       Ao trabalho:

     A menor parte do corpo humano é a célula; uma união de diversas células de função semelhante ganha o nome de tecido; chama-se órgão ao conjunto de tecidos de função semelhante; à união de diversos órgãos dá-se o nome sistema. Temos o sistema digestivo, o respiratório, o circulatório, o reprodutor, o corpo está sustentado em sistemas.

       Todos os nossos sistemas, menos um, nascem prontos, acabados: aquela menina de quarenta centímetros e três quilos já tem todos os óvulos que vai usar durante toda sua vida reprodutiva. O Sistema Nervoso Central é o único que nasce incompleto, e vai se formando à medida que crescemos. Ele é composto do cérebro e da medula espinhal.

       Dentro deles, neurônios e células da glia. Os primeiros formam a massa cinzenta, os segundos a massa branca. À medida que crescemos e aprendemos, redes neuronais se formam, neurônios conversam com seus vizinhos, e o conhecimento se faz. Para isso, precisam da ajuda das células da glia, que são de três tipos diferentes.

       Os astrócitos são responsáveis pela defesa do sistema: possuem pés vasculares que formam uma espécie de rede para impedir a entrada de invasores. Ao mesmo tempo, ajudam na distribuição do sangue. Os oligodendrócitos formam uma bainha de gordura na cauda de saída dos neurônios, para protegê-la de acidentes. Essa bainha não é contínua, ela deixa falhas, chamadas nódulos, no intuito de apressar o estímulo: como é preferencialmente elétrico, esse estímulo não passa na bainha de gordura, e é obrigado a saltar de nódulo em nódulo, o que lhe dá velocidade maior. As micróglias são espécie de lixeiro, são responsáveis por remover toda matéria morta de dentro do sistema nervoso central.

       Nossas células nascem com um tempo determinado de vida, ao fim do qual entram em apoptose. Apoptose é palavra grega que significa, literalmente “as folhas das árvores que, no outono, ficam amarelas e caem, para que outras possam nascer em seu lugar”. O sangue que corre nas suas veias, hoje, não é o mesmo que corria no Natal passado. As células fizeram apoptose e outras vieram em seu lugar. Quando essa morte anunciada acontece, células especializadas removem seus restos mortais para que haja espaço para um novo nascimento. Essa é o verdadeiro ciclo da vida.

       As células encarregadas dessa limpeza, no corpo, chamam-se monócitos, fazem parte dos glóbulos brancos. Dentro do sistema nervoso central, as encarregadas são as micróglias, células derivadas dos monócitos. Para executar esse serviço, elas secretam uma substância, chamada Fator Neurotrófico Derivado da Glia, e também o Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro. É como uma saliva, sem a qual não é possível fazer a deglutição que, no caso celular, tem o nome de fagocitação.

       Acompanhe agora: por volta dos 18 meses de idade, uma criança tem overdose de sinapses. Sinapse é o nome que se dá à ligação entre os neurônios. Falar, andar, comidas novas, companheiros novos, uma infinidade de coisas que a criança aprende, e que tem que pensar para fazer. Em poucos meses, essas funções ficam automatizadas, e a criança já não precisa pensar para falar, ou para andar, ou para lembrar algum nome, algum rosto. Toda aquela rede neuronal que se formou já não tem necessidade, então as células entram em apoptose. As micróglias vão lá, fagocitam a massa falida, e novas células nascem para novas funções.

       Pergunta: e se não houver a fagocitação? E se aquela massa continuar ali?

       Esse é o ponto: deficiência quantitativa ou qualitativa de Fatores Neurotróficos pode dificultar a fagocitação, portanto a transmissão de estímulos cerebrais, portanto o nascimento de novas células. E esse foi o evento que encontrei, teoricamente, e que explica os comportamentos autistas. Diversas pesquisas em Universidades importantes, dos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Brasil, cada uma em sua área, demonstram a importância dos Fatores Neurotróficos para o aprendizado, a empatia, até a sensação de dor. Não cabe aqui citar todas, mas, numa visão generalizada, as pesquisas demonstram que uma espécie de Fator Neurotrófico, chamado Net, dificulta a fagocitação porque não lubrifica totalmente o axônio (aquela saída do neurônio de que falamos, recoberta pela bainha de gordura); que um excesso desses Fatores faz o sujeito sentir dor com uma simples carícia, e que a falta deles funciona exatamente ao contrário; que a apresentação de figuras multiplica por quatro a produção de Fatores Neurotróficos; que ruídos acima de 9,0Hertz fazem cessar a fagocitação.

       Adotei como causa provável do autismo a alteração genética, hereditária, dos Fatores Neurotróficos. Agora preste muita atenção: cataloguei os ambientes que dificultavam a produção deles, e os ambientes que favoreciam sua produção. Decretei que os primeiros deveriam ser evitados, e os segundos deveriam ser adotados. Chamei a esse sistema DIETA SENSORIAL: um ambiente que favorecesse todos os sentidos ao mesmo tempo, e que favorecesse potencialmente a produção dos Fatores Neurotróficos. Paladar, tato, olfato, visão e audição deveriam sentir prazer em frequentar tal ambiente. Então... bingo!

       No próximo encontro, falaremos sobre os sentidos, que são sete, e não cinco.

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