Como
seria formatado nosso comportamento sem este sentido? De onde vem
quando sinto o meu corpo, aquela sensação que só eu tenho, própria,
única, mas continuamente mutável? Uma fotografia interna que só eu tiro.
E aquela que eu tiro a partir do que o outro me fornece elementos para
eu montá-la? São instantâneos que colaboram entre si com elementos
internos, do próprio corpo, e com elementos externos do ambiente que
irão constituir a percepção da unidade corporal.
Em
analogia à esta construção, imaginem se estivéssemos montando uma peça,
de teatro ou musical. Existe uma intenção primária de criação. A partir
daí vão se constituindo os elementos necessários para se chegar ao
propósito inicial. É preciso regular a habilidade do criador com os
elementos da partitura, a partitura com os instrumentos, os instrumentos
na orquestra. A parte com o todo, as partes entre si, o todo dentro com
o todo fora.
Tempo,
forma, intensidade e direção são as qualidades desta regulação. Como
seria a peça sem direção? Como seria no nosso corpo ou, de que elementos
precisamos para saber: do quanto precisamos colocar de intensidade para
nos movimentar ou falar? Como iremos dosar regular e afinar a nossa
própria percepção?
A
fineza da construção da nossa partitura corporal está nos ajustes que
serão feitos destes elementos, da regulação da produção, que se faz da
interação do corpo em si e dos corpos inseridos neste grande corpo, a
biosfera.
Espero
que já tenha dado para pensar e brincar sobre a importância do sentido
proprioceptivo. Ele é que nos dá a possibilidade de regular nossos
movimentos, dar qualidade às nossas sensações e percepções corporais.
Igualmente aos demais sentidos, como o da visão, audição, entre outros,
este começa de algum lugar, são os receptores da propriocepção que estão
nas articulações, nos tendões e fusos musculares. Eles são a porta de
entrada. Eu gosto de lembrar isso, pois vejo o real e imaginário como
instâncias da vida do ser humano. Podemos transcender a várias coisas,
mas elas têm início em algo muito palpável, muito real, o nosso corpo.
Existe um campo que sustenta tudo isso. E não compactuo com práticas que
tentam excluir o corpo para uma melhor “consciência” do homem.
Em
outras palavras: a quem este corpo pertence? Ou melhor, quem é este
corpo? Quais histórias vêm sendo construídas desde sempre?
Continuando
a nossa viagem. Como os demais sentidos, a propriocepção funciona em
sistema integrado aos demais sistemas, nada isolado. Ele dá informação
ao sistema vestibular, tátil, que se unem aos demais sistemas, e que
colaboram entre si revelando informações do corpo, no sentido múltiplo:
em que espaço estamos e como ocupamos, numa linha histórica de tempo e
vivências recheadas de significados. Estamos falando de corpo, tônus
muscular, ajuste postural, equilíbrio, sentido profundo, a superfície
que nos dá contorno, percepção, emoção, vínculo, identidade, relação,
comportamento, conexão. Essa linguagem é comum no ambiente da terapia
ocupacional, e especificamente, de conhecimento da teoria e prática de
Integração Sensorial, onde estou há alguns anos.
Na
minha prática clínica e nas vivências com educadores valorizo a
propriocepção como um condutor vital. Ao mesmo tempo em que nos permite
entrar em espaços delicados dos corpos é também um guia para se chegar a
um trabalho integrativo e de potência.
Para
o educador, ou terapeuta entender como se processa a informação
sensorial é necessário, a meu ver, que ele passe por vivências que
colocam em evidência essa dinâmica.
Nas
sessões com as crianças, aprendi na prática o que li na teoria, do
quanto precisam de brincadeiras que ajudem a dar referência do corpo
para a organização nas suas ocupações diárias: crianças com déficit de
atenção, imaturidade nos ajustes posturais e habilidades motoras,
defasagem na escrita, alteração na expressão oral e escrita, entre
outras.
Sabemos
que corpo é e produz identidade. Mas o caminho para se constituir tem
algumas flores e pedras. Mas com rios que fluem como mapas que podemos
aprender a navegar.Há muitas pessoas que se beneficiam de práticas
terapêuticas que valorizam o uso de toques corporais e de materiais que
vivificam a propriocepção. A Integração Sensorial é uma destas práticas
com bom retorno na área da saúde e educação.
Por ana Elizabeth Prado (http://www.terapiaocupacional-bethprado.blogspot.com/)
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