Acontece de vez em quando. Você encontra alguém que acredita existir cura para o autismo. Uma cura simples. Esta cura seria na verdade como a cura de muitas doenças. Você eliminaria o que é autístico como se fosse um câncer, removendo o tumor.
O que o mundo vê no autismo e, o que é sem dúvida autista, é o comportamento. Se o autismo fosse como um câncer, os comportamentos inadequados seriam o alvo do tratamento, seriam eliminados e, pronto, acabou o autismo. Esse enfoque funcionou muito bem para um defeito que eu tinha no coração. Fui operado e agora ele trabalha melhor do que nunca. Entretanto, minha doença cardíaca não era pervasiva. Ela existia independente dos meus outros aspectos. Embora eu soubesse que a doença poderia matar-me a qualquer momento e, de alguma maneira, isso influenciava a minha personalidade e o meu comportamento, ser portador da síndrome de Asperger, influencia diretamente toda a minha vida.
Eu entendo que o desejo de eliminar todos os comportamentos autísticos derivam provavelmente de uma falta de compreensão destes comportamentos, combinada com o desejo de que as pessoas tenham uma vida feliz. O que não ocorre a algumas pessoas, é que essas duas coisas necessariamente não se excluem.
Muitos comportamentos que ocorrem no autismo são estressantes para quem os presencia, sendo alguns até mesmo perigosos para o indivíduo. Comportamentos graves de auto-agressão não podem ser permitidos. Estes comportamentos precisam ser trabalhados e modificados.
Alguns dos comportamentos “alvos” do enfoque “eliminação como cura”, são benignos. Muitos têm propósitos importantes. Se a pessoa que se sente atraída por este enfoque, olhar além daquele motivo já conhecido, desejar o melhor para a criança, pode descobrir que o motivo real é fazer com que a criança não pareça autista. Eu posso compreender isto. O mundo é cruel com aqueles que são diferentes. E as razões são muitas vezes fortuitas. Por ter Asperger, já haver sido hospitalizado por grave episódio de depressão, e trabalhar com crianças com necessidades especiais, já vi e ouvi uma quantidade impressionante de crueldades neste mundo. Eu ia dizer que já vi de tudo, mas infelizmente isso pode não ser verdade. Como alguém talvez ainda me surpreenda com alguma nova frase ou atitude, é melhor eu continuar na defensiva.
Não importa o quanto eu discorde deste enfoque de “cure o autismo eliminando o comportamento autístico”, eu tento ser gentil com as pessoas que acreditam nele. Se eu não sou, peço desculpas, sei que preciso discuti-lo calma e racionalmente.
Se você pedir a uma pessoa que tem pouco conhecimento sobre o autismo para descrevê-lo, ela provavelmente descreverá alguns daqueles movimentos conhecidos como “stims” (comportamentos auto-estimulatórios). O balançar, o abanar das mãos, movimentos que chamam tanto a atenção que são lembrados mesmo por pessoas que não convivem com o autismo.
Às vezes estes comportamentos realmente atrapalham o aprendizado de novos comportamentos e, talvez eu pule esta questão colocando uma pergunta feita por um professor de psicologia comportamental. Ele trabalhava numa escola com uma criança autista. O objetivo era eliminar os comportamentos autísticos que comprometiam seu aprendizado e dificultava sua aceitação pelos colegas. O programa levou muitos anos e foi considerado um sucesso. O único problema foi que um dia, o professor viu o menino num canto, muito entretido em abanar as mãos. Ele colocou a pergunta para a nossa turma : essa criança ainda é autista?
Essa turma era estritamente comportamental e não seriam tolerados modelos de outras áreas. Então, não podíamos dizer que, se a estrutura de seu cérebro não havia mudado, ele obviamente continuava autista. Nem podíamos abordar nenhum outro ponto de vista não-comportamental. A turma concluiu que se o problema de comportamento havia sido eliminado no local desejado, a sala de aula, o autismo dele poderia ser considerado curado. E agora ele sabia encontrar um outro lugar para seus comportamentos autísticos. O professor que nos contou esse caso não era do tipo que diz a resposta certa. Ele gostava de deixar você pensando.
Como minha mente é autística, esta pergunta nunca me abandonou. É claro que eu sei que o menino continua tão autista quanto antes, mas eu fico pensando em todas as possíveis possibilidades para ele. Será que ele se ressentiu das intervenções que objetivaram fazer dele o que não era? Quando ele procurou aquele canto para balançar as mãos, será que sentiu vergonha de não ser normal, ou isto foi um desafio? Será que ele percebeu que estava certo ser autista e tinha o direito de fazer o “stim”? Será que hoje ele é rico e pode ter um quarto todo equipado para todos os tipos imagináveis de auto-estimulação? As possibilidades são infinitas. Minha habilidade em perseverar nessa questão por doze anos tem intrigado a mim mesmo.
O que esse caso demonstra é que há uma necessidade para os comportamentos auto-estimulatórios. Muitos dos adultos com quem converso na internet, os quais são muito bem sucedidos, estão entre os campeões da auto-estimulação.
Na minha própria vida, circulando por aí, eu tenho tentado ser discreto nos stims. Sempre gostei muito do modo como se pode brincar com luz e sombra. Com uma simples inclinação de cabeça ou do relógio, posso me acalmar e até ficar feliz. Para mim, uma das bençãos do autismo é ver a beleza em lugares onde nenhuma outra pessoa pensou em procurar. Porém, quando me deixo levar pela beleza dessas coisas, sem dúvida, pareço totalmente idiota. Tenho um amigo que descreve esses lapsos como “ter um momento autista”. Embora isso não signifique que, para nós, haja momentos que não sejam, mas que existem aqueles que deixam claro para todos que não compartilhamos a mesma realidade.
Como não vivemos num mundo onde existe uma aceitação incondicional, freqüentemente precisamos passar por “normais”. Como eu já sei que tal coisa vai ser estressante e que eu talvez não consiga, tenho que me permitir um pouco de stims confortantes, que me aliviem da pressão antes que eu precise de uma dose (de stims) maior. Do tipo que seria menos complicado se feito em casa. Grandes balanceios, brincar com a luz, deixar que sua cabeça bata na lateral do ônibus para sentir a vibração maravilhosa que percorre todo o seu corpo, tudo isso atrai olhares. O que leva a mais estresse. E a uma maior necessidade de stims. Se eu me percebo na direção de maiores stims, em situações em que eu não deveria estar estressado, eu tento parar. Embora considere a probabilidade de estar sob mais pressão do que imaginava.
Eu carrego objetos auto-estimulatórios para momentos como estes. Eu facilmente me reconforto com as certezas matemáticas, então uma calculadora pode me ajudar a parecer normal, quando na verdade me envolvo em complicados jogos com números. Muitos aparelhos eletrônicos permitem que escapemos do mundo de uma forma aceitável. Eu já usei headphones ligados ao meu bolso e não a um walkman, porque assim as pessoas desculpam minha falta de atenção e eu não tenho que ouvir música. Ninguém nunca notou que não havia nada no meu bolso.
Eu não me balanço apenas para me acalmar. Balanço por felicidade, ou se algo é engraçado, ou se eu estou muito concentrado. O que é constante para a maioria dos meus stims é que lidam com o excesso. Seja de felicidade, estresse, concentração, tristeza etc.
Stims têm um outro objetivo que talvez seja difícil entender de fora do autismo. Nós precisamos continuamente nos assegurarmos que certas partes de nós de fato existem. Pode ajudar se movermos o corpo muitas vezes. Às vezes alguns dos meus comportamentos auto-agressivos têm esta causa, embora eu esteja sempre procurando substituí-los. Pode ser difícil, mas tente imaginar o medo que se origina da sensação de que nada separa você do caos do mundo. É claro que você vai procurar maneiras de checar se você continua como você imagina que é.
Eu passei por uma fase em que fui tolo o bastante para pensar que havia superado o pior. Não percebia como certas coisas que eu fazia para me sentir “seguro” eram para auto-controle. Cognitivamente eu posso dizer as medidas exatas do corpo que leva o meu nome. No entanto, algumas partes de mim ainda precisam certificar-se que existem limites adequados. Só assim posso me sentir bem. Ainda vou escrever mais especificamente sobre isso.
Então, quando você organiza um plano de tratamento para sua criança, ou se você mesmo é um adulto, tente ter em mente o seu objetivo. Lembre-se que eliminar o comportamento autístico pode significar eliminar um mecanismo de ajuste. De fora do autismo, é fácil pensar que é absurdo que estes comportamentos tenham valor, mas eles têm. Pode acreditar que eu muitas vezes desejei que não fosse assim. Teria evitado muitos olhares desagradáveis que recebo. Trabalhe com os comportamentos que estão presentes. Se você não aderiu ao modelo da eliminação, você talvez transforma algo que parece autístico num comportamento mais aceitável socialmente, ou quem sabe, até útil.
Minha maior preocupação quando falo a pessoas que verdadeiramente acreditam que eliminar o comportamento autístico é necessário e esta é a cura, reside no fato de que existe muita dor e vergonha envolvidas.
A criança não sabe que o que ela faz é que desgosta seus pais. Para ela, deve ser ela mesma. Quando quase tudo o que você faz causa desprazer, você rapidamente conclui que você é que não presta e causa vergonha. Sei, por experiência própria, que é necessário muito mais tempo pare desfazer esta idéia do que foi para criá-la.
Quando você encontrar sua criança balançando-se embaixo de uma mesa, brincando com a luz e parecendo feliz, tenha esperança. Não de que você possa eliminar esse comportamento, mas de que talvez um dia , ela possa mostrar a você a beleza que ela vê. Há muita beleza no autismo, basta que você procure melhor.
Eliminating Autistic Behavior Does Not Cure Autism – Kris Brink (Fev/01)
Fonte : http://www.themestream.com/
Tradução de Mônica Accioly
Fonte: Site da ONG Associação Mão Amiga
fonte: http://www.ama-ba.org.br/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=31&Itemid=43
Nenhum comentário:
Postar um comentário