quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Psicomotricidade e autismo

  • Alguns dos sintomas relacionados à Síndrome são: hiperatividade, curto tempo de atenção, impulsividade, agressividade com os outros e consigo e agitação psicomotora. A questão da atenção, segundo Gauderer et al (ibid), está relacionada com um erro de seletividade. Os autistas teriam uma incapacidade de modular ou sintonizar entradas sensoriais. Alguns autistas têm respostas extremas aos estímulos sensoriais, tais como hipersensibilidade ao toque, som, luz, textura de certos materiais, sensações proprioceptivas ou vestibulares devido a mudanças de posição e fascinação por certos estímulos visuais e auditivos. Podem mostrar falta de interesse por objetos como o chocalho, o móbile do berço ou no próprio movimento destes, mas reagir de modo exagerado a sons como buzina, campainha ou telefone. Não se sabe ao certo o porquê, mas a maioria dos sintomas já referidos, a partir do quarto ou quinto ano de vida, diminui em intensidade, principalmente em relação às reações exacerbadas por estímulos sensoriais e alterações do movimento. Distúrbios do sono e alimentares também são comuns. Muitas crianças rejeitam certos tipos de alimentos, principalmente os sólidos, pelo fato de não quererem mastigar. É muito comum estas crianças ingerirem, durante muitos anos, comida passada no liquidificador, a não ser que ocorra uma intervenção direta para modificar este comportamento. Medo excessivo em situações corriqueiras e perda do medo em situações de risco, também são freqüentes. Moraes (1999) destaca, em seu estudo, que estes sintomas inespecíficos, apesar de não fazerem parte dos critérios diagnósticos primários, são os que mais trazem problemas para a família e a equipe
  • 6. terapêutica, fazendo com que as crianças, muitas vezes, tenham que ser medicadas com psicotrópicos, para um melhor controle desses comportamentos. O corpo para a psicomotricidade e no autismo: A criança autista tem dificuldades de se apropriar de seu corpo, de entender e administrar sentimentos e emoções, que irão refletir, principalmente, no seu relacional e, conseqüentemente, no seu aprendizado. Segundo Franco Boscaini (1985, p.149), “o corpo é a síntese dos modos de ser do indivíduo... o corpo é matéria, mas também é psique, emoções, linguagem, história, presente, passado e futuro”. Para a Psicomotricidade, o corpo é o meio pelo qual o indivíduo se exprime, fala de si. Levin (2001) diz que o sujeito fala através de seu corpo, das variações tônico-motoras, do movimento, dos gestos e do esquema corporal. Falar de corpo requer, imprescindivelmente, fazer referências a parâmetros psicomotores como Esquema e Imagem Corporal. O esquema corporal é a percepção geral e diferenciada que se tem do corpo, percepção esta que, segundo Boscaini, seria fruto das informações sensoriais, exteroceptivas e, sobretudo, proprioceptivas, integradas ao nível do córtex cerebral, originadas tanto por uma atividade estática como por outra cinética ou mesmo tônica. Como aponta Mousinho (2002), Soubiran (1975) considera o esquema corporal como a resultante de uma consciência do corpo acrescida de sentido espacial e suas atitudes, o que permite uma identificação das possibilidades desse corpo quanto aos seus movimentos e ações. O que fundamenta, portanto, o esquema corporal, ainda segundo esta autora, “é a reciprocidade entre o corpo próprio e o espaço que o cerca” (SOUBIRAN, 1975, apud Mousinho, 2002, p. 115). Levin aponta que o esquema corporal é a própria idéia que se faz do corpo e que, assim, apresenta caráter mutável, evolutivo, sujeito ao passar do tempo. Mousinho, em seu trabalho, também faz referência a Murcia (1991) que define o esquema corporal segundo uma visão mais funcional na qual supor-se-ia uma estrutura de integração dos setores sensoriais com os motores, perceptível através do movimento. Fainberg (1982) também entende que com o desenvolvimento cognitivo e a maturação da percepção a criança irá adquirir a consciência do próprio corpo. A respeito das percepções e conhecimento do corpo, Braga (1995) se apóia nos estudos de Shilder (1980) que identifica uma possível associação entre o desenvolvimento sensório-motor e o próprio desenvolvimento do esquema corporal. Levin afirma que o esquema corporal se constrói na evolução do desenvolvimento psicomotor da criança. Tanto Soubiran quanto Murcia, citados anteriormente, sinalizam a importância da relação com o outro e com o meio. De acordo com Fainberg, desde o início, no período da simbiose com o outro, a criança faz a diferença da pessoa que cuida dela e do estranho. Em seguida, através da imitação, a criança se descobrirá como ela mesma. O outro terá papel fundamental na evolução do conhecimento do corpo, servindo inclusive de espelho. A criança terá no corpo do outro a imagem do pré-conhecimento de si mesma. Nas palavras de Dolto (1985, p. 63): “no início, a criança se constrói simbolicamente com outrem. Certamente, a função mamífera biológica do ser humano também existe, mas é totalmente marcada pela linguagem...”. Mousinho (2002, p. 115) considera que, “a imagem corporal é o conjunto de atitudes, percepções e representações que a pessoa tem do seu corpo em relação ao conjunto de experiências que ela vivenciou. A imagem do corpo é, portanto, um conceito diretamente influenciado pela história do sujeito, sendo construída a partir de sua experiência pessoal”. Boscaini coloca que é a troca contínua entre mãe e filho, desde o nível tônico-emotivo até o uso do símbolo e da linguagem verbal, que favorece e constrói a imagem corporal. Segundo o autor, é o corpo com todas as suas experiências sensório-motoras, conscientes e inconscientes, racionais ou imaginadas e desejadas que será o alicerce para a construção e organização do esquema e da imagem corporal. Para Boscaini, é necessário um corpo que sintetize o presente, o passado e o futuro. Dolto (1986, apud Levin, 2001) preconiza que o esquema corporal se diferencia da imagem do corpo por ser especificador do indivíduo enquanto representante da espécie, independente de sua época ou das condições em que vive, enquanto que a imagem do corpo está ligada ao sujeito e sua história, sendo própria de cada um.
  • 7. Como foi visto, o conhecimento do corpo como um todo, depende invariavelmente da relação com o meio e com as pessoas e a funcionalidade deste corpo está diretamente ligada ao conhecimento dele. Então, se o autista tem defasagens em seu relacional, como estará seu corpo? O autista não tem a noção de totalidade do seu corpo, ele lhe parece fragmentado, o que torna difícil a integração do esquema corporal e, conseqüentemente, a estruturação da imagem do corpo. Segundo Soubiran (1975, apud Mousinho, 2002, p. 117), a adaptação no espaço é facilitada pela boa percepção do esquema corporal em seus planos dinâmico e estático. O primeiro plano é a consciência das possibilidades e dos limites práxicos, enquanto que o segundo é relativo ao conhecimento do corpo. A autora considera o ser humano um corpo determinado em um espaço e tempo determinados. Mousinho (2002, p. 117) afirma que “a percepção do espaço é o resultado da integração de múltiplos estímulos, sendo o canal visual preponderante por meio de dois sistemas: localizador e identificador. A audição nos informa sobre as fontes sonoras e nos indica a direção dos acontecimentos. O tato possui uma função de grande importância no desenvolvimento da percepção do espaço, pois ele nos permite reconhecer as características morfológicas e físicas do corpo e do meio de informações táteis (principalmente das mãos) e da preensão. Além disso, os dados proprioceptivos nos informam sobre a posição do nosso corpo e sobre nossas atitudes”. Em Mousinho lê-se um relato no qual Leboyer (1985) descreve a constatação de Ornitz e Ritvo de que a reação às percepções sensoriais da criança autista pode ser excessiva (hiper-reação) ou atenuada (hipo-reação) e produzível através de qualquer órgão dos sentidos (p. 115). Mousinho diz ainda que, Lovaas e Schreibman (apud Leboyer, 1985) criaram o conceito de estímulo hiperseletivo. Este conceito seria para especificar uma incapacidade dos autistas de integrarem ou filtrarem diferentes estímulos sensoriais que estivessem presentes ao mesmo tempo. Desta forma, para que eles sejam capazes de responder a um estímulo sensorial, é preciso que este esteja isolado de outros. Segundo a autora, Schopler (apud Ritvo e Laxer, 1983) considera que os autistas têm preferência pelo tato, olfato e paladar, que são percepções de ‘proximidade’, em comparação às percepções ‘distantes’ audição e visão. Como fazer, então, para que a criança autista possa “trabalhar” suas percepções sensoriais a ponto que fiquem equilibradas para que possam propiciar, junto com outros aspectos, a integração do esquema corporal e a consciência de seu corpo, a fim de que possa utilizá-lo de modo organizado, melhorando sua qualidade de vida? Trabalhando através da estimulação sensorial: A psicomotricidade irá trabalhar no autismo, principalmente, no investimento do corpo para propiciar a tomada de consciência dele. Com isto, será possível um maior controle dos atos motores e na coordenação gestual do cotidiano, o que facilitará uma melhor relação com o meio em que vive e com as pessoas que o cercam. “No momento em que temos gestos não investidos, um corpo apenas objeto, que está a serviço de alguma coisa, mas que não se conhece, se ele não possui seu próprio esquema, trata-se de um corpo que não pode ser bem vivido e que não pode ser operacional” (SOUBIRAN, 1986, p. 85). Para que o objetivo da psicomotricidade perante o autismo seja atingido, ou seja, para que se possa propiciar ao autista uma maneira confortável de viver no mundo e de ser eficiente, é preciso “dar” contorno ao seu corpo, para que ele possa ter a compreensão do que a ele pertence e do espaço, dos objetos e das pessoas que o cercam. É preciso um trabalho onde a criança autista possa viver e sentir seu corpo, tirando-a dos estereótipos e incentivando-a a descobrir seu próprio movimento. O objetivo não é moldá- -la, mas oferecer à criança instrumentos que estimulem o seu desenvolvimento através do prazer de viver seu corpo nas mais variáveis relações. É importante ressaltar que antes de iniciar qualquer tipo de trabalho, independente da queixa da criança, deve-se estabelecer um vínculo e um tipo de comunicação que irão permitir o desenvolvimento deste. Diversos pesquisadores pontuam que, no caso das crianças autistas, a conquista do vínculo e da comunicação torna-se um pouco mais complexa, pelo fato de que, muitas vezes, o autista está centrado em si, não abrindo espaço para novas relações. Fala-se muitas vezes, pois não é em todos os casos que isto ocorre. Algumas crianças autistas tomam a iniciativa da comunicação, seja ela através de gestos, do olhar ou até mesmo da fala. Nos casos em que isso não acontece, alguns autores consideram como ponto de partida a imitação. Esta seria em relação aos movimentos repetitivos e estereotipados. Acreditam que a partir da imitação destes movimentos irão fazer-se perceber diante da criança autista, podendo, então, iniciar um processo
  • 8. de significar o movimento estereotipado, transformando-o num gesto intencional. “(...) a aproximação que tentei foi justamente através daquilo que ela olhava, suas mãos. Comecei a incluir as minhas mãos nos seus olhos imitando seus movimentos e suas reações tônico-motoras. Assim, Marina começava a ver as minhas mãos do mesmo modo que via as suas. (...) Em certo momento, ela me lançou um olhar e encontrei os seus olhos por um instante. Instante no qual coloquei palavras em relação ao seu olhar, ao rosto e ao diálogo que neste cruzamento de olhares era engendrado situando aí um dizer mais além dos olhos, da ação de ver (...)” (LEVIN, 2001, p. 205). O ser humano se comunica por intermédio da fala e pelo corpo nas trocas não-verbais: posturas, atitudes, gestos, olhares, etc. Experiências sensório-motoras: Após o estabelecimento do vínculo, baseado na confiança, é possível o início do trabalho. Este deve partir de experiências sensório-motoras, a fim de aumentar sua relação com o mundo, já que o contato com os outros através do toque ou do olhar é inicialmente difícil. Villard (1984, apud Mousinho, 2002) acredita que as experiências sensoriais e motoras, juntamente com a relaxação, propostas pela psicomotricidade, reforçam os limites do corpo, mal definidos na criança autista. Acrescenta que é necessário, primeiramente, oferecer o suporte das fronteiras do corpo, para depois fazê-la compreender o interior e o exterior. Uma proposta que, às vezes, dá um pouco de medo, mas que é bastante prazerosa é rolar no chão. As crianças gostam e ao mesmo tempo têm todas as partes do corpo passando pelo chão. É ótimo nos casos em que o contato físico com o outro, ainda causa desconforto. O corpo é todo contornado sem que haja “invasão de espaço”. Arrastar de frente ou de costas também gera resultados positivos e agradáveis. O olhar: Em conjunto com as experiências sensório-motoras é fundamental manter uma relação através do olhar. O olhar irá permitir que o terapeuta perceba todos os sinais, por mais imperceptíveis que sejam, que a criança irá enviar. Estes sinais são importantíssimos na percepção do estado tônico-emocional da criança. O olhar do terapeuta, além de observador, deverá estar em constante busca do encontro do olhar da criança, para que a partir deste momento, sejam facilitadas novas vias de contato. Através do olhar, o psicomotricista saberá o que agrada e o que incomoda, ou então o que parece ser indiferente, além de ser um excelente meio de estabelecer vínculo. Quando a criança é olhada sem medo nem preconceito, ela passa a ter confiança no terapeuta, permitindo uma aproximação. Gustavo1 era um menino de nove anos. Por ser muito grande e forte, intimidava as pessoas que lidavam com ele. Com isto, se aproveitava da situação para não fazer o que lhe era pedido. No início, a psicomotricista também se sentia amedrontada, pelas histórias de agressão que lhe foram contadas. Percebendo o medo, Gustavo a assustava, testando até aonde ela suportaria. Passada a fase inicial, a psicomotricista passou a olhá-lo sem medo e, ao mesmo tempo, sem julgá-lo. Aos poucos, Gustavo notou que ela estava ali para ajudá-lo. O olhar, permeado de ternura e acolhimento, fez com que, aos poucos, Gustavo se aproximasse e deixasse que ela o tocasse. O toque: Como diz Mousinho, a pele é a área sensorial mais extensa do corpo, sendo assim, o mais rico dos receptores. A pele é a zona de fronteira entre o interior e o exterior do corpo. Anzieu (1985, apud Mousinho, 2002) fala sobre as modalidades sensoriais compreendidas no sistema somestésico. Estas modalidades seriam as sensações de pressão, vibração, dor, temperatura e toque. A psicomotricidade também irá trabalhar com o autista através do contato corporal, explorando as diferentes variações do toque, do mais sutil ao mais forte. Normalmente, os toques mais fortes são preferidos pelos autistas. É importante ressaltar o cuidado que se deve ter ao tocar uma criança, autista ou não. O toque muito sutil pode erotizar ao invés de fazer perceber o corpo. 1 Gustavo é o nome fictício de um menino autista grave de nove anos, que não falava, apenas emitia sons. O trabalho foi realizado em uma escola especializada, localizada na cidade do Rio de Janeiro. Foi interrompido devido a saída da criança da escola.
  • 9. O toque tem diversas funções dentro do trabalho psicomotor. Além de dar contorno ao corpo, suas variações possibilitam, aos poucos, uma maior aceitação, por parte da criança autista, das sensações proporcionadas. Voltando ao caso de Gustavo, após sua aproximação, a psicomotricista, tentando um contato, pediu que ele lhe desse a mão. Olhando diretamente nos olhos, Gustavo estendeu sua mão e deu um sorriso. A terapeuta fez um carinho suave em sua mão, mostrando que o aceitava e que estava ali para ajudá-lo. Alguns minutos após, Gustavo abaixou a cabeça, oferecendo-a para a terapeuta, quase deitando em seu colo. É fundamental ressaltar, que o toque estava todo o tempo acompanhado do contato ocular. O autista percebe o toque de maneiras diferenciadas e não necessariamente coerentes. Para exemplificar, cita-se parte do caso de Donna Williams (1992), encontrado em Mousinho (2002, p. 117) “Donna Williams considerava o contato físico como algo esmagador, pois havia medo de perder a diferença entre ela e o outro. Em oposição, ela permitia que outras pessoas a penteassem e fizessem cócegas nos pés e antebraços. Segundo Williams, isso possibilitava a ela a experimentação do prazer físico, mesmo que de forma primitiva”. Alguns toques podem ser desagradáveis, enquanto outros podem oferecer segurança e conforto, com isto são necessárias algumas adaptações. Grandin (2002, p. 38), em sua autobiografia, escreve sobre o estímulo tátil e suas sensações. A seguir um trecho de seu relato: “(...) O estímulo táctil, para mim e para muitas crianças autistas, é uma situação em que só podemos perder. Nossos corpos pedem o contato humano, mas quando esse contato se estabelece, nós nos retraímos, porque nos provoca dor e confusão (...) Quando eu era criança, porém, como não tinha nenhum recurso mágico que me consolasse, costumava me enrolar num cobertor, ou me cobrir com as almofadas do sofá, para satisfazer meu desejo de estímulo tátil...”. O contato, tão importante para delimitar o corpo do autista, não precisa ser físico, como foi visto no relato de Grandin. Pode, num primeiro momento, ser feito com lençóis, cobertores, rolos de espuma, etc. Nesta situação, qualquer tipo de material é válido na busca de uma textura que seja suportável para a criança autista. Com o passar do tempo, dever-se-á incluir o contato físico, a fim de ajudar na estruturação de sua unidade corporal e de tornar sua relação com os outros mais próxima e agradável possível. A voz: Aucouturier (1984) diz que a voz é a única sensação de origem exteroceptiva que chega à criança in útero. A criança, quando nasce, é capaz de reconhecer a voz de sua mãe, antes mesmo de reconhecer seu rosto, através do ritmo e da melodia. Segundo Aucouturier, “o ritmo e a tonalidade da linguagem que exprimem as tensões afetivas e emocionais vividas pelo outro em seu corpo são percebidos pela criança bem antes de seu conteúdo propriamente semântico”. Partindo deste princípio, pode-se pensar no mediador importantíssimo que é a voz. Quando se lida com as crianças autistas, muitas vezes, tem-se a sensação (no caso daquelas que não se comunicam verbalmente) de se estar falando em vão. Refletindo um pouco sobre esta situação, deve-se questionar se realmente fala-se em vão. Talvez, as palavras não estejam sendo compreendidas semanticamente, mas isto não quer dizer que nenhuma mensagem esteja sendo passada. Os tipos de entonação da voz, do ritmo e do volume utilizados serão fatores fundamentais na percepção da mensagem. Gustavo, citado anteriormente, quando não queria fazer algo, colocava as mãos nos ouvidos e emitia sons, igual a uma criança “birrenta”. Era necessário avaliar a situação para saber calar ou falar de forma mais enérgica. A criança, independente de sua patologia, capta sentimentos e emoções que são passados através da voz. A voz, por sua vez, estará em sintonia com o estado tônico-emocional do indivíduo. Por exemplo, se o indivíduo estiver agitado, sua respiração estará mais acelerada, seu tônus aumentado e, por mais que se tente disfarçar, a voz estará modificada e, conseqüentemente, a fala mais exaltada. O mesmo ocorre no sentido oposto. É fundamental que o terapeuta tenha consciência do seu estado tônico-emocional para que, na hora da atuação junto à criança, não transpasse seus próprios problemas. Caso contrário, a voz em vez de grande aliada, passará a ser um instrumento de distanciamento não adequado. Precisa-se utilizar a voz para estabelecimento de vínculo com a criança. Mousinho (2002) diz que o envelope sonoro é um excelente meio de contato e uma forma de dar segurança e que particularmente com autistas, a voz falada ou cantada acalma.
  • 10. É importante iniciar uma aproximação pela voz, mesmo que seja apenas pedindo permissão para tal. Deve-se sempre ter em mente que, ainda que a criança não responda verbalmente, ela dá indícios de suas vontades. É necessário falar à criança todas as intenções e esperar sua reação positiva ou negativa, pois sempre haverá alguma. Considerações finais: O trabalho com crianças autistas é fascinante. Por um lado, é extremamente difícil e demorado, já que se precisa descobrir a melhor via de acesso para que se possa comunicar. É um processo de intensa observação e cuidado para não se perder os pequenos sinais emitidos, tampouco invadir um território sem permissão. Cabe lembrar, que por mais debilitadas que estas crianças possam estar, são indivíduos com vontades e desejos expressos que devem ser respeitados. Muitas vezes, na tentativa de ajudar acaba-se por ultrapassar um limite, não considerando a postura do outro. Por outro lado, é muito gratificante, quando se percebe singelas mudanças em seu comportamento, que irão, aos poucos, possibilitar uma melhora na qualidade de vida. O trabalho com autistas é permeado de muitas conquistas e novas descobertas a cada instante. As respostas obtidas dão esperança e incentivo, que são fatores fundamentais em qualquer abordagem terapêutica. Optou-se pela estimulação sensorial, por não se acreditar num trabalho de condicionamento que não os prepara para a vida social e sim os restringe ao âmbito familiar. Convém ressaltar que todo o processo terapêutico deve incluir os familiares para que se possa ter um trabalho integral e de qualidade. Orientar a família em relação à patologia e ao tratamento proposto torna-se fundamental e é imprescindível conscientizar os familiares quanto a sua atuação, como parte integrante e importante do tratamento. Para que o trabalho seja completo e apresente bons resultados é necessária a colaboração de todas as pessoas envolvidas com a criança, atuando num mesmo propósito, o de ajudar as crianças a conviverem melhor consigo mesmas, com os outros e com o meio que as cercam, para que todos sejam mais felizes. Bibliografia: ACCIOLY, M. C. C. Autismo: informações básicas. 1999. Apostila apresentada no I Encontro de amigos e parentes do autista, realizado no Instituto Fernandes Figueira em 19 de julho de 2003. AJURIAGUERRA, J. Manual de Psiquiatria Infantil. 2a ed. Tradução: Paulo Cesar Geraldes e Sônia Regina Pacheco Alves. São Paulo: Atheneu, 1973. 952 p. ISBN 85-85005-05-X AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4th edition. Washington: American Psychiatric Press, 1994. AUCOUTURIER, B. e LAPIERRE, A. Bruno: Psicomotricidade e Terapia. 2ª ed. Tradução: Alceu Edir Fillman. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. 80 p. _________________________________. Fantasmas Corporais e a prática psicomotora. Tradução: Regina Soares e Silva e Sônia Artin Machado. São Paulo: Manole, 1984. 139 p. _________________________________. Os contrastes e a descoberta das noções fundamentais. 2a ed. Tradução: Sônia Artin Machado. São Paulo: Manole, 1985. 236 p.
  • 11. BOSCAINI, F. Qual identidade corpórea na psicomotricidade? Revista do corpo e da linguagem, Rio de Janeiro, VIII ed., p.129-153, março 1985. BRAGA, L. S. O ato psicomotor em cena. Monografia apresentada para a conclusão do curso de graduação em Psicomotricidade. Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação, Rio de Janeiro, 1995. 49 p. COSTE, J.C. A psicomotricidade. 2ª ed. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. 96 p. FAINBERG, J. Esquema Corporal. Revista do corpo e da linguagem, Rio de Janeiro, n.1, p. 5-11, Jul. 1982. FAY, W. H. Autismo Infantil in BISHOP e MOGFORD e col. Desenvolvimento da linguagem em circunstâncias excepcionais. Tradução: Mônica Patrão Lomba e Leão Lankszner. Rio de Janeiro: Revinter, 2002. p. 261-279. ISBN 85-7309-560-1 GAUDERER, E. C. Perguntas e respostas sobre o autismo in LIPPI, J. R. S. e CRUZ, A. R. (Org) Psiquiatria Infantil: estudo multidisciplinar. Belo Horizonte: ABENEPI, 1987. p.109-113. GRANDIN, T. e SCARIANO, M. Uma menina estranha: autobiografia de uma autista. Tradução: Sérgio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 193 p. ISBN 85-7164-963-4 LAPIERRE, A. A educação psicomotora na escola maternal – Uma experiência com os “pequeninos”. Tradução: Ligia Elizabeth Henk. São Paulo: Manole, 1989. 102 p. ____________ O corpo. Revista do corpo e da linguagem, Rio de Janeiro, I, Jun 1983. ____________ e LAPIERRE, A. O adulto diante da criança de 0 a 3 anos. Relação Psicomotora e formação da personalidade.Uma experiência vivida na creche. Tradução: Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Manole, 1987. 153 p. LE CAMUS, J. O corpo em discussão: da reeducação psicomotora às terapias de mediação corporal. Tradução: Jeny Wolff. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. 164 p. LEVIN, E. A clínica psicomotora: o corpo na linguagem. 4a ed. Tradução: Julieta Jerusalinsky. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001. 341 p. ISBN 85-326-1544-9.
  • 12. LEVIN, E. A infância em cena: constituição do sujeito e desenvolvimento psicomotor. 3a ed. Tradução: Lúcia Endlich Orth e Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001. 285 p. ISBN 85-326-1825-1. LÓPEZ, A L. L. Reflexões sobre o Autismo Infantil in FERREIRA, C. A. M. (Org) Psicomotricidade: da educação infantil à gerontologia. Teoria e Prática. São Paulo: Lovise, 2000. p. 135-137. MESIBOV, G. B. & SHEA, V. A cultura do Autismo: do entendimento teórico à prática educacional. Net, Tradução: Marialice de Castro Vatavuk, São Paulo, (s/d). Disponível em: http://www.ama.org.br/cultaut.htm Acesso em: 12 maio 2003 MORAES, C. Questionário de avaliação do comportamento autista (CACS-27): descrição do instrumento e apresentação de dados de validade e confiabilidade. 1999. Dissertação de Mestrado. Orientadora: Lidia Straus. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas. Campinas, São Paulo, 1999. 130 p. MOUSINHO, R. O corpo no(s) Autismo(s) in FERREIRA, C. A. M. e THOMPSON, R. (Org) Imagem e Esquema Corporal: Uma visão transdisciplinar. São Paulo: Lovise, 2002. p. 111-120. ORNITZ, E. M., RITVO, E. R., GAUDERER, E. C. Autismo. Revisão crítica da literatura in LIPPI, J. R. S. e CRUZ, A. R. (Org) Psiquiatria Infantil: estudo multidisciplinar. Belo Horizonte: ABENEPI, 1987. p. 113-134. RODRIGUES, C. N. V. C. Autismo Infantil. Net, (s/d). Disponível em: http://www.drgate.com.br/artigos/textos/to/to_autismo.htm Acesso em: 13 nov. 2003 SCHWARTZMAN, J. S., ASSUMPÇÃO JR. e col. Autismo Infantil. São Paulo: Memnon, 1995. 285 p. ISBN 85-85462-12-4. SOUBIRAN, G. Falando do corpo e sobre o corpo – Plenária II. Revista do corpo e da linguagem, Rio de Janeiro, V. IV, n. 12, p. 73-136, mar. 1986. TUSTIN, F. Autismo e Psicose Infantil. Tradução: Isabel Casson. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda, 1975. 208 p. VECCHIATO, M. Psicomotricidade Relacional e Terapia. Tradução: William Lagos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. 107 p.

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