O caso a seguir ilustra como o treinamento neurológico por Neurofeedback
permitiu o resgate de um funcionamento saudável a um menino de 10 anos
de idade com sérios problemas atencionais e comportamentais. Este
menino, que chamaremos de RB, chegou ao meu consultório com um quadro
diagnosticado de hiperatividade e déficit de atenção (DDA/TDAH).
Mapa inicial
Mapa Q feito antes do início do tratamento |
O mapa Q ou QEEG (veja quadro Mapa inicial) ilustra
alguns aspectos de sua atividade cerebral que, de pronto, ajudavam a
entender seu caso. Dois aspectos são evidentes. Em primeiro lugar, o
excesso de ondas Delta em ambos os lobos frontais (1ª cabeça, na 1ª
linha), o que levava a uma lentificação da atividade destas estruturas
responsáveis pelas funções executivas de atenção, concentração e
raciocínio abstrato. Além disso, saltava aos olhos o "hot spot" em Fz (Sistema Internacional 10-20), ainda na 1ª linha, 4ª e 5ª cabeças. O exame de tomografia funcional de baixa resolução (veja quadro LORETA, figura A),
que realizo em meu consultório, partindo de sua atividade
eletroencefalográfica, fornece a localização exata de comprometimentos
funcionais inclusive de estruturas mais profundas do cérebro,
identificando minuciosamente as estruturas envolvidas. No caso, o LORETA
identificou as seguintes estruturas disfuncionais: giro frontal
superior e médio, no lobo frontal (área de Brodmann 9), e cíngulo
anterior, lobo límbico (área de Brodmann 24). Sabe-se, da literatura na
área, que atividade elevada do cíngulo anterior pode contribuir para o
aparecimento de tiques, comportamentos obsessivo-compulsivos (TOC), bem
como comportamento social aberrante. Não por acaso, esta criança
apresentava comportamentos que se enquadravam nestas três classes de
alterações comportamentais.
LORETA - Exame de tomografia funcional de baixa resolução
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Figura A
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Figura B
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Em outro corte, também fornecido pelo LORETA (Figura B), o
programa indicou outras áreas em que o cérebro desta criança apresentava
comprometimento de atividade. No caso, deficitária em seus lobos
parietais, tanto do hemisfério esquerdo quanto do direito, o que ajudava
a explicar sua dificuldade de processar contexto, o que o fazia, muitas
vezes, se comportar de modo inconveniente no convívio social, na escola
e com a família.
Além disso, igualmente evidente em seu mapa inicial, era o padrão de
hipercoerência em Delta (quadro Mapa inicial, figura A 1a, 1ª cabeça, 4ª
linha) que, no inglês, costuma ser chamado jocosamente de "macaroni head",
o que indicava que seu sistema neurológico não estava inibindo a
comunicação irrelevante de maneira satisfatória nesta faixa, com perdas
de diferenciação funcional. Na prática, isto significava
hiperconectividade levando a pouca ou nenhuma flexibilidade na dinâmica
existente entre as diferentes redes corticais quando recrutadas, isto é,
chamadas a participar de tarefas distintas.
COM O NEUROFEEDBACK,
AS MUDANÇAS FORAM IMPRESSIONANTES. OS LOBOS FRONTAIS SE ENCONTRAVAM
MENOS CONGESTIONADOS COM A DIMINUIÇÃO DA AMPLITUDE DE ONDAS DELTA E
TIVERAM SEU VALOR REDUZIDO PELA METADE
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Ainda assim, o cérebro desta criança possuía boa velocidade de
transmissão de informações em praticamente todas as faixas do espectro
de frequências (quadro Mapa inicial, 5ª linha), um indicativo de
inteligência, que lhe permitia, apesar de tudo, garantir algum
funcionamento e adaptação a seu cotidiano e às tarefas em sua vida.
O quadro Mapa final apresenta o QEEG desta criança após apenas 16 sessões de treinamento neurológico por Neurofeedback.
Mapa final
Mapa Q feito após apenas 16 sessões (1 sessão por semana) de Neurofeedback |
É impressionante o nível de mudanças observado em tão pouco
tempo. Seus lobos frontais agora se encontram menos congestionados com a
diminuição da amplitude de ondas Delta que, de mais de dois
desvios-padrão em seu mapa inicial, teve seu valor reduzido pela metade,
para praticamente 1 desvio-padrão. Ainda mais evidente é o completo
desaparecimento do "hot spot" em Fz. Estas duas mudanças
correlacionaram perfeitamente com os relatos dos pais e da escola de
melhorias funcionais, cognitivas e comportamentais que esta criança
agora passava a expressar. Sua atenção e concentração, bem como seu
comportamento de modo geral, haviam melhorado sensivelmente. Isto
correlaciona, também, com o desaparecimento do padrão de hipercoerência
em Delta, indicando maior flexibilidade na dinâmica de recrutamento de
áreas e estruturas corticais.
Vale mencionar, também, a precisão quase cirúrgica com que o
treinamento neurológico atua. Ao mesmo tempo em que fornece as condições
para que o cérebro aprenda a corrigir aspectos funcionais dissonantes,
como os descritos anteriormente, faz isso preservando as características
funcionais de alta performance que esta criança já possuía,
especificamente ligada à velocidade da transmissão de informações em seu
cérebro.
Leonardo Mascaro é
psicólogo especializado em Neurofeedback nos EUA e mestre em
Neurociências pela USP. Possui mais de 15 anos de prática clínica
dedicados ao atendimento psicológico e de pacientes neurológicos. É
autor do livro A Arquitetura do Eu, publicado pela editora
Campus-Elsevier leonardo.mascaro@braintech.com.br
Fonte: Revista Psique
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