domingo, 12 de fevereiro de 2012

Deixar às escolas a tarefa de ensinar

Doutora em Psicologia Educacional e professora do Departamento de Metodologia de Ensino da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp), Maria Teresa Eglér Mantoan, é referência nacional no que se refere à Educação Inclusiva. Confira essa entrevista exclusiva ao Jornal da AME.

Comentando uma matéria publicada no Jornal da AME, a senhora afirmou que não concorda que a inclusão seja um processo, por que?
Não concordo que a inclusão seja um processo porque não é a inclusão que tem que ser gradativa, lenta, mas, pelo contrário, rápida e radical para que detone o processo de transformação da escola. E quanto mais rápido esse processo de transformação da escola para umaescola de melhor qualidade ocorrer, mais a inclusão será realidade. Então a inclusão não é processual. Seria processual se você entender da seguinte forma: "hoje as escolas regulares podem atender tais e quais crianças e os casos mais graves ficam nas instituições". Atendimentos clínicos, especializados, podem e devem ser realizados nas instituições, mas escola é um outro assunto. As instituições em geral reagem defendendo que a inclusão é um processo, que as escolas regulares não estão preparadas, que elas não atendem bem, mas para elas melhorarem, elas precisam de um desafio, precisam assumir a responsabilidade de trabalhar com todas as crianças, indistintamente, têm que se reconhecerem competentes e buscarem a competência para que a inclusão ocorra.

Os professores estariam, hoje, preparados para atender as crianças especiais?Ninguém está preparado para qualquer função, muito menos a educacional, sem a experiência prática. Vai-se adquirindo acompetência quando trabalha-se com o aluno e vai buscando-se atender a necessidade dele. É preciso que o aluno esteja lá para que seprepare. Uma mulher não está preparada para o casamento se não vivero casamento, com todo o empenho de acertar. E cada dia há uma novidade, um desafio, uma situação nova que vai testar sua competência e vai dar oportunidade de ultrapassar suas limitações, se quiser continuar com essa opção de vida. Da mesma forma, os profissionais devem ir à luta. O ensino só vai mudar se houver uma prática consciente.

Qual a preocupação hoje da Unicamp no que se refere a formação de professores em relação a educação inclusiva?
A preocupação da Unicamp com a formação dos professores sempre existiu dentro desta visão de que todos os professores devem estar preparados para atender a todas as crianças. Mais precisamente nestes últimos anos quando o currículo da Faculdade de Educação da Unicamp foi modificado, foram excluídas as habilitações e especializações para educação de pessoas com deficiência e também educação infantil, supervisão e administração escolar, porque a idéia é a formação do educador no sentido amplo, formação de uma pessoa que tem que dar conta de todas as crianças e não especializaralguém em uma ou outra deficiência, ou um ou outro trabalhoespecífico da escola. A Unicamp não está preocupada com a preparação para a inclusão, mas em formar professores para escolas abertas às diferenças e não com a inclusão em si. Quer preparar o profissional da educação que tenha consciência que a escola é para todos e deve buscar a competência pelo desafio que seus alunos representam a cada ano e a cada momento na sala de aula. A profissão de educar não é uma profissão que implica num conhecimento fechado adquirido a partir de cursos universitários ou alternativos, mas implica em consciência moral, social, do nosso papel como educadores na construção de uma sociedade cada vez melhor, cada vez mais preocupada com o desenvolvimento do ser humano. Não temos especialização em nenhuma habilitação. Não consideramos que a habilitação específica seja um avanço, mas um grande retrocesso da educação hoje, porque precisamos de professores que entendam de educação e não de deficiência. Educação para todos.

Com essa formação mais generalista, o profissional sai da universidade preparado para também atender a pessoa portadora de deficiência?
Mas claro, porque todas as crianças são crianças. Não consideramos que entender de Braille, por exemplo, é uma especialização, ou conhecer a língua de sinais forma um especialista em educação, ouqualquer outro processo que facilite a comunicação das crianças deficientes nas escolas. Esses são recursos, são linguagens que o professor deve aprender para no caso de se ter na escola uma criança surda possa se trabalhar numa visão bilingüística, mas isso não significa uma formação de especialista. As habilitações e todas as formas de capacitar o professor para educação de deficientes, na verdade não tem nada de especial, são apenas recursos adicionais, mas não formação educacional especificamente. Estamos formando pessoas numa visão ampla, numa visão de segurança, de competência.

Na Unicamp, há o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade (Leped). Desde quando ele existe e qual sua função?
Eu sou a coordenadora do Leped desde 96 quando o fundamos junto com um grupo de alunos. Sua finalidade é reunir pessoas, implementar estudos e pesquisas que visam justamente a entender as diferenças nas escolas e promover o ensino aberto a essas diferenças sem discriminar ninguém, sem preconceitos, numa educação que é justa e solidária. As pesquisas são feitas em escolas da rede pública de ensino e visam conhecer como as escolas no momento atuam e em que sentido têm que aprimorar a qualidade de seu ensino, para atender a todas as crianças e tornarem-se inclusivas.

Quando se fala em transformação da escola, do ensino, isso não implicaria em mudanças na política educacional?
Claro. Infelizmente as políticas educacionais e mesmo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) deixam lacunas muito grandes que servem para manter o ensino tal qual ele é, principalmente o ensino especial, que é o grande problema que nós temos para se alcançar uma educação verdadeiramente inclusiva. Porque existindo essa modalidade educacional - a educação especial - sempre há uma possibilidade de alguns não freqüentarem o ensino regular e havendo essa possibilidade a inclusão não se efetiva. É muito difícil se falar em ensino inclusivo no Brasil. O que nós temos realmente são sistemas de ensino que, por terem autonomia, excluíram o ensino especial de suas redes. Então não temos verdadeiramente uma condição de ter uma escola para todos.

Então a senhora não é a favor da educação especial?Absolutamente. Eu sou inteiramente contra o ensino especial, as classes especiais e todo tipo de atendimento que a educação especial propõe para atender os deficientes, mesmo os deficientes estando em salas regulares, com apoio de professores itinerantes. Porque, na verdade, eles continuam mantendo essas crianças dentro das escolas, mas discriminando-as, ora porque elas têm que sair para ter um atendimento diferente, ora porque têm um currículo apropriado para elas, ora porque elas têm que ter um reforço senão não dão conta do conteúdo da escola... E com isso a escola regular não tem motivos para mudar, de maneira a acolher a todos. Não são só as crianças deficientes que não tem acesso ao ensino regular. Aliás esse segmento é muito pequeno perto do número de crianças que estão sem escola hoje. Quando falamos em educação inclusiva, para todos, não estamos falando exclusivamente da inserção de crianças deficientes no ensino regular, estamos falando desse grande problema da escola brasileira que é de excluir grande número de crianças das salas de aula e de adotar medidas excludentes para os alunos que conquistam um lugar dentro da sala, deficientes ou não.

Além do ensino especial, qual outro obstáculo ou resistência poderíamos encontrar para se efetivar a educação inclusiva?
O preconceito social, familiar. Muitos pais não acreditam nas possibilidades dos filhos ou mesmo têm medo de enfrentar um processo inclusivo do filho, porque já se acomodou no ensino especial e não tem grandes expectativas com relação a essa criança. A formação dos professores. A própria legislação e a política. Tudo isso contribui para impedir que a escola para todos seja uma realidade.

Em seu livro "Compreendendo a deficiência mental", escrito em 87, a senhora ressaltou o inestimado valor do professor especializado no aluno. Já naquela época falava da inclusão, embora abordando de uma outra maneira. Qual o percurso que a levou a diferenciar integração de inclusão?
Meu próprio percurso. Porque eu sempre lutei para que as crianças que eram atendidas em instituições, tivessem uma passagem breve por essas instituições e não ficassem ali definitivamente. Mas quando eu percebi a facilidade com que elas conseguiam ultrapassar essa barreira da escola regular, eu comecei a olhar o quanto a escola regular poderia acolhê-los, sem que eles precisassem passar por esse pedaço marginalizado que é o ensino especial. Foi principalmente a convicção de que a melhor maneira de se aprender de se evoluir é a partir do meio que nos desequilibra, que exige reações, ultrapassagem de nossos limites, e não pode ser um meio acomodador, que tenha todas as adaptações pensadas de antemão, mas que o indivíduo possa buscar suas saídas.

Qual seria sua mensagem para as pessoas que atuam na área da educação para que a educação inclusiva se concretize?
Que cada vez mais melhorem sua prática profissional, que cada vez mais dêem a todas as crianças o que elas esperam da escola, que é crescerem felizes. Que essas crianças aprendam a não discriminar, a serem justas e que vivam na escola o que elas têm direito: a alegria de conviver com crianças da sua idade e com as diferenças.

Fonte: http://topicosemautismoeinclusao.blogspot.com/2008/05/deixar-s-escolas-tarefa-de-ensinar.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário