Como um primeiro esboço para entender estas particularidades biológicas do sistema nervoso central que fazem com que cada indivíduo perceba de forma única o mundo vale caracterizá-las por áreas de funcionalidade.
Do livro “The Child with Special Needs”, Stanley Greenspan e Serena Wieder classificam essas áreas de funcionalidade como:
- Reatividade sensorial: a maneira que nós percebemos as informações através dos sentidos;
- Processamento sensorial: como e quais sentidos nós damos às informações que percebemos no meio através dos nossos sentidos;
- Tônus muscular, planejamento motor e seqüenciamento: a maneira como usamos o nosso corpo e, mais tarde, os nossos pensamentos para planejar e executar uma resposta para as informações que entram em nosso corpo através dos sentidos.
Quando esses três sistemas trabalham harmonicamente eles criam um ciclo contínuo de feedback no qual nós internalizamos sensações como imagens e sons, reagimos a essas sensações com nossas emoções, e tentamos processar e entendê-las e assim organizar nossos pensamentos e comportamentos, além dos nossos sentimentos para interagir harmonicamente com o mundo. Porém, quando uma ou mais partes desse sistema não funciona ou interage bem com os outros, nós perdemos capacidade de funcionar num óptimo estado.
Sem a habilidade de ver, ouvir, cheirar, degustar ou tocar nós viveríamos em total isolamento, seríamos incapazes não somente de sentir, mas também de pensar, pois nós não teríamos nenhuma experiência e as experiências são a base para desenvolver idéias.
Além dos 5 sentidos mais conhecidos, existem os sentidos internos do corpo: o sistema vestibular e o proprioceptivo, estes sistemas são responsáveis pela habilidade de conhecer e reconhecer o próprio corpo, saber aonde ele está no espaço, saber aonde o “eu” termina e o mundo começa.
Esses sentidos nos parecem tão invisíveis por serem automáticos nas nossas ações diárias, mas uma falha no funcionamento ou integração pode ser ilustrada com uma passagem do livro “Sounds of the Gorilla Nation”de Dawn Prince-Hughes: “Eu geralmente não conseguia perceber as pessoas como entidades inteiras, mesmo quando relativamente relaxada. Agora, os pedaços ameaçadores da professora me rodeavam, atacavam-me por todos os ângulos. Eu me vi num furacão de horríveis sensações e criticismo descabido. Eu precisava da minha mãe e sabia que aquele demônio, em forma de sarcasmo que voava em pedaços tinha o poder de manter minha mãe longe de mim. Eu não me lembro como tudo terminou."
Além disso, o sistema vestibular e proprioceptivo permite nos sentirmos seguros e equilibrados quando nos movemos, sentamos ou ficamos em pé, também nos permite perceber a proximidade das outras pessoas sem nos sentir invadidos, além de nos dar alertas de proteção caso nos sentirmos em perigo ou ameaçados. Além disso, nosso afeto ou emoções também funcionam como uma maneira de perceber o que está acontecendo ao nosso redor.
As crianças em que os sistemas sensoriais funcionam em plena harmonia são capazes de perceber e interpretar bilhões de mini pedaços de sinais sensoriais enquanto eles masterizam a habilidade de interagir com as outras pessoas. Mas as crianças que tem o funcionamento do sistema sensorial comprometido ou que não funcione em harmonia com suas várias “partes” podem não perceber ou interpretar de forma peculiar estes pedacinhos de informações enquanto elas aprendem a interagir com o mundo. Aprender a focar a atenção, aprender a interagir e se relacionar com os outros, e a habilidade de aprender a se comunicar provavelmente serão afetados pelo sistema sensorial desbalanceado.
Milhões de vias neurológicas no cérebro interpretam os milhões de pedacinhos de informações sensoriais acumulativas que recebemos e percebemos a cada segundo através do sistema de processamento sensorial. É aqui que damos sentido ao que vemos, ouvimos, cheiramos, degustamos, tocamos e sentimos.
O processamento sensorial (dar sentido ao que sentimos e percebemos) é a primeira forma de processamento que ocorre no cérebro. Os recém-nascidos vivem em um mundo essencialmente sensorial; sua maior tarefa e desafio são lidar com todos os estímulos sensoriais que recebem. Porém, quase que imediatamente começa um segundo tipo de processamento, o cognitivo, que é a capacidade de perceber padrões e criar conexões entre as coisas e acontecimentos.
Um terceiro tipo de processamento que acontece no cérebro é o emocional ou afetivo e refere-se à nossa capacidade de interpretar os sinais emocionais que recebemos dos outros.
Uma das razões das dificuldades que as crianças com necessidades especiais têm com o processamento cognitivo e emocional é que ambos os tipos de processamentos dependem de estímulos sensoriais e em crianças com deficiência, a informação sensorial pode ser confusamente percebida. Quando recebido o estímulo sensorial, ele pode não ser percebido, ser muito forte e exagerado para ser processado ou pode não ter uma forma ou padrão reconhecível para a criança.
O processamento cognitivo que é o pensar, envolve a manipulação dos dados sensoriais que percebemos em volta de nós. Nós combinamos estes diversos dados em vários padrões sobre os quais podemos fazer julgamentos. A maioria de nós somos mais fortes em um sentido do que nos outros, por exemplo, algumas pessoas são mais visuais, isso quer dizer que conseguem receber o estímulo (informação) sensorial através da visão e fazer sentido dela mais facilmente do que se a informação estivesse sido passada oralmente, através de um estímulo auditivo, por isso nós tendemos a confiar um pouco mais sobre a informação que recolhemos através do sentido que é mais dominante.
O sistema de motor é o sistema que nos permite reagir à informação (estímulo) que percebemos no nosso meio. O planejamento motor é a forma de organizar e executar essas respostas motoras.
Dificuldades com o planejamento motor geralmente estão relacionadas com dificuldades gerais de seqüenciamento.
As complexas interações sociais entre as crianças envolvem tipos ainda mais dúbios de seqüenciamento de comportamento, as crianças são imprevisíveis, em comportamento e expectativas. Descobrir qual a distância que se deve manter de alguém numa interação, estar próximo mas não muito grudado que cause desconforto, ou não tão separado que não demonstre interesse, como ser assertivo sem ser agressivo, como brincar sem parecer desrespeitoso ou perigoso - estes e outros comportamentos sociais envolvem padrões complexos de seqüenciamento.
Criar conexões lógicas entre as palavras, idéias ou conceitos envolve também a capacidade de seqüenciação. Freqüentemente, comportamentos com características que pareçam ser um problema de deficit de atenção ou de organização, podem estar relacionados aos desafios subjacentes da capacidade de seqüenciamento.
Na prática, nossos sentidos que são a porta de entrada das informações que nosso corpo terá que processar, entender e reagir podem contribuir ou serem os fatores para diversos comportamentos, alguns exemplos:
Baixa ou não reatividade e sensações de desejo podem tornar algumas crianças ativas e distraídas.
A falta de planejamento motor pode fazer as crianças parecerem perdidas e desorganizadas.
Problemas de processamento auditivo ou visual-espacial pode levar a comportamentos fragmentados e dificuldade em seguir instruções ou regras.
Hipersensibilidade a sons, imagens ou toque pode facilmente fazer as crianças reativas, distraídas e ansiosas ou oprimidas.
Outros marcadores de uma possível dificuldade de processamento sensorial são crianças muito sensíveis ou medrosas, desafiadoras, egoístas, desatentas, excessivamente ativas e buscando sensações:
A reatividade sensorial ou dificuldades de processamento sensorial podem ser a causa para falsas interpretações das informações emocionais e afetivas das pessoas próximas a criança, acabando por culminar reações emocionais inapropriadas e muitas vezes extremas.
O como nós reagimos às sensações, processamos, planejamos nossos movimentos e seqüenciamos nossas ações afeta como nós funcionamos no mundo – como nos relacionamos com as pessoas a nossa volta, quanto somos capazes de comunicar nossos desejos e idéias e como nós vamos conseguir navegar, o muitas vezes conturbado e instável, mundo das emoções.
Um estudo de perfil individual é necessário para se determinar o programa de intervenção adequado. Deve-se observar como a criança reage aos diversos estímulos sensoriais, em diferentes dias e diferentes horários, deve ser observado os padrões de interação da criança com seus pais e parentes mais próximos e vice e versa, também devem ser observadas a linguagem e as capacidades cognitivas, assim como a saúde geral da criança.
Bibliografia:
Greenspan, S I; Wieder - "The Childwith Special Needs - Encouraging Intellectual and Emotional Growth
Prince-Huges, D (2004) - “Songs of the Gorilla Nation” My Journey Through Autism
Winner, M G - "Thinking about You; Thinking about Me - Teaching perspective taking and social thinking to persons with Social Cognitive Learning Challenges"
Texto retirado de: http://umavozparaoautismo.blogspot.com.br/2010/08/importancia-do-como-percebemos-o-mundo.html
fonte: http://topediatrica.blogspot.com.br/2012_04_01_archive.html
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