domingo, 15 de abril de 2012

Autismo e a Teoria dos Neurônios-espelhoRoberta Costa Caminha

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Roberta Costa Caminha
Introdução
            O autismo, também chamado comumente de transtorno autista ou autismo infantil, é um transtorno do desenvolvimento que se caracteriza por um comprometimento nas habilidades de interação social e comunicação, com padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, que geralmente aparece antes dos 3 anos de idade.
            São diversas as hipóteses com relação aos fatores etiológicos do autismo, contudo, até o momento, não se reuniu evidências suficientes para comprovar nenhuma delas e sua etiologia continua desconhecida. A única conclusão que se pode tirar por enquanto é que o autismo é causado por uma multiplicidade de fatores e possui uma base biológica. Há também fortes indícios de um componente genético. Embora essas evidências sejam claras, ainda não existe um marcador biológico específico que caracterize o autismo infantil.
Em função dessa multiplicidade de fatores, são várias as abordagens teóricas que buscam explicar o autismo. Uma das teorias que vem se destacando no mundo científico nos últimos anos é a teoria dos neurônios-espelho.
Esses neurônios, descobertos primeiramente nos macacos e recentemente nos humanos, são ativados não só quando uma determinada ação é executada, mas também quando é observada. Nos seres humanos o sistema de neurônios-espelho parece estar relacionado não só com a execução e observação de um movimento, mas também com processos cognitivos mais complexos como a linguagem, a capacidade de imitar e aprender com as ações dos outros, bem como decifrar suas intenções. Assim, essa teoria parece explicar os déficits de imitação, uso pragmático da linguagem, teoria da mente e empatia, vistos no autismo.
Neurônios-espelho nos Macacos
Há alguns anos atrás na Itália, Giacomo Rizzolatti, neurocientista da Universidade de Parma, e sua equipe pesquisavam neurônios motores em um macaco e acidentalmente fizeram uma grande descoberta. O macaco estava sendo monitorado através de eletrodos implantados na área do cérebro responsável pelo planejamento e execução de movimentos. Cada vez que o macaco fazia um movimento para pegar um amendoim, dentre os muitos que haviam sido espalhados pelos pesquisadores, os neurônios disparavam e produziam um determinado som que era captado por um monitor.
            A surpresa surgiu quando um dos pesquisadores resolveu alcançar um amendoim e o monitor captou o som, mesmo o macaco estando imóvel. Assim, os mesmos neurônios disparavam quando o macaco pegava um amendoim ou simplesmente observava uma pessoa pegando. O mesmo acontecia quando o macaco quebrava a casca de um amendoim ou simplesmente escutava o barulho de casca quebrando (Blakeslee, 2006).
            Rizzolatti chegou à conclusão de que o cérebro dos macacos possui um grupo especial de células chamadas de neurônios-espelho que disparam tanto quando o animal vê ou escuta uma ação, como quando ele mesmo executa essa ação. Esses neurônios foram assim chamados por representarem a ação pela qual são responsáveis, ou seja, eles funcionam como uma forma de espelho, “imitando” mentalmente a ação observada, como se o próprio macaco a estivesse executando. (Rizzolatti & Craighero, 2004).
            Os neurônios-espelho se localizam na parte ventral do córtex pré-motor dos macacos, mais especificamente em uma área chamada de F5. Essa área é responsável pelo controle dos movimentos das mãos e da boca. Uma de suas propriedades fundamentais é que a maioria de seus neurônios não é ativada com qualquer tipo de movimento, mas sim com movimentos específicos como alcançar, agarrar ou levar um objeto à boca.  Assim, para que os neurônios-espelho sejam ativados é preciso que haja uma interação entre o objeto e o agente da ação, ou seja, os neurônios não são ativados simplesmente com movimentos aleatórios de mãos ou com observação do objeto isoladamente, mesmo que este seja de interesse do macaco, como comida, por exemplo. A ativação também não ocorre quando o objeto observado é pego com a utilização de um instrumento como um alicate. Esses neurônios são usados para representar ações específicas (Rizzolatti, Fogassi, Fadiga & Galesse, 1996). Também são dotados de uma capacidade de generalização visual, ou seja, são ativados quando uma ação é executada tanto perto quanto longe do macaco (Rizzolatti & Arbib, 1998).
            Umiltá e colaboradores (2001) sugerem que os neurônios-espelho fazem parte de um sistema de reconhecimento de ações executadas por outros. Para os pesquisadores, se os neurônios-espelho representam o substrato neural para o reconhecimento de ações, então eles também deveriam ser ativados durante a observação de ações parciais. Para testar tal hipótese realizaram um experimento com dois macacos onde duas situações eram apresentadas: na primeira o macaco observava o experimentador pegar um objeto e na segunda observava a mesma ação, mas sem a parte crucial (interação mão-objeto). Os resultados mostraram que uma população de neurônios-espelho é capaz de representar uma ação mesmo quando a parte crucial da mesma está escondida e pode somente ser inferida. Isso indica que mesmo quando algumas dicas visuais são limitadas os neurônios-espelho conseguem colocar o observador no mesmo estado interno de quando ele próprio está executando a ação, o que permite a ele o reconhecimento dessa ação, mesmo ela sendo incompleta.
Existem outras formas de ações serem reconhecidas, como por exemplo, através do som. Kohler e colaboradores (2002) encontraram um tipo de neurônio-espelho na área F5 dos macacos que é ativado não só na execução ou observação de uma ação, mas também quando essa ação é somente escutada. É chamado de neurônio-espelho áudio-visual. Talvez seja por causa desse tipo de neurônio que o macaco do primeiro experimento de Rizzolatti tenha respondido ao barulho de casca de amendoim quebrando. Mas o que mais surpreende os cientistas é o fato de esses neurônios estarem localizados em uma área que parece ser homóloga à área de Broca nos homens. Isso pode vir a explicar a evolução da linguagem.
Neurônios-espelho nos Humanos
            Ainda não existem estudos que tenham isolado diretamente esses neurônios nos humanos; contudo, são diversas as evidências de sua existência. Fadiga, Fogassi, Pavesi & Rizzolatti (1995, citado em Rizzolatti & Arbib, 1998), foram os primeiros a descobrir um sistema similar nos humanos. Realizaram um experimento no qual o córtex motor de sujeitos normais foi estimulado (Transcranial Magnetic Stimulation) sob quatro condições: (1) observação de um experimentador pegando objetos, (2) observação de um experimentador fazendo movimentos aleatórios dos braços no ar (situações experimentais), (3) observação de objetos e (4) observação do esvaecimento de um pequeno ponto de luz (situações controle). O resultado foi que o potencial motor evocado aumentou incrivelmente durante a observação das situações experimentais. O padrão desse potencial motor encontrado foi correspondente ao padrão da atividade muscular registrada quando os sujeitos executam essas mesmas ações. Além disso, o aumento da excitabilidade aconteceu somente nos músculos usados pelos sujeitos na execução dessas ações. Dessa forma, concluíram que nos humanos também existe um sistema de neurônios-espelho similar ao descrito anteriormente nos macacos.
            O experimento, entretanto, não apresentou evidências de como esse sistema funciona anatomicamente. Para tal, dois outros experimentos utilizando PET (Positron Emission Tomography) foram realizados (Grafton, Arbib, Fadiga & Rizzolatti, 1996 e Rizzolatti & colaboradores, 1996, citados em Rizzolatti & Arbib, 1998). Embora diferentes em vários aspectos, os dois experimentos apresentaram a mesma situação experimental de observar o experimentador pegar objetos e a situação controle de observação desses objetos. Os resultados mostraram uma ativação significativa nas seguintes áreas durante a situação experimental: sulco temporal superior esquerdo (área 21 de Broadmann), lóbulo parietal inferior esquerdo (área 40 de Broadmann) e giro frontal inferior esquerdo (área 45 de Broadmann). Esses resultados mostraram ativação dos neurônios-espelho nos homens em áreas coincidentes com as observadas nos macacos. Tudo indica que a área F5 do cérebro dos macacos seja anatomicamente homóloga a área de Broca no cérebro dos seres humanos.
            A área de Broca está envolvida na produção da fala, e segundo Rizzolatti e Arbib, 1998, isso pode significar que as formas primitivas de comunicação, baseadas em gestos manuais e faciais, precederam a fala na evolução da linguagem. Ainda de acordo com os autores, o desenvolvimento do circuito de fala nos humanos é uma conseqüência do fato de o precursor da área de Broca ter sido dotado, antes do aparecimento da fala, da capacidade de reconhecimento e imitação de ações. Esse mecanismo representa o pré-requisito neural para o desenvolvimento da comunicação interpessoal e da fala. Pode-se, assim, dizer que os neurônios-espelho possuem um papel importante na evolução da linguagem. Eles nos permitem imitar e compreender os movimentos dos outros, inclusive movimentos dos lábios e língua. Com as habilidades de entender as intenções do outro e de imitar suas vocalizações, a linguagem foi capaz de evoluir (Ramachandran, 2000).
            A imitação é uma função cognitiva complexa que possui um papel fundamental não só na evolução da linguagem, mas como também no desenvolvimento humano como um todo, incluindo o aprendizado de habilidades motoras, comunicativas e sociais. Imitação implica aprendizado e requer a transformação de uma ação observada em uma ação motora, o mais idêntica possível, executada pelo observador (Buccino, 2004). As bases neurais da imitação, bem como seu mecanismo de funcionamento, eram até então pouco conhecidas. Hoje, já existem evidências de que os neurônios-espelho estejam envolvidos nesse processo. Uma das principais evidências surgiu do experimento de Buccino e colaboradores (2004), onde indivíduos que não sabiam tocar violão deveriam observar um profissional tocar determinados acordes para depois tentarem replicar o mais exatamente possível. Utilizaram sujeitos leigos em violão partindo do princípio de que a verdadeira imitação só ocorre quando há aprendizado e não quando há a mera repetição de ações já existentes no repertório motor de quem vai imitar (Byrne, 1995 e Tomasello & Call, 1997, citados em Buccino, 2004). Os pesquisadores utilizaram uma metodologia na qual os períodos de observação e de replicação da ação observada foram separados por um intervalo de preparação. Três situações foram usadas como controle: somente observação, execução de acordes aleatórios e execução de ações aleatórias após observação dos acordes feitos pelo profissional. Os resultados mostraram que o circuito dos neurônios-espelho foi ativado em todas as fases da imitação, desde a observação da ação até a execução da mesma. Conclui-se daí que, esse circuito está envolvido no processo fundamental à imitação, ou seja, a transformação de uma ação visualmente codificada em uma ação o mais idêntica possível executada pelo observador.
            O papel dos neurônios-espelho nos humanos vai além. Eles não estão envolvidos somente com o reconhecimento e imitação de ações. Também são capazes de decifrar as intenções e ações futuras dos outros. Iacoboni e colaboradores (2005) chegaram a essa conclusão após realizarem um experimento com o intuito de investigar os mecanismos envolvidos neste processo. Para tal, 23 sujeitos foram monitorados enquanto observavam cenas distintas em um vídeo: (1) mão pegando uma caneca em cima de uma mesa arrumada para um lanche e (2) mão pegando uma caneca em cima de uma mesa desarrumada após um lanche. Para controle foram observadas as cenas de mão pegando caneca fora dos contextos e somente os contextos. Esses contextos sugeriam a intenção associada ao movimento, que no caso era pegar a caneca para beber (cena com a mesa arrumada) ou para limpar (cena com a mesa desarrumada). A hipótese sugerida era de que se os neurônios-espelho simplesmente codificam o objetivo imediato da ação observada, que no caso seria pegar um objeto, a atividade dos mesmos não seria influenciada pelo contexto. Por outro lado, se eles codificam a intenção global associada à ação, então o contexto modularia a ativação desses neurônios. Os resultados mostraram que a observação das ações de pegar a caneca dentro de um contexto ativou muito mais as áreas de neurônios-espelho do que nas situações controle; o que sugere que o sistema de neurônios-espelho nos humanos não esteja envolvido somente no reconhecimento de ações, mas constitui um sistema neural que codifica as intenções dos outros. Essa habilidade humana de saber decifrar as intenções e desejos dos outros simplesmente através da observação é chamada de Teoria da Mente. Ela nos permite compreender o ambiente e engajar-nos em atividades sociais.
            De forma similar, a empatia requer a habilidade de entender o estado mental interno de outro indivíduo e através dele se colocar no lugar do outro. Nossa capacidade de “sentir na pele” o que o outro está passando requer que os mesmos sistemas neurais sejam ativados em ambos os sujeitos. Wicker e colaboradores (2003) recentemente realizaram um experimento utilizando ressonância magnética que tinha como objetivo testar se as mesmas áreas da ínsula eram ativadas durante a experiência de nojo e durante a observação da expressão facial de nojo nos outros. Para isso 14 participantes tiveram seus cérebros monitorados enquanto cheiravam frascos contendo soluções com odores como de ovo podre e manteiga rançosa, e enquanto assistiam a filmes de pessoas fazendo o mesmo procedimento. O resultado mostrou que a parte anterior da ínsula foi ativada em ambas as situações. Dessa forma, o mesmo mecanismo que faz com que a representação interna de uma ação seja ativada simplesmente através da observação dessa ação, faz com que uma pessoa experimente a mesma emoção que vê estampada no rosto de outra.
            Em outro experimento, Keysers e colaboradores (2004) procuraram entender o que chamaram de “empatia táctil”, ou melhor, como reagimos à visão de outros sendo tocados. Os 14 participantes foram monitorados enquanto eram estimulados nas pernas com uma delicada escova e enquanto assistiam a um filme com pessoas passando pelo mesmo procedimento. O resultado mostrou que a mesma área do córtex somatosensorial foi ativada nas duas situações, o que reforça a suspeita de que em diversas regiões do cérebro humano existem circuitos-espelho que vão além da questão motora, e estão envolvidos em fenômenos mais gerais como percepção do toque e emoção.
            Ainda outro estudo bem recente realizado por Weber, Ritterfeld & Mathiak (2006) revelou que os neurônios-espelho, assim como as áreas do cérebro relacionadas à agressão, são ativadas quando as crianças assistem a programas de televisão violentos, aumentando a probabilidade de a criança se comportar de modo agressivo.
            É incontestável a atuação dos neurônios-espelho nas mais corriqueiras situações do dia-dia.  O porquê das pessoas expressarem emoção diante de um evento desportivo, de uma exibição artística ou até mesmo diante de uma manifestação de agressão, começa agora a ser desvendado. 
            Se os neurônios-espelho dos macacos são capazes de reconhecer ações, os dos humanos vão muito além. São mais rápidos, inteligentes, flexíveis e desenvolvidos, o que reflete a evolução das habilidades sociais humanas. Seu sistema está envolvido não só na execução e observação de um movimento, mas também nos processos cognitivos mais elevados como a linguagem, a capacidade de imitar e aprender com os outros, de decodificar suas intenções e emoções e a capacidade empática; todos componentes chave para a interação social. Segundo Ramachandran (2006), os neurônios-espelho representarão, para a psicologia, o que o DNA representou para a biologia. Esses neurônios estão revolucionando uma vasta gama de disciplinas relacionadas ao entendimento do ser humano e suas interfaces. Têm lançado nova luz sobre o entendimento da cultura, da filosofia, de psicoterapias e de transtornos como o autismo.
Autismo e a Teoria dos Neurônios-espelho
            Como visto anteriormente, o sistema de neurônios-espelho transforma a informação visual em conhecimento. Esses neurônios representam a base neural de um mecanismo que cria uma ponte entre a pessoa que envia uma mensagem e o receptor (Rizzolatti e Craighero, 2004). A partir do momento em que um observador compreende e representa as ações de um indivíduo como sendo suas próprias, torna-se possível decifrar as intenções do outro, e assim desenvolver o que seria uma teoria da mente. Captar a intenção e saber colocar-se no lugar do outro são habilidades fundamentais para o desenvolvimento de um comportamento social.
            Tudo indica que, por conta da estreita relação entre os déficits do autismo e as funções do sistema de neurônios-espelho, os indivíduos autistas possuam um prejuízo nesse sistema. Williams, Whiten, Suddendorf e Perrett (2001), sugerem que um desenvolvimento disfuncional do sistema de neurônios-espelho, como resultado de uma combinação de fatores genéticos e ambientais, prejudicaria as representações mentais do “eu” e do outro, bem como o processo de imitação.  Tais prejuízos, por sua vez, acarretariam déficits nas habilidades sociais e de comunicação, tais como a teoria da mente, a atenção compartilhada, a linguagem e a empatia, principais déficits do autismo.
            Um dos principais estudos investigando a relação entre os neurônios-espelho e o autismo (Oberman e colaboradores, 2005) utilizou ondas cerebrais Mu captadas por EEG (Eletroencefalograma). Essas ondas são suprimidas quando o cérebro está envolvido em alguma atividade como executar, observar ou imaginar uma ação. Como são extintas não só quando alguém executa uma ação, mas quando observa outra pessoa executando a mesma ação, as ondas Mu estão diretamente ligadas ao sistema de neurônios-espelho.
            No experimento 10 sujeitos autistas de alto grau de funcionamento e 10 controle tiveram suas ondas Mu monitoradas enquanto mexiam suas mãos, observavam um vídeo com uma tela em branco e barulho ao fundo (linha de base), vídeo de bolas quicando (estímulo não biológico) e de uma mão em movimento. Como esperado, no grupo controle as ondas Mu foram suprimidas tanto quando mexiam as mãos como quando observavam o vídeo de mãos em movimento, ou seja, o sistema de neurônios-espelho funcionou adequadamente. Nos sujeitos autistas, entretanto, o sistema falhou, funcionando somente quando mexiam suas mãos, não respondendo aos movimentos das mãos do vídeo. Esses dados fornecem evidências de que o sistema de neurônios-espelho nos autistas é disfuncional, o que provavelmente contribui para os déficits do transtorno, principalmente aqueles relacionados com a compreensão e adequação de respostas ao ambiente.
            Outra pesquisa recente liderada por Mirella Dapretto (2005), revelou que embora muitos autistas consigam identificar e até imitar expressões emocionais, como tristeza ou alegria no rosto dos outros, eles não entendem o significado emocional dessas expressões. O experimento utilizou ressonância magnética para medir a atividade neural de 10 crianças autistas com alto grau de funcionamento e 10 crianças com desenvolvimento típico enquanto imitavam e observavam 80 fotos de expressões faciais como tristeza, raiva, medo e alegria, entre outras. Embora os dois grupos tenham tido um bom desempenho nas tarefas, as crianças autistas não apresentaram atividade dos neurônios-espelho no giro frontal inferior. Além disso, a atividade nessa área foi inversamente proporcional à severidade dos sintomas da esfera social, o que sugere que os déficits sociais no autismo estejam ligados a alguma disfunção no sistema de neurônios-espelho. As crianças autistas também apresentaram atividade reduzida nos centros emocionais do cérebro, reforçando a hipótese de que o mecanismo dos neurônios-espelho possui um papel fundamental na compreensão dos sentimentos dos outros, ou seja, na empatia.
            Segundo Williams, Whiten, Suddendorf & Perrett (2001), um mau funcionamento do sistema de neurônios-espelho também ajudaria a explicar a ecolalia presente em alguns autistas. Para que o circuito dos neurônios-espelho funcione adequadamente é preciso que haja um sistema inibitório impedindo que as representações mentais das ações observadas sejam executadas.Um déficit nesse sistema inibitório faria com que a imitação de palavras ou frases fosse incontrolável.
            Para Ramachandran (Kiderra, 2005), é possível que o estudo das ondas Mu citado anteriormente seja um começo para o diagnóstico precoce do autismo e conseqüentemente para uma intervenção precoce com terapias mais eficazes. Para o autor, o primeiro passo seria testar indivíduos que possuam uma predisposição genética para o autismo, como por exemplo, irmãos mais novos de indivíduos já diagnosticados. É importante frisar que o estudo foi realizado com autistas de alto grau de funcionamento e, portanto, o teste seria um instrumento de diagnóstico precoce somente para autistas com essa característica. Ainda não é possível medir as ondas de autistas com baixo grau de funcionamento, uma vez que seus movimentos repetitivos atrapalham o sinal das ondas e o retardo mental também possui um peso grande nos déficits encontrados.
            Uma das terapias sugeridas é o biofeedback, uma técnica em que se aprende o controle voluntário de funções fisiológicas das quais as pessoas normalmente não têm consciência. De acordo com Pineda, outro autor da pesquisa, as ondas Mu que são diretamente ligadas ao sistema de neurônios-espelho são as que mais rapidamente aprendemos a controlar e por isso o biofeedback seria de extrema importância para a terapia. Outra possível terapia é a utilização de espelhos. Ramachandran já obteve sucesso utilizando este tipo de terapia com pacientes que sofreram alguma amputação e sentiam dor ou paralisia nos seus membros amputados. O espelho era usado para refletir o membro saudável do paciente e “enganar” o cérebro, levando-o a acreditar que o membro amputado não mais produzia dor. Como os neurônios-espelho dos autistas respondem somente aos seus próprios movimentos, o espelho poderia ajuda o cérebro a perceber esses movimentos refletidos como sendo de outra pessoa, e dessa forma ativar o sistema de neurônios-espelho.
            Para Ramachandran ainda existe um longo caminho até que essas terapias se tornem uma realidade; entretanto, um grande passo já foi dado na medida em que se conseguiu relacionar características próprias do autismo como a falta de empatia e de habilidade para imitação, com um circuito específico do cérebro, o dos neurônios-espelho.
Discussão
Quando se trata de autismo, nenhuma teoria por si só é capaz de explicar o transtorno como um todo, muito porque ele engloba um spectrum muito diversificado, entretanto, não obstante as contribuições já prestadas pelas diversas teorias neurológicas desenvolvidas até hoje, uma das que mais tem se destacado no mundo científico atualmente é a dos neurônios-espelho, recentemente desenvolvida. Segundo ela, um mau funcionamento desses neurônios explicaria déficits comunicativos e sociais observados no autismo. Especificamente, trata dos prejuízos relacionados à imitação, teoria da mente, empatia e ecolalia. Deriva daí seu papel de destaque, uma vez que estes aspectos fundamentais não são contemplados pelas demais teorias neurológicas existentes. Além disso, vê sob nova ótica a questão da linguagem e da atenção compartilhada.
            A noção de neurônio-espelho está centrada na imitação; considerando-se esta como precursora das habilidades sociais e comunicativas indispensáveis para um curso normal de desenvolvimento humano, fica ainda mais evidente o avanço que a teoria dos neurônios-espelho pode significar na elucidação de importantes questões relacionadas ao autismo. Também no aspecto emocional, a imitação seria a base responsável pela primeira interação entre o bebê e as figuras parentais, segundo Meltzoff (citado em Beebe, Sorter, Rustin e Knoblauch, 2004).
            Determinadas características do autismo ainda não foram satisfatoriamente explicadas nem mesmo pela teoria dos neurônios-espelho. Entretanto, por sua natureza inovadora, essa teoria suscita novas reflexões e traz novo alento às pesquisas na área. O que se vê é apenas o início do que essa teoria pode vir a refletir.         

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