quarta-feira, 15 de junho de 2011

Recardo de mãe

Inclusão escolar e o hiato que vivemos...
 Para quem tem filhos, a temporada de matrículas, pré-matrícula, entrevistas, avaliações pedagógicas, provas para conseguir uma vaga,  é um período que muitas vezes eleva a ansiedade das crianças e de seus pais a níveis estressantes.
 Na maioria dos casos a escolha da Instituição de ensino gira em torno de critérios gerais, tais como, custo da mensalidade, método de ensino, oferta de atividades extracurriculares e localização. Para outras famílias, contudo, estas questões são meramente secundárias porque elas estão preocupadas com algo bem mais vital e complexo como a aceitação, o acolhimento de filhos que, por razões de natureza neuro-cognitivas ou psicomotoras, encontram-se em uma lacuna entre o desenvolvimento dito “normal” e aqueles que tem pouca ou nenhuma chance de se desenvolverem pelas propostas regulares de ensino.
 Aos primeiros o universo ilimitado das escolhas, aos últimos, ainda que em menor escala, a possibilidade das escolas especiais. E o que fazem as famílias cujo filho encontra-se no meio deste caminho? Onde encaixar o cada vez mais numeroso grupo de crianças com transtornos de ansiedade, déficit de atenção, hiper-atividade, bipolaridade, dislexia, dificuldades motoras que a maioria das escolas friamente rejeitam?
 Por terem a sua capacidade cognitiva preservada, elas são capazes de se desenvolverem, mesmo que para isso necessitem de uma forma ou um tempo pouco diferenciado, motivo pelo qual não se enquadrariam nas propostas específicas das Escolas Especiais.
 Geralmente, estas crianças necessitam muito mais de acolhimento, boa vontade e comprometimento do que grandes mudanças pedagógicas. Por vezes, basta proporcionar adaptações como uma formatação individualizada dos textos a serem estudados, a liberdade de escrever com o tipo de letra que lhe seja mais fácil, um tempo próprio para entrega dos trabalhos, em certos casos a aceitação de uma mediadora profissional em sala de aula ou basta apenas permitir que este aluno realize seus exames individualmente, em sala separada para que não haja comprometimento de seu nível de atenção e o problema da inadequação estaria resolvido.
 Mas, para isso é preciso uma dose de boa vontade e a realidade que encontramos é a da rejeição sustentada pela criação de dificuldades levantadas como intransponíveis e alimentadas pelo preconceito e pelo comodismo daqueles que, investidos da nobre função de educar, se apresentam exclusivamente como administradores de um negócio cujo objetivo se restringe unicamente a números e lucros.
O renomado educador Daniel Pennac, nascido no Marrocos, professor de língua Francesa em Paris e autor de diversas obras sobre educação e pedagogia, dedica sua longa vida profissional a resgatar estes desvios de padrão que, como ele próprio, são muitas vezes levados a acreditar serem lerdos e incapazes, mas que segundo ele, necessitam sobre tudo de acolhimento por parte do sistema educacional, cabendo ao professor, como quem cuida de pássaros, reanimá-las, cuidar delas e pô-las a voar novamente, desta vez direto rumo a seu futuro (Diário de Escola, pág.235/236 – Ed. Rocco).
A princípio, é muito mais fácil trabalhar o universo do lugar comum. O novo, o diferente, desafia, assusta, por vezes, expõem nossas deficiências, em contrapartida, nos faz repensar valores pré-estabelecidos, ver por ângulos inimagináveis, quem sabe, evoluir.
 A história da humanidade esta repleta de casos que computam à genialidade dos considerados inadequados, loucos e diferentes, boa parte da responsabilidade pelo estágio evolutivo em que nos encontramos. Ressalte-se que estes cérebros costumam apresentar aptidões especiais que lhes conferem habilidades intelectuais não alcansáveis pelas pessoas ditas normais. É da mente desses desvios de padrão que por vezes saem soluções para as grandes questões científicas que nos assombram ou que artisticamente mudam os padrões culturais de sociedades.
Outro fato que podemos observar também é o aumento considerável desses casos nos últimos tempos, conseqüência talvez dos efeitos da vida moderna ou quem sabe seja a mente humana entrando em uma fase de mudança evolutiva. Atualmente, difícil alguém que não convive ou conhece alguém que tenha em sua família crianças nessa situação.
Concluímos, então, que, num mundo globalizado, impossível não se deparar com essas realidades, que impõe a necessidade de nos prepararmos para lidar com elas a qualquer tempo, auxiliando, acolhendo, tirando ensinamentos valiosos para nossa vida pessoal, profissional e social. Lapidando-nos como pessoas antenadas com o nosso tempo.

Feliz aquele que em sua formação educacional tem ou teve oportunidade de conviver com essas diferenças, gerenciar, crescer com elas, no mínimo se tornarão cidadãos socialmente mais preparados.

A pergunta que fica se dirige a grande maioria das Instituições de Ensino. O que falta para que se apercebam desta realidade?! Não duvidem que este já é um diferencial, um requisito importante para que muitos pais optem por escolher esta ou aquela Escola para educar seus filhos.


Roberta Haude

 Dra. Carla Gikovate
Médica — Neurologista infantil — Mestre em Psicologia
Especialista em Educação Especial Inclusiva

 Sobre
Que milagre é esse? 

Quando nós pais recebemos um diagnóstico definitivo do problema neurológico que atinge nosso filho, confirmando aquilo que no fundo já suspeitávamos, é algo muito impactante, ninguém está preparado para um momento como este. É difícil demais, doloroso demais. A realidade passa a ter nome e sobrenome e é no mínimo assustadora.

Neste primeiro momento somos tomados por toda sorte de sentimentos negativos: revolta, raiva, depressão, medo, culpa, insegurança... Custa a crer que seja verdade, mas é. Atingir esta consciência pode variar no tempo, mas todos chegamos a ela.
Entramos então em uma segunda fase, não menos perigosa, de arregaçar as mangas em busca do tão sonhado milagre, somos como traças a “comer” toda e qualquer fonte de conhecimento sobre o assunto, livros, estudos, artigos, Internet. Nos tornamos verdadeiros “doutores” no assunto. Chegamos a achar que sabemos mais que os médicos. Desconfiamos de quase tudo e queremos discutir de igual para igual.

É claro que o tempo e a intensidade desses momentos variam de pessoa para pessoa, mas em regra  sofremos com a realidade e sonhamos com um milagre.
 E foi em busca dele, que assisti uma vez, em um seminário sobre Autismo e Asperger, o depoimento de um pai que abandonou sua profissão para voltar aos bancos da faculdade e freqüentar um curso na área de biomedicina, mudando totalmente sua vida e o seu perfil profissional porque ele não aceitava que a ciência médica, tão avançada, não tinha uma solução para o problema de seu filho e, se era assim, ele mesmo a encontraria.

Parece extremo e é, mas quem de nós não iria atrás daquele “pássaro azul no alto de uma montanha dourada nos confins da Terra” se isso salvasse o seu filho? Eu, com certeza, iria.
Acontece que com o passar do tempo nós também descobrimos que este tipo de milagre não existe. Não há pílula dourada ou varinha de condão. O milagre não esta relacionado à cura e sim a melhora evolutiva, às vezes imperceptível aos olhos da “normalidade”, mas que para nós e nossos filhos é como vencer o invencível.

Estas vitórias só vêm com muito esforço, trabalho, disciplina e entrega fruto do amor incondicional da qual só nós, os pais, é que somos detentores. Não espere que terceiros, por mais qualificados e dedicados que sejam, venham a suprir um lugar e um poder que é exclusivamente seu. É dele que seu filho se alimenta para evoluir.
Quando se trata do dia a dia, dos sentimentos, humores, percepções, o olhar treinado é o nosso, forjado no cotidiano. É nele que os médicos e terapeutas se baseiam para sustentar suas orientações.

Em quase toda consulta que fazemos ao neurologista costumamos renovar a esperança do milagre imediato e assim esquecemos que ele está diante de nossos olhos: basta comparar a evolução o ganho de desenvolvimento que já foi alcançado.

É, primordialmente, nesta disciplina e entrega irrestrita, só oferecida pelos pais, que o verdadeiro milagre diário acontece.

Às vezes é preciso que alguém nos diga isso claramente. É como levar um soco no estomago. Dói, paralisa, mas nos dá a consciência de que para seguir em frente é preciso deixar de almejar o “miraculoso, o ilusório, o imediatista” e passar a festejar essa evolução constante, verdadeira, e não menos brilhante e preciosa.


Roberta Haude

 Sobre
Os perigos da superproteção.

Todos sabemos que o sentimento de proteção à sua cria é inerente à maioria das espécies do reino animal.

A proteção ao filhote é instintiva, ela se manifesta nas situações de perigo, de risco, na manutenção da sobrevivência. Transportando este sentimento de proteção para a raça humana, tão indefesa na tenra idade, esperasse dos pais que eles afastem o perigo iminente, alertem sobre os riscos de sua incidência e, por vezes, apontem o caminho que entendam mais seguro.

Em outras palavras, preparem os seus filhos para a vida, para serem independentes, para seguirem seus caminhos e suas escolhas. Creio que isso é o certo a se fazer. O mais saudável.

Mas nem sempre é assim, principalmente quando um de nossos filhos, em razão de alguma questão, necessita de cuidados especiais. Ai toda lógica vai para o espaço, o sentimento que deveria ser de proteção e de preparo para a vida, se potencializa. Você quer antecipar tudo para que nada aconteça diante das dificuldades que seu filho já enfrenta.

Eu me coloco nesta categoria de super protetora. Sem nenhum pudor, visto a minha capa de heroína onipresente, tento antever os perigos que nem existem e saiu atropelando tudo. Não tenho limite mesmo, jogo sujo, “por debaixo do pano”, tento comprar tudo e todos para que minha cria não tenha que enfrentar mais dificuldades.

Uma vez eu fui chamada pela Coordenadora pedagógica para uma conversa na qual ela me pedia, em resumo, para que eu fizesse menos pela minha filha porque eu não a estava deixando crescer e ter suas próprias experiências, amadurecer. Eu confesso que cheguei a corromper crianças de 5 anos, eu disse 5 anos, com presentes, balas e chocolates para que não maltratassem minha filha, situação que sequer existia, loucura, exagero, não é ?!
Mas este é o perigo da superproteção, a falta de limites.

Ficamos cegos e surdos. A razão passa ao largo.

Eu sai dessa reunião morrendo de raiva contida, sentei no meu carro e chorei copiosamente. Quem era aquela mulher para dizer que eu devia amar menos minha filha? O que ela sabe das suas reais fragilidades e dificuldades. Eu poderia dar uma aula sobre o assunto, bibliografia completa e tudo.

Passada a fase da indignação que durou um bom tempo, lampejos de razão me fizeram ponderar que a Coordenadora em momento algum disse para eu amar menos minha filha. Quem diria uma coisa dessas, só a cegueira da superproteção poderia deduzir tamanho absurdo.
O que ela sensatamente aconselhou, é que eu parasse de tentar protegê-la demais, porque eu a estava sufocando, atrasando seu desenvolvimento e tornando-a cada vez mais despreparada para seguir a vida sem mim.
Infelizmente, falta à eternidade, não temos garantias e o tempo não para, principalmente para aqueles que têm filhos com questões especiais. É uma corrida insana para deixá-los os mais preparados possíveis para viver sem nós. E ai eu tenho que concordar que os excessos da superproteção só atrapalham.
 A partir do momento que eu tomei consciência desses fatos, começou em mim um processo para me libertar das amaras da superproteção. Esta mudança de atitude não é fácil. A minha melhora tem sido a conta gotas. Mas todos já visualizaram grande ganho na minha filha: independência, amadurecimento, melhora no convívio social. 
Todo dia eu sofro para deixá-la seguir seu caminho sem que eu atropele as coisas. Eu fico repetindo um mantra: “Eu não posso viver a vida dela por ela”. Ela vai errar, vai cair, mas vai se fortalecer com isso.
Não vou dizer para vocês que não tenho recaídas. Outro dia, conversando com a mediadora a respeito das possíveis dificuldades na época do vestibular e faculdade, antecipando um futuro tão longínquo, pois ela só tem 10 anos de idade e ainda esta cursando o ensino fundamental, eu disse categoricamente: “Não haverá problemas, se preciso eu compro uma vaga para ela.” Olha a recaída e os excessos da superproteção voltando à tona.
Confesso que vou passar a vida lutando contra os perigos da minha mente super protetora e pelo bem de todos espero conseguir.
 

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