Cristina Maria
Carvalho Delou:
“A
inclusão das crianças especiais na sala de aula é o maior
desafio”
A educadora carioca
fala sobre as crianças especiais e os
desafios da inclusão bem como seus desdobramentos,
à luz da ciência e do Espiritismo
desafios da inclusão bem como seus desdobramentos,
à luz da ciência e do Espiritismo
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Psicóloga,
professora associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense
e doutora em Educação pela PUC/SP, Cristina Maria Carvalho Delou (foto),
nascida e residente no Rio de Janeiro, integra o Grupo Espírita Fabiano, no qual
é diretora do Departamento de Evangelização Infanto-Juvenil. De família
espírita, tem trabalhos publicados na área profissional, atua na instituição
espírita com crianças, jovens e adultos e também em palestras e grupos de
estudos.
O Consolador:
Por que seu interesse na temática crianças especiais?
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Eu sempre quis ser professora e descobri muito cedo que as crianças têm ritmos diferenciados de aprendizagem. Eu comecei a evangelizar no Grupo Espírita André Luiz quando tinha 12 anos, sob a supervisão da minha tia Icléa, professora e responsável pela evangelização infantil na época. Enquanto algumas crianças eram capazes de contar a história do nascimento de Jesus na mesma aula, outras chegavam ao final do ano como se nunca tivessem ouvido falar em Jesus. Eram crianças de 5, 6 anos, ou seja, do Jardim, e isto me marcou profundamente. Quando decidi pela Psicologia, procurei conhecer o que havia de atendimento para crianças com deficiência intelectual (APAE, Pestalozzi, Centro Educacional Deolindo Couto, Clínica das Amendoeiras, entre outras). Formei-me e comecei logo o mestrado em Educação na UERJ. Lá fui convidada pela professora Marsyl a participar de um grupo de pesquisa com alunos superdotados. Fiquei e vejo que esta área é tão cheia de preconceitos como a das crianças com deficiência. Estou nela até hoje.
O Consolador: Além da experiência
profissional no trato com esse tema, como o conhecimento espírita contribui para
sua atuação nessa área?
O conhecimento espírita é fundamental.
A lei de causa e efeito e a reencarnação explicam o que a ciência não consegue
ainda explicar. A ciência não tem respostas para justificar as causas das
diferenças. Alguns quadros podem ser atribuídos a vírus, como a cegueira por
toxoplasmose ou sífilis. Algumas paralisias ficam por conta dos acidentes de
parto pra, peri ou posnatal. A surdez por conta de alguma intercorrência durante
a gravidez como a rubéola ou ainda pelo uso demasiado de antibiótico na primeira
infância. Sabemos que a Síndrome de Down apresenta um cromossomo a mais no par
21 e que o Transtorno de Asperger é um tipo brando de autismo, mas a verdadeira
causa a ciência não sabe. No primeiro caso, o acaso ainda é uma explicação
aceita. Em relação à inteligência, a ciência ainda não respondeu, também, quais
são as causas de tanta diferença entre os seres humanos. Muitos estudos já foram
feitos comparando-se irmãos gêmeos criados juntos ou separadamente para avaliar
a interferência do meio sobre o desenvolvimento intelectual, mas a rigor todas
as explicações dão conta de alguns casos, mas não da totalidade. A neurociência
vem avançando em relação aos estudos do cérebro e, quem sabe, avançaremos um
pouco mais no conhecimento científico.
O Consolador: Que dizer da realidade
nacional e internacional, atualmente, no trato com as crianças
especiais?
Atualmente a realidade é muito
interessante. Historicamente, as crianças especiais sempre foram excluídas e
para alguns elas ficavam bem nas instituições especializadas. A verdade é que
elas não se desenvolviam social ou intelectualmente falando. Os seus pares não
representavam desafios a vencer. Desde 1990, quando a UNESCO reuniu os países
devedores do FMI em Jomtiem, na Tailândia, o Brasil estava lá e assumiu
compromisso com a inclusão, mas não cumpriu. Em 1994, na Espanha, nosso País
assinou a Declaração de Salamanca e daí em diante não parou mais. Ou seja, se a
humanidade não aceita o diferente, a espiritualidade superior, responsável pelo
mundo de regeneração, inspira os encarnados a agirem com o "determinismo"
necessário a beneficiar os que precisam encarnar para prosseguir no seu processo
evolutivo. As crianças especiais são Espíritos encarnados em situação de prova
ou expiação, conforme nos ensina O Livro dos Espíritos, pergs. 367-378,
ou em missão, como podemos ver em O Evangelho segundo o Espiritismo, cap.
VII, Instrução dos Espíritos, item 13. Elas precisam reencarnar e conviver em
sociedade para completarem suas habilidades conosco. O Livro dos
Espíritos, perg. 768, fala-nos disso.
O Consolador: Na evolução havida,
inclusive do termo - de excepcional para especial -, no trato com essa realidade
presente em muitas famílias, qual o item que mais pode ser destacado?
Vou destacar aqui a questão dos
termos, pois trata-se de assunto muito importante. Os termos são sempre
questionados, mudados, na esperança de contribuir com a diminuição do
preconceito. Mas o preconceito é a expressão dos nossos sentimentos de rejeição
em relação ao outro. Enquanto for assim, não haverá palavras que resolvam a
insatisfação com os termos. Veja: Kardec, professor sempre atualizado, usou os
termos médicos em voga até a metade do século XX. Hoje as palavras são expressão
de preconceito. A mesma coisa a palavra excepcional, cunhada por dona Helena
Antipoff para falar de sua admiração em relação aos talentos das crianças com
deficiência intelectual no Brasil pobre de 1930. Contudo, a falta de amor por si
mesmo e pelo próximo associada à rejeição das verdades da vida espiritual faz
com que os sentimentos de rejeição ainda sejam tão cristalizados na humanidade.
Para as famílias isto causa um sofrimento muito grande porque enquanto houver
preconceito em relação ao diferente haverá exclusão. E aqui tanto faz ser
deficiente ou talentoso – a rejeição expressa o incômodo ou a inveja, ambos
expressões de preconceito.
O Consolador: Que dizer da questão da
inclusão, especialmente nas salas de aula?
Bem, a inclusão nas salas de aulas é o
maior desafio. Escola é direito humano. Aprendemos com os Espíritos que no nosso
estágio evolutivo o progresso moral decorre do progresso intelectual, mas nem
sempre o segue imediatamente, conforme nos ensina O Livro dos Espíritos,
questão 780. Se estamos encarnados e precisamos da escola para as aprendizagens
formais que nos auxiliam na construção das funções superiores da cognição,
porque a partir daí passamos a ter condições de discernir entre o certo e o
errado, evitando retardar mais ainda a nossa evolução, como é que os Espíritos
que estão reencarnados em condições especiais poderão desenvolver suas
capacidades cognitivas se a resistência à sua presença nas salas de aula é
geral?
A inclusão entendida como medida
imposta pelo governo federal para a escola tem sido motivo de resistência muito
grave. O professor alega que não tem formação para realizar a inclusão, e não
tem consciência de que esta resistência é a expressão mais pura do seu
preconceito contra o diferente. Matrícula na escola não garante a inclusão. O
conceito é novo e significa mudança social para que as crianças especiais possam
se desenvolver aos níveis mais elevados da sua real capacidade, tanto os
deficientes como os superdotados.
O Consolador: Das orientações
espirituais havidas sobre a questão, qual é a mais expressiva em sua
opinião?
É a de que muitos desses Espíritos
erraram por terem sido mal orientados por seus responsáveis (pais ou
professores) ou por terem sofrido desilusões, traições nas relações amorosas. Ou
seja, eles erraram porque nós os induzimos ao erro. Hoje, eles reencarnam nossos
filhos, alunos, amores, para que nós os ajudemos a reconstruir seus caminhos. É
um trabalho de amor, mas que demanda formação específica porque é muito difícil
mudar clichês mentais cristalizados no ódio, na alienação mental, ou nos vícios
que alimentamos por tempos incontáveis. Muitos desses Espíritos estão
reencarnados com grandes possibilidades de aprendizagem. Vejam as pessoas com
Síndrome de Down que desejam casar. Se antes eles não sobreviviam para além dos
15, 16 anos de idade, não se alfabetizavam, hoje eles já podem aproveitar a
reencarnação para refazer seus vínculos, conseguem aprender com mais
aproveitamento. E os que têm Transtorno de Asperger, tão talentosos, que acabam
aceitando o fato de que o talento os ajuda a melhorar as condições de vida em
sociedade. Em ambos os casos, isto só é possível quando as pessoas trabalham
juntas, construtivamente, na ruptura das barreiras sociais, atitudinais etc.
Quem construiu barreiras, hoje tem que demoli-las.
O Consolador: Que contribuição a casa
espírita pode oferecer para pessoas especiais e suas famílias, considerando-se
que ainda não há uma estrutura para tais casos?
A casa espírita pode oferecer consolo
para os que ainda estão revoltados e não aceitam seus filhos como são. Podem
esclarecer e libertar as almas dos conflitos que carregam pela culpa que o
desconhecimento alimenta. Muito frequentemente, as mães sentem-se culpadas, são
abandonadas porque tiveram um filho especial. A casa espírita pode apoiá-las,
mostrando os mecanismos pedagógicos que a Providência Divina permite para que
nós vençamos a nós mesmos. Além disso, as casas espíritas precisam receber as
pessoas especiais com cidadania e respeito, adequando os espaços físicos para
todos: rampas, portas largas, banheiros adaptados, livros espíritas em Braille,
audiolivros, intérpretes da Língua Brasileira de Sinais durante as palestras
para que pessoas surdas passem a frequentar nossas reuniões, tecnologia
assistiva para os que não falam pelo aparelho fonador, avanço de aprendizagem
para as crianças e adolescentes precoces e oportunidade de trabalho no bem para
todos. Qualquer um pode fazer o bem na casa espírita e a casa espírita é lugar
para se fazer o bem sem exceção. Cada pequeno avanço que a criança ou o jovem
especial faça é muito para o seu progresso espiritual. A nossa responsabilidade
é a de participar ativamente deste processo.
O Consolador: Nota-se que a temática
tem sido pouco abordada no meio espírita. Falta estímulo para ampliar o estudo
do tema?
Não, eu acho que falta é consciência
mesmo da presença deste assunto em nossas instituições. Tenho realizado alguns
seminários para evangelizadores, tendo a participação de lideranças importantes
do meio espírita e o que tenho tido de retorno é a perplexidade por não terem
registrado tais questões em suas mentes. Além disso, também há o preconceito
entre nós que não aceitamos barulho durante as reuniões públicas e crianças
especiais que não estão habituadas à casa espírita fazem barulho. Logo, os pais
percebem que a criança não é bem-vinda. Temos que superar este velho pensamento
de exclusão e trazer os nossos amores para relembrarem as mensagens do Cristo,
para conhecerem os ensinos dos Espíritos, para se reconhecerem como filhos de
Deus, almas em evolução, com livre-arbítrio, que precisam se perdoar e perdoar a
todos com quem ainda têm algum tipo de rusga. Lembremos ainda que muitas
crianças e jovens especiais sofrem com os processos obsessivos e a
evangelização, o passe, a oração, o culto no lar são terapêuticas essenciais
para o socorro necessário.
O Consolador: Por favor, acrescente
algum ângulo do tema não indagado aqui e que julga importante ser citado.
Gostaria de lembrar que os Espíritos
endividados estão tendo uma oportunidade fantástica de voltarem ao corpo de
carne para se reajustarem com a Criação. Embora o avanço das tecnologias da
informação e da comunicação permita reconhecer os altos níveis de inteligência
de pessoas com graves deficiências físicas, suas encarnações têm sido muito
difíceis pelas próprias condições em que elas vivem. É preciso compreender que a
tecnologia também foi criada para facilitar a comunicação dessas pessoas. Se
para a pessoa com tetraplegia uma cadeira de rodas é fundamental para a
autonomia nos deslocamentos, o computador portátil é essencial para a
comunicação oral por meio dos sintetizadores de voz. Embora matriculados nas
escolas, crianças e jovens especiais, deficientes e talentosos, ainda são
invisíveis aos olhos dos professores. É preciso falar mais sobre este assunto de
modo que nos conscientizemos da realidade da vida do Espírito. As obras de André
Luiz, Emmanuel, Yvonne Pereira, entre outros, trazem exemplos que podem se
transformar em estudos de casos para as reuniões públicas e as de evangelização
de crianças e jovens, orientando e prevenindo quedas recorrentes.
O Consolador: Suas palavras
finais.
Eu gostaria de encerrar dizendo da
importância de estudar Kardec e os demais corações que trouxeram ensinamentos
coerentes com as obras da Codificação: André Luiz, Emmanuel, Victor Hugo, entre
outros que escreveram por meio de médiuns respeitáveis. Reflitamos sobre o que
os Espíritos revelaram nas obras já mencionadas para que possamos compreender o
nosso papel na vida em sociedade nos tempos atuais. Professores espíritas não
podem fazer coro ao materialismo, praticando a exclusão em sala de aula porque
não foram formados para as práticas pedagógicas inclusivas. Todos nós estamos em
evolução e aperfeiçoamento, logo precisamos despertar. Que tenhamos olhos de ver
e ouvidos de ouvir. Que saibamos utilizar a nossa inteligência. Que sejamos
agradecidos a Deus pelos talentos que já desenvolvemos e podemos usar para
melhorar a qualidade de vida dessas pessoas maravilhosas, que nos ensinam a cada
dia a importância de amarmos a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a
nós mesmos.
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