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Roberta Costa Caminha
Introdução
O
autismo, também chamado comumente de transtorno autista ou autismo infantil, é
um transtorno do desenvolvimento que se caracteriza por um comprometimento nas
habilidades de interação social e comunicação, com padrões restritos e
repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, que geralmente aparece
antes dos 3 anos de idade.
São
diversas as hipóteses com relação aos fatores etiológicos do autismo, contudo,
até o momento, não se reuniu evidências suficientes para comprovar nenhuma
delas e sua etiologia continua desconhecida. A única conclusão que se pode
tirar por enquanto é que o autismo é causado por uma multiplicidade de fatores
e possui uma base biológica. Há também fortes indícios de um componente
genético. Embora essas evidências sejam claras, ainda não existe um marcador
biológico específico que caracterize o autismo infantil.
Em função dessa multiplicidade de
fatores, são várias as abordagens teóricas que buscam explicar o autismo. Uma
das teorias que vem se destacando no mundo científico nos últimos anos é a
teoria dos neurônios-espelho.
Esses neurônios, descobertos
primeiramente nos macacos e recentemente nos humanos, são ativados não só
quando uma determinada ação é executada, mas também quando é observada. Nos
seres humanos o sistema de neurônios-espelho parece estar relacionado não só
com a execução e observação de um movimento, mas também com processos
cognitivos mais complexos como a linguagem, a capacidade de imitar e aprender
com as ações dos outros, bem como decifrar suas intenções. Assim, essa teoria
parece explicar os déficits de imitação, uso pragmático da linguagem, teoria da
mente e empatia, vistos no autismo.
Neurônios-espelho nos Macacos
Há alguns anos atrás na Itália,
Giacomo Rizzolatti, neurocientista da Universidade de Parma, e sua equipe
pesquisavam neurônios motores em um macaco e acidentalmente fizeram uma grande
descoberta. O macaco estava sendo monitorado através de eletrodos implantados na
área do cérebro responsável pelo planejamento e execução de movimentos. Cada
vez que o macaco fazia um movimento para pegar um amendoim, dentre os muitos
que haviam sido espalhados pelos pesquisadores, os neurônios disparavam e
produziam um determinado som que era captado por um monitor.
A
surpresa surgiu quando um dos pesquisadores resolveu alcançar um amendoim e o
monitor captou o som, mesmo o macaco estando imóvel. Assim, os mesmos neurônios
disparavam quando o macaco pegava um amendoim ou simplesmente observava uma
pessoa pegando. O mesmo acontecia quando o macaco quebrava a casca de um
amendoim ou simplesmente escutava o barulho de casca quebrando (Blakeslee, 2006).
Rizzolatti
chegou à conclusão de que o cérebro dos macacos possui um grupo especial de
células chamadas de neurônios-espelho que disparam tanto quando o animal vê ou
escuta uma ação, como quando ele mesmo executa essa ação. Esses neurônios foram
assim chamados por representarem a ação pela qual são responsáveis, ou seja,
eles funcionam como uma forma de espelho, “imitando” mentalmente a ação
observada, como se o próprio macaco a estivesse executando. (Rizzolatti &
Craighero, 2004).
Os
neurônios-espelho se localizam na parte ventral do córtex pré-motor dos
macacos, mais especificamente em uma área chamada de F5. Essa área é
responsável pelo controle dos movimentos das mãos e da boca. Uma de suas
propriedades fundamentais é que a maioria de seus neurônios não é ativada com
qualquer tipo de movimento, mas sim com movimentos específicos como alcançar,
agarrar ou levar um objeto à boca.
Assim, para que os neurônios-espelho sejam ativados é preciso que haja
uma interação entre o objeto e o agente da ação, ou seja, os neurônios não são
ativados simplesmente com movimentos aleatórios de mãos ou com observação do
objeto isoladamente, mesmo que este seja de interesse do macaco, como comida,
por exemplo. A ativação também não ocorre quando o objeto observado é pego com
a utilização de um instrumento como um alicate. Esses neurônios são usados para
representar ações específicas (Rizzolatti, Fogassi, Fadiga & Galesse,
1996). Também são dotados de uma capacidade de generalização visual, ou seja,
são ativados quando uma ação é executada tanto perto quanto longe do macaco
(Rizzolatti & Arbib, 1998).
Umiltá
e colaboradores (2001) sugerem que os neurônios-espelho fazem parte de um
sistema de reconhecimento de ações executadas por outros. Para os
pesquisadores, se os neurônios-espelho representam o substrato neural para o
reconhecimento de ações, então eles também deveriam ser ativados durante a
observação de ações parciais. Para testar tal hipótese realizaram um
experimento com dois macacos onde duas situações eram apresentadas: na primeira
o macaco observava o experimentador pegar um objeto e na segunda observava a
mesma ação, mas sem a parte crucial (interação mão-objeto). Os resultados
mostraram que uma população de neurônios-espelho é capaz de representar uma
ação mesmo quando a parte crucial da mesma está escondida e pode somente ser
inferida. Isso indica que mesmo quando algumas dicas visuais são limitadas os
neurônios-espelho conseguem colocar o observador no mesmo estado interno de
quando ele próprio está executando a ação, o que permite a ele o reconhecimento
dessa ação, mesmo ela sendo incompleta.
Existem outras formas de ações serem
reconhecidas, como por exemplo, através do som. Kohler e colaboradores (2002)
encontraram um tipo de neurônio-espelho na área F5 dos macacos que é ativado
não só na execução ou observação de uma ação, mas também quando essa ação é
somente escutada. É chamado de neurônio-espelho áudio-visual. Talvez seja por
causa desse tipo de neurônio que o macaco do primeiro experimento de Rizzolatti
tenha respondido ao barulho de casca de amendoim quebrando. Mas o que mais
surpreende os cientistas é o fato de esses neurônios estarem localizados em uma
área que parece ser homóloga à área de Broca nos homens. Isso pode vir a
explicar a evolução da linguagem.
Neurônios-espelho nos Humanos
Ainda
não existem estudos que tenham isolado diretamente esses neurônios nos humanos;
contudo, são diversas as evidências de sua existência. Fadiga, Fogassi, Pavesi
& Rizzolatti (1995, citado em Rizzolatti & Arbib, 1998), foram os
primeiros a descobrir um sistema similar nos humanos. Realizaram um experimento
no qual o córtex motor de sujeitos normais foi estimulado (Transcranial
Magnetic Stimulation) sob quatro condições: (1) observação de um experimentador
pegando objetos, (2) observação de um experimentador fazendo movimentos
aleatórios dos braços no ar (situações experimentais), (3) observação de
objetos e (4) observação do esvaecimento de um pequeno ponto de luz (situações
controle). O resultado foi que o potencial motor evocado aumentou incrivelmente
durante a observação das situações experimentais. O padrão desse potencial
motor encontrado foi correspondente ao padrão da atividade muscular registrada
quando os sujeitos executam essas mesmas ações. Além disso, o aumento da
excitabilidade aconteceu somente nos músculos usados pelos sujeitos na execução
dessas ações. Dessa forma, concluíram que nos humanos também existe um sistema
de neurônios-espelho similar ao descrito anteriormente nos macacos.
O
experimento, entretanto, não apresentou evidências de como esse sistema
funciona anatomicamente. Para tal, dois outros experimentos utilizando PET (Positron
Emission Tomography) foram realizados (Grafton, Arbib, Fadiga & Rizzolatti,
1996 e Rizzolatti & colaboradores, 1996, citados em Rizzolatti & Arbib,
1998). Embora diferentes em vários aspectos, os dois experimentos apresentaram
a mesma situação experimental de observar o experimentador pegar objetos e a
situação controle de observação desses objetos. Os resultados mostraram uma
ativação significativa nas seguintes áreas durante a situação experimental: sulco
temporal superior esquerdo (área 21 de Broadmann), lóbulo parietal inferior
esquerdo (área 40 de Broadmann) e giro frontal inferior esquerdo (área 45 de
Broadmann). Esses resultados mostraram ativação dos neurônios-espelho nos
homens em áreas coincidentes com as observadas nos macacos. Tudo indica que a
área F5 do cérebro dos macacos seja anatomicamente homóloga a área de Broca no
cérebro dos seres humanos.
A
área de Broca está envolvida na produção da fala, e segundo Rizzolatti e Arbib,
1998, isso pode significar que as formas primitivas de comunicação, baseadas em
gestos manuais e faciais, precederam a fala na evolução da linguagem. Ainda de
acordo com os autores, o desenvolvimento do circuito de fala nos humanos é uma
conseqüência do fato de o precursor da área de Broca ter sido dotado, antes do
aparecimento da fala, da capacidade de reconhecimento e imitação de ações. Esse
mecanismo representa o pré-requisito neural para o desenvolvimento da
comunicação interpessoal e da fala. Pode-se, assim, dizer que os
neurônios-espelho possuem um papel importante na evolução da linguagem. Eles
nos permitem imitar e compreender os movimentos dos outros, inclusive
movimentos dos lábios e língua. Com as habilidades de entender as intenções do
outro e de imitar suas vocalizações, a linguagem foi capaz de evoluir
(Ramachandran, 2000).
A imitação é uma função cognitiva
complexa que possui um papel fundamental não só na evolução da linguagem, mas
como também no desenvolvimento humano como um todo, incluindo o aprendizado de
habilidades motoras, comunicativas e sociais. Imitação implica aprendizado e
requer a transformação de uma ação observada em uma ação motora, o mais
idêntica possível, executada pelo observador (Buccino, 2004). As bases neurais
da imitação, bem como seu mecanismo de funcionamento, eram até então pouco
conhecidas. Hoje, já existem evidências de que os neurônios-espelho estejam
envolvidos nesse processo. Uma das principais evidências surgiu do experimento
de Buccino e colaboradores (2004), onde
indivíduos que não sabiam tocar violão deveriam observar um profissional tocar
determinados acordes para depois tentarem replicar o mais exatamente possível. Utilizaram
sujeitos leigos em violão partindo do princípio de que a verdadeira imitação só
ocorre quando há aprendizado e não quando há a mera repetição de ações já
existentes no repertório motor de quem vai imitar (Byrne, 1995 e Tomasello
& Call, 1997, citados em Buccino, 2004). Os pesquisadores utilizaram uma
metodologia na qual os períodos de observação e de replicação da ação observada
foram separados por um intervalo de preparação. Três situações foram usadas
como controle: somente observação, execução de acordes aleatórios e execução de
ações aleatórias após observação dos acordes feitos pelo profissional. Os
resultados mostraram que o circuito dos neurônios-espelho foi ativado em todas
as fases da imitação, desde a observação da ação até a execução da mesma.
Conclui-se daí que, esse circuito está envolvido no processo fundamental à
imitação, ou seja, a transformação de uma ação visualmente codificada em
uma ação o mais idêntica possível executada pelo observador.
O papel dos neurônios-espelho nos
humanos vai além. Eles não estão envolvidos somente com o reconhecimento e
imitação de ações. Também são capazes de decifrar as intenções e ações futuras
dos outros. Iacoboni e colaboradores (2005) chegaram a essa conclusão após
realizarem um experimento com o intuito de investigar os mecanismos envolvidos
neste processo. Para tal, 23 sujeitos foram monitorados enquanto observavam
cenas distintas em um vídeo: (1) mão pegando uma caneca em cima de uma mesa
arrumada para um lanche e (2) mão pegando uma caneca em cima de uma mesa
desarrumada após um lanche. Para controle foram observadas as cenas de mão
pegando caneca fora dos contextos e somente os contextos. Esses contextos
sugeriam a intenção associada ao movimento, que no caso era pegar a caneca para
beber (cena com a mesa arrumada) ou para limpar (cena com a mesa desarrumada).
A hipótese sugerida era de que se os neurônios-espelho simplesmente codificam o
objetivo imediato da ação observada, que no caso seria pegar um objeto, a
atividade dos mesmos não seria influenciada pelo contexto. Por outro lado, se
eles codificam a intenção global associada à ação, então o contexto modularia a
ativação desses neurônios. Os resultados mostraram que a observação das ações
de pegar a caneca dentro de um contexto ativou muito mais as áreas de
neurônios-espelho do que nas situações controle; o que sugere que o sistema de
neurônios-espelho nos humanos não esteja envolvido somente no reconhecimento de
ações, mas constitui um sistema neural que codifica as intenções dos outros.
Essa habilidade humana de saber decifrar as intenções e desejos dos outros
simplesmente através da observação é chamada de Teoria da Mente. Ela nos
permite compreender o ambiente e engajar-nos em atividades sociais.
De
forma similar, a empatia requer a habilidade de entender o estado mental
interno de outro indivíduo e através dele se colocar no lugar do outro. Nossa
capacidade de “sentir na pele” o que o outro está passando requer que os mesmos
sistemas neurais sejam ativados em ambos os sujeitos. Wicker e colaboradores
(2003) recentemente realizaram um experimento utilizando ressonância magnética
que tinha como objetivo testar se as mesmas áreas da ínsula eram ativadas
durante a experiência de nojo e durante a observação da expressão facial de
nojo nos outros. Para isso 14 participantes tiveram seus cérebros monitorados
enquanto cheiravam frascos contendo soluções com odores como de ovo podre e
manteiga rançosa, e enquanto assistiam a filmes de pessoas fazendo o mesmo
procedimento. O resultado mostrou que a parte anterior da
ínsula foi ativada em ambas as situações. Dessa forma, o mesmo mecanismo que
faz com que a representação interna de uma ação seja ativada simplesmente
através da observação dessa ação, faz com que uma pessoa experimente a mesma
emoção que vê estampada no rosto de outra.
Em
outro experimento, Keysers e colaboradores (2004) procuraram entender o que
chamaram de “empatia táctil”, ou melhor, como reagimos à visão de outros sendo
tocados. Os 14 participantes foram monitorados enquanto eram estimulados nas
pernas com uma delicada escova e enquanto assistiam a um filme com pessoas
passando pelo mesmo procedimento. O resultado mostrou que a mesma área do
córtex somatosensorial foi ativada nas duas situações, o que reforça a suspeita
de que em diversas regiões do cérebro humano existem circuitos-espelho que vão
além da questão motora, e estão envolvidos em fenômenos mais gerais como
percepção do toque e emoção.
Ainda
outro estudo bem recente realizado por Weber, Ritterfeld & Mathiak (2006)
revelou que os neurônios-espelho, assim como as áreas do cérebro relacionadas à
agressão, são ativadas quando as crianças assistem a programas de televisão
violentos, aumentando a probabilidade de a criança se comportar de modo
agressivo.
É
incontestável a atuação dos neurônios-espelho nas mais corriqueiras situações
do dia-dia. O porquê das pessoas
expressarem emoção diante de um evento desportivo, de uma exibição artística ou
até mesmo diante de uma manifestação de agressão, começa agora a ser
desvendado.
Se
os neurônios-espelho dos macacos são capazes de reconhecer ações, os dos
humanos vão muito além. São mais rápidos, inteligentes, flexíveis e
desenvolvidos, o que reflete a evolução das habilidades sociais humanas. Seu
sistema está envolvido não só na execução e observação de um movimento, mas
também nos processos cognitivos mais elevados como a linguagem, a capacidade de
imitar e aprender com os outros, de decodificar suas intenções e emoções e a
capacidade empática; todos componentes chave para a interação social. Segundo
Ramachandran (2006), os neurônios-espelho representarão, para a psicologia, o
que o DNA representou para a biologia. Esses neurônios estão revolucionando uma
vasta gama de disciplinas relacionadas ao entendimento do ser humano e suas
interfaces. Têm lançado nova luz sobre o entendimento da cultura, da filosofia,
de psicoterapias e de transtornos como o autismo.
Autismo e a Teoria dos Neurônios-espelho
Como visto anteriormente, o sistema
de neurônios-espelho transforma a informação visual em conhecimento. Esses
neurônios representam a base neural de um mecanismo que cria uma ponte entre a
pessoa que envia uma mensagem e o receptor (Rizzolatti e Craighero, 2004). A
partir do momento em que um observador compreende e representa as ações de um
indivíduo como sendo suas próprias, torna-se possível decifrar as intenções do
outro, e assim desenvolver o que seria uma teoria da mente. Captar a intenção e
saber colocar-se no lugar do outro são habilidades fundamentais para o
desenvolvimento de um comportamento social.
Tudo
indica que, por conta da estreita relação entre os déficits do autismo e as funções
do sistema de neurônios-espelho, os indivíduos autistas possuam um prejuízo
nesse sistema. Williams, Whiten, Suddendorf e Perrett (2001), sugerem que um
desenvolvimento disfuncional do sistema de neurônios-espelho, como resultado de
uma combinação de fatores genéticos e ambientais, prejudicaria as
representações mentais do “eu” e do outro, bem como o processo de
imitação. Tais prejuízos, por sua vez,
acarretariam déficits nas habilidades sociais e de comunicação, tais como a
teoria da mente, a atenção compartilhada, a linguagem e a empatia, principais
déficits do autismo.
Um
dos principais estudos investigando a relação entre os neurônios-espelho e o
autismo (Oberman e colaboradores, 2005) utilizou ondas cerebrais Mu captadas
por EEG (Eletroencefalograma). Essas ondas são suprimidas quando o cérebro está
envolvido em alguma atividade como executar, observar ou imaginar uma ação.
Como são extintas não só quando alguém executa uma ação, mas quando observa
outra pessoa executando a mesma ação, as ondas Mu estão diretamente ligadas ao
sistema de neurônios-espelho.
No
experimento 10 sujeitos autistas de alto grau de funcionamento e 10 controle
tiveram suas ondas Mu monitoradas enquanto mexiam suas mãos, observavam um
vídeo com uma tela em branco e barulho ao fundo (linha de base), vídeo de bolas
quicando (estímulo não biológico) e de uma mão em movimento. Como esperado, no
grupo controle as ondas Mu foram suprimidas tanto quando mexiam as mãos como
quando observavam o vídeo de mãos em movimento, ou seja, o sistema de
neurônios-espelho funcionou adequadamente. Nos sujeitos autistas, entretanto, o
sistema falhou, funcionando somente quando mexiam suas mãos, não respondendo
aos movimentos das mãos do vídeo. Esses dados fornecem evidências de que o
sistema de neurônios-espelho nos autistas é disfuncional, o que provavelmente
contribui para os déficits do transtorno, principalmente aqueles relacionados
com a compreensão e adequação de respostas ao ambiente.
Outra
pesquisa recente liderada por Mirella Dapretto (2005), revelou que embora
muitos autistas consigam identificar e até imitar expressões emocionais, como
tristeza ou alegria no rosto dos outros, eles não entendem o significado
emocional dessas expressões. O experimento utilizou ressonância magnética para
medir a atividade neural de 10 crianças autistas com alto grau de funcionamento
e 10 crianças com desenvolvimento típico enquanto imitavam e observavam 80
fotos de expressões faciais como tristeza, raiva, medo e alegria, entre outras.
Embora os dois grupos tenham tido um bom desempenho nas tarefas, as crianças
autistas não apresentaram atividade dos neurônios-espelho no giro frontal
inferior. Além disso, a atividade nessa área foi inversamente proporcional à
severidade dos sintomas da esfera social, o que sugere que os déficits sociais
no autismo estejam ligados a alguma disfunção no sistema de neurônios-espelho.
As crianças autistas também apresentaram atividade reduzida nos centros
emocionais do cérebro, reforçando a hipótese de que o mecanismo dos neurônios-espelho
possui um papel fundamental na compreensão dos sentimentos dos outros, ou seja,
na empatia.
Segundo
Williams, Whiten, Suddendorf & Perrett (2001), um mau funcionamento do
sistema de neurônios-espelho também ajudaria a explicar a ecolalia presente em
alguns autistas. Para que o circuito dos neurônios-espelho funcione
adequadamente é preciso que haja um sistema inibitório impedindo que as
representações mentais das ações observadas sejam executadas.Um déficit nesse
sistema inibitório faria com que a imitação de palavras ou frases fosse
incontrolável.
Para
Ramachandran (Kiderra, 2005), é possível que o estudo das ondas Mu citado
anteriormente seja um começo para o diagnóstico precoce do autismo e
conseqüentemente para uma intervenção precoce com terapias mais eficazes. Para
o autor, o primeiro passo seria testar indivíduos que possuam uma predisposição
genética para o autismo, como por exemplo, irmãos mais novos de indivíduos já
diagnosticados. É importante frisar que o estudo foi realizado com autistas de
alto grau de funcionamento e, portanto, o teste seria um instrumento de
diagnóstico precoce somente para autistas com essa característica. Ainda não é
possível medir as ondas de autistas com baixo grau de funcionamento, uma vez
que seus movimentos repetitivos atrapalham o sinal das ondas e o retardo mental
também possui um peso grande nos déficits encontrados.
Uma
das terapias sugeridas é o biofeedback, uma técnica em que se aprende o
controle voluntário de funções fisiológicas das quais as pessoas normalmente
não têm consciência. De acordo com Pineda, outro autor da pesquisa, as ondas Mu
que são diretamente ligadas ao sistema de neurônios-espelho são as que mais
rapidamente aprendemos a controlar e por isso o biofeedback seria de extrema
importância para a terapia. Outra possível terapia é a utilização de espelhos.
Ramachandran já obteve sucesso utilizando este tipo de terapia com pacientes
que sofreram alguma amputação e sentiam dor ou paralisia nos seus membros
amputados. O espelho era usado para refletir o membro saudável do paciente e
“enganar” o cérebro, levando-o a acreditar que o membro amputado não mais
produzia dor. Como os neurônios-espelho dos autistas respondem somente aos seus
próprios movimentos, o espelho poderia ajuda o cérebro a perceber esses
movimentos refletidos como sendo de outra pessoa, e dessa forma ativar o
sistema de neurônios-espelho.
Para
Ramachandran ainda existe um longo caminho até que essas terapias se tornem uma
realidade; entretanto, um grande passo já foi dado na medida em que se
conseguiu relacionar características próprias do autismo como a falta de
empatia e de habilidade para imitação, com um circuito específico do cérebro, o
dos neurônios-espelho.
Discussão
Quando se trata de autismo, nenhuma
teoria por si só é capaz de explicar o transtorno como um todo, muito porque
ele engloba um spectrum muito
diversificado, entretanto, não obstante as contribuições já prestadas pelas
diversas teorias neurológicas desenvolvidas até hoje, uma das que mais tem se
destacado no mundo científico atualmente é a dos neurônios-espelho,
recentemente desenvolvida. Segundo ela, um mau funcionamento desses neurônios
explicaria déficits comunicativos e sociais observados no autismo.
Especificamente, trata dos prejuízos relacionados à imitação, teoria da mente,
empatia e ecolalia. Deriva daí seu papel de destaque, uma vez que estes
aspectos fundamentais não são contemplados pelas demais teorias neurológicas
existentes. Além disso, vê sob nova ótica a questão da linguagem e da atenção
compartilhada.
A
noção de neurônio-espelho está centrada na imitação; considerando-se esta como
precursora das habilidades sociais e comunicativas indispensáveis para um curso
normal de desenvolvimento humano, fica ainda mais evidente o avanço que a teoria
dos neurônios-espelho pode significar na elucidação de importantes questões
relacionadas ao autismo. Também no aspecto emocional, a imitação seria a base
responsável pela primeira interação entre o bebê e as figuras parentais,
segundo Meltzoff (citado em Beebe, Sorter, Rustin e Knoblauch, 2004).
Determinadas
características do autismo ainda não foram satisfatoriamente explicadas nem
mesmo pela teoria dos neurônios-espelho. Entretanto, por sua natureza
inovadora, essa teoria suscita novas reflexões e traz novo alento às pesquisas
na área. O que se vê é apenas o início do que essa teoria pode vir a refletir.
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