1- Introdução
Grande parte das queixas relatadas na clínica
fonoaudiológica referem-se à problemas de aprendizagem e/ou atraso no
desenvolvimento e aquisição da linguagem. Muitas vezes essas queixas
associadas à outros sintomas constituem um quadro mais complexo, a
Síndrome do Déficit de Atenção.
No relato da maioria dos responsáveis por estes
pacientes, em geral crianças, estão presentes sintomas como:
hiperatividade, distúrbios de atenção, incoordenação motora, distúrbios
de fala e outros.
É comum os pais relatarem que os seus filhos "não
param quietos, são desatentos, parecem estar sempre no "mundo da lua",
distraídos, muito ativos, bagunceiros etc".
A investigação por parte dos médicos, fonoaudiólogos,
psicólogos e outros profissionais, que recebem esse tipo de queixa na
clínica é fundamental para constituir o diagnóstico diferencial do
paciente.
Um dos primeiros autores a escrever sobre a
Síndrome do Déficit de Atenção, foi Dupré, que durante a Primeira Guerra
Mundial descreveu um quadro sintomático intitulado: "Debilité Motrice",
e que na época, passou meio desapercebido.
Anos depois, em 1947, Strauss e Lehtinen definiram esse quadro de sintomas de "Lesão Cerebral Mínima", acreditando assim existir uma pequena lesão cerebral.
Em 1962, no simpósio de Oxford, foi oficializada a
expressão "Disfunção Cerebral Mínima", já que a hipótese da existência
de uma lesão cerebral mínima não tenha sido comprovada.
No ano de 1966, um grupo de estudos organizado pela
National Society for Crippled Children and Adults, NINDB, deram a
seguinte conceituação à Disfunção Cerebral Mínima ( in Paine, 1968 ):
"As categorias diagnóstica e descritiva incluídas no termo Disfunção
Cerebral Mínima, referem-se à crianças com inteligência próxima ou
superior à média, com problemas de aprendizado e/ou certos distúrbios de
comportamento de grau leve à severo. associados a discretos desvios de
funcionamento do Sistema Nervoso Central, SNC.
Esses podem ser caracterizados por variadas
combinações de déficits na percepção, conceituação , linguagem, memória e
controle da atenção, dos impulsos nervosos ou da função motora.
Sintomas similares podem ou não complicar o quadro de crianças com
paralisia cerebral, epilepsia, retardo mental, cegueira ou surdez.
Essas aberrações podem originar-se de variações genéticas, irregularidades bioquímicas, sofrimento perinatal, moléstias ou traumas sofridos durante os anos críticos para o desenvolvimento e maturação do Sistema Nervoso Central ou de causas desconhecidas.
A definição também admite a possibilidade de que a
privação severa ou um trauma, ocorrido precocemente, podem resultar em
alterações do Sistema Nervoso Central, possivelmente permanentes.
Durante os anos escolares, uma variedade de dificuldades especiais de
aprendizagem constituem as mais importantes manifestações da condição
que é designada por esse termo".
Após esta conceituação, ocorreram estudos no campo da
neuroquímica que trouxeram contribuições para a patogenia da Disfunção
Cerebral Mínima. A partir de então, novas propostas foram elaboradas
para precisar o conceito de DCM.
Durante as décadas de 60 e 70, a denominação DCM foi considerada e empregada para designar um conjunto de sinais e sintomas como: alteração motora, distúrbio de conduta, distúrbio de aprendizagem, distúrbio de atenção.
Em 1.980, a Associação Psiquiátrica Americana propôs uma nova denominação, para uniformizar o conceito, não utilizando mais a antiga DCM e hiperatividade, mas Síndrome do Déficit de Atenção.
Esta mudança ocorreu para englobar tanto a
hiperatividade como os demais sintomas, também por não se tratar de uma
disfunção propriamente dita e sim uma falta de maturação do Sistema
Nervoso Central que tende a amenizar com o passar dos anos.
A etiologia da Síndrome do Déficit de Atenção,
abrange alterações neurológicas facilmente confundidas com distúrbios
emocionais específicos e autismo.
Entre as alterações neurológicas ligadas à Síndrome
do Déficit de Atenção ( SDA ), pode-se destacar a imaturidade
neurológica difusa e a perturbação quanto aos neurotransmissores
químicos.
Todos os estímulos que a todo momento "bombardeiam"
nosso cérebro, passam pela formação Reticular ( área localizada no
tronco Cerebral ), esta determina os estímulos que irão tornar-se
conscientes, atingindo assim o Córtex.
Na formação Reticular existe um agregado de neurônios ,separados por uma rede de fibras nervosas que ocupam a parte central do Tronco Cerebral. Nesta área existe um grande número de núcleos ricos em neurotransmissores destacando-se as monoaminas como serotonina, noradrenalina, dopamina.
Entre as funções da Formação Reticular, pode-se
destacar o controle da atividade elétrica cortical, Sono e Vigília;
controle eferente da sensibilidade ; controle da motricidade somática ;
controle do sistema Nervoso autônomo ; controle neuro-endócrino ;
integração de reflexos, centro respiratório e vasomotor.
A integridade das funções de tal área depende da
maturação do Sistema Nervoso Central, consequentemente também da
estimulação a qual a criança é submetida. Quando esta maturação está
atrasada, a criança apresenta a desatenção, que é o principal sintoma
desta Síndrome.
Outros Sintomas que constituem o quadro da SDA são: a
hiperatividade, a incoordenação motora e falta de equilíbrio,
distúrbios de fala, alterações de sensibilidade, distúrbios de
comportamento e dificuldades escolares, que serão discutidos a seguir.
Hiperatividade - é uma atividade
motora intensa, composta por movimentos involuntários, associados aos
movimentos voluntários, os quais a criança não consegue controlar.
Muitas vezes essa movimentação intensa é acompanhada por hiperatividade
verbal ou ideativa . A criança com hiperatividade possui assim, um
aumento na atividade motora. Um exemplo disso, seria quando colocamos
uma criança com hiperatividade em frente a um aparelho de televisão; com
freqüência mantém-se inquieta, movimenta-se constantemente, distrai-se
facilmente . A hiperatividade presente na vida motora da criança, também
está presente na sua atividade cognitiva, a mesma não consegue
concentrar-se e distrai-se facilmente com vários estímulos os quais é
submetida . Incoordenação Motora e Falta de Equilíbrio - são funções
dependentes da maturação do Cerebelo. Como esta maturação não está
presente na maioria das crianças portadoras da Síndrome do Déficit de
Atenção, elas possuem uma incoordenação motora e falta de equilíbrio,
sendo crianças caracterizadas pelos pais como "estabanadas", derrubam
objetos, caem com maior freqüência . Sensibilidade - ocorre devido o
atraso na maturação das áreas do cérebro que comandam as noções de
esquema corporal e praxias. As crianças com SDA possuem uma certa
dificuldade gnósicas ( como de localização corporal ) e alteração de
sensibilidade. Sendo assim, essas crianças ao sofrerem algum tipo de
ferimento demoram mais para percebe-lo, e na maioria das vezes nem sabem
como ocorreu . São crianças mais expostas a situações de risco por não
possuírem exata consciência de perigo.
Distúrbios da fala - freqüentemente são
encontrados atraso na aquisição e desenvolvimento da linguagem, fato
que pode ocorrer devido à dificuldade de atenção e à lentidão em
ultrapassar as etapas do desenvolvimento da linguagem oral.
Ocorrem também, com freqüência, alterações fonemicas sistemáticas ( como omissões; substituições ), devido a imaturidade dos mecanismos articulatórios . Os distúrbios de ritmo também são encontrados, como a taquilalia. Podem ocorrer também a gagueira ou o clutter( variações na aceleração da fala, algumas vezes com caracter de jargão, sugestivo a dificuldade na elaboração da linguagem e mecanismos articulatórios. Tais alterações são difíceis de serem reconhecidas como um problema primário ou efeito de um problema emocional, associado a um quadro inicial de SDA.
Distúrbios de comportamento - A criança
com SDA, pode possuir maior tendência em apresentar problemas
emocionais, pois devido sua hiperatividade e todo o seu quadro
sintomático pode a vir a gerar alguma alteração de comportamento.
São crianças tidas como "desligadas", "inquietas", "desajeitadas", sendo na maioria das vezes rejeitadas pela sociedade. Muitas vezes, os próprios pais não sabendo como lidar com o " temperamento difícil da criança", acabam tornando-se displicentes.
Devido a rejeição a qual é submetida, a criança pode desenvolver quadros de introversão e agressão variados.
Inteligência
Não existem dados que comprovem que a inteligência da criança com SDA não seja normal, exceto quando existir associação de outros distúrbios neurológicos.
Distúrbio de aprendizagem : A aprendizagem da criança com SDA é bastante prejudicada devido a dificuldade de concentração.
Durante a idade escolar, a criança é considerada como diferente, indisciplinada , já que costuma manter-se agitada o tempo inteiro, distrai-se com facilidade pela existência de inúmeros estímulos . Portanto, as crianças com SDA são "crianças problemas" na escola, com muita dificuldade na aprendizagem, principalmente devido às alterações de atenção e conseqüentemente concentração.
Existem algumas patologias com uma
sintomatologia semelhante à SDA. Por isso, em alguns momentos, torna-se
difícil um diagnóstico diferencial.
A seguir será feito um paralelo entre a SDA e outras
patologias . Problemas Psicológicos Graves - Nesses tipos de distúrbios,
a criança geralmente possui hiperatividade. Porém, uma das diferenças
encontradas que a difere da criança com SDA é que esta hiperatividade
cessa em alguns momentos, principalmente quando a criança se encontra em
situações novas ou difíceis. Quando, por exemplo, uma criança vai a
casa de um desconhecido, ela procura, primeiramente , reconhecer o
ambiente e as pessoas. Enquanto a criança com SDA, já entra no ambiente
mexendo em tudo, inquieta, sobe e desce escadas... Autismo- O que difere
a criança autista da criança com SDA é o tipo de hiperatividade.
Na criança autista a hiperatividade é na maioria das vezes esteriotipadas, ritmada e repetitiva, ou seja, sempre com os mesmos movimentos numa mesma seqüência. Em alguns momentos a hiperatividade cessa para dar lugar a outras atitudes como por exemplo o choro, o riso, outras expressões faciais, etc.Enquanto que na criança com SDA, a hiperatividade não cessa nunca, nem para dar lugar a outros comportamentos.Deficiência Auditiva - Este diagnóstico diferencial é muito importante, pois muitas vezes a mãe traz a queixa de que a criança " não escuta bem", ou "não presta atenção quando os outros falam com ela" e quando submetida á avaliação audiológica não é detectada uma alteração auditiva.
Na criança autista a hiperatividade é na maioria das vezes esteriotipadas, ritmada e repetitiva, ou seja, sempre com os mesmos movimentos numa mesma seqüência. Em alguns momentos a hiperatividade cessa para dar lugar a outras atitudes como por exemplo o choro, o riso, outras expressões faciais, etc.Enquanto que na criança com SDA, a hiperatividade não cessa nunca, nem para dar lugar a outros comportamentos.Deficiência Auditiva - Este diagnóstico diferencial é muito importante, pois muitas vezes a mãe traz a queixa de que a criança " não escuta bem", ou "não presta atenção quando os outros falam com ela" e quando submetida á avaliação audiológica não é detectada uma alteração auditiva.
É nesse momento que o profissional pode suspeitar da SDA, principalmente se a avaliação audiológica for normal, somada a sintomas como hiperatividade e dificuldades escolares.Esta criança pode apresentar uma audiometria normal e queixa por parte dos pais de que ela "não escuta direito", tanto devido a dificuldades na seleção dos estímulos, devido a falta de maturidade do SNC ,especialmente da formação reticular, quanto por uma dificuldade no cumprimento das etapas do processamento auditivo central( principalmente a atenção) . Dislexia -Em crianças com SDA comumente, pode-se encontrar como foi dito anteriormente, quadros de disgrafia, discalculia e dislexia( dificuldade para ler e escrever).A disgrafia deve-se em geral à incoordenação motora. A discalculia pode ser proveniente da dificuldade que a criança possui da noção de equivalência quantitativa. A dislexia deve-se a dificuldade de concentração e reconhecimento dos símbolos gráficos . Contudo, é importante ser feito o diagnóstico diferencial da criança com dislexia e da criança com SDA e sintoma de dislexia . O paciente disléxico tem dificuldades de reconhecimento estritamente relacionados com símbolos gráficos, porém não possui falhas de concentração e atenção como nos pacientes com SDA.
Um exemplo disso, é que uma criança com dislexia tem
dificuldade na escrita, mas é capaz de realizar um jogo sem dificuldades
em prestar atenção nas regras que envolvem o mesmo. Enquanto a criança
com SDA possuirá dificuldade em perceber as regras, e manter atenção
para tal atividade . Deficiência Mental-A criança portadora de
deficiência mental possui seu desenvolvimento intelectual prejudicado, o
que a impede em alguns momentos de realizar determinadas atividades, ou
seja, ela é incapaz de entender, por exemplo, regras de jogos mais
complexos . Enquanto a criança com SDA, não é incapaz por ter função
intelectual prejudicada ou deficiente, mas por ter dificuldade no campo
da atenção.A criança com Deficiência Mental na maioria das vezes pode
não apresentar uma hiperatividade, mas sim um estado de agitação.Outra
característica da criança com deficiência mental é o quadro de hipotonia
que a acompanha . Afasia de Evolução - o que a diferencia da SDA é
principalmente a existência de uma lesão cerebral, o que não acontece na
SDA.
Sempre houve muita discussão em torno do
tratamento das crianças com SDA. Inicialmente, os neuropediatras
acreditavam que o tratamento à base de calmantes e sedativos seria mais
eficaz. Porém, foi observado que tais drogas de ação sedativa agravavam
os sintomas . Após estudos, iniciou-se o tratamento com substâncias
estimulantes do Sistema Nervoso Central, e que nas crianças com SDA
estão deficitárias, substâncias como a anfetamina, que possui composição
semelhante às monoaminas, presentes no SNC. Tais substâncias são
responsáveis pela condução dos impulsos nervosos até o Córtex Cerebral.;
porém a eficácia do tratamento deu-se apenas em parte dos casos . Desde
a década de 70 vem sendo pesquisados os efeitos de outras drogas como a
cafeína, usada como estimulante do SNC em crianças com SDA.O uso da
cafeína em substituição à anfetamina, embora com efeito bem menor que
esta, deve-se ao fato da rígida legislação de controle do uso de
anfetaminas, e ao custo do tratamento .
A cafeína quando administrada
terapeuticamente, em dosagem prescrita, promove a acentuação do estado
de atenção Nestes estudos não foi evidenciada uma melhora significativa
diretamente relacionada no tratamento de crianças com SDA.Atualmente
discute-se o tratamento medicamentoso em pacientes com SDA. Segundo
estudos, parte dos pacientes com DAS necessitam do tratamento
medicamentoso associado à terapia interdisciplinar, devido a presença de
intensa hiperatividade. Outros pacientes conseguem melhora
significativa somente com terapia interdisciplinar( fonoaudiólogos,
psicomotrista, psicólogos, terapeutas ocupacionais etc) .
A terapia não
medicamentosa, deverá ter como objetivo principal, desenvolver a atenção
e concentração da criança. Para que esse objetivo seja alcançado é
necessário que o terapeuta tenha alguns cuidados como: a quantidade de
estímulos presentes na sala de terapia, o número de estímulos
apresentados para a criança, o interesse dela na atividade proposta e o
tempo de duração da terapia.Ambiente da sala- A sala de terapia deverá
conter pouca quantidade de estímulos visuais, para que os mesmos não
distraiam a criança durante a terapia . Número de estímulos- não adianta
a apresentação de grande número de estímulos, vários jogos e brinquedos
ao mesmo tempo. Deve-se ter o cuidado de apresentar um estimulo por
vez, para que a criança mantenha o interesse e a atenção por mais tempo
possível . Interesse na atividade proposta- a atividade proposta deverá
ser adequada à idade e aos interesses da criança, às suas experiências
pessoais, para que as mesmas possam tornar-se mais interessantes e
proporcionarem maior possibilidade de concentração .
Duração da terapia-
A principio não adianta estabelecer tempo para a terapia, pois
provavelmente a criança não terá condição de manter sua atenção por toda
a sessão. Para a melhor evolução da terapia, o tempo de duração de cada
sessão deverá aumentar gradualmente de acordo com as condições de
atenção da criança . Além desses cuidados, o trabalho com a atenção
deverá ser realizado também através de abordagens de percepção auditiva,
percepção visual, orientação de espaço e tempo, orientação corporal,
coordenação motora . Essas percepções podem ser desenvolvidas também
através do trabalho com ritmo, discriminação, percepção visual, entre
outros. A coordenação motora poderá ser melhor trabalhada na terapia de
psicomotricidade.
No texto: " Síndrome do Déficit de Atenção" a autora contou com a colaboração ,na Parte I ,das Fonoaudiólogas: Kátia Meneghetti e Dinorah Q. L de Vita no ano de 1996.
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