7 de outubro de 2011
Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul vol.33 no.2 Porto Alegre 2011
Screening for signs and symptoms of autism spectrum disorders in siblings
Tatiana Pontrelli MeccaI; Riviane Borghesi BravoII; Renata de Lima VellosoIII; José Salomão SchwartzmanIV; Decio BrunoniV; Maria Cristina Triguero Veloz TeixeiraVI
I Psicóloga.
Doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento,
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana
Mackenzie, São Paulo, SP.
II Psicóloga. Mestre, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde: Saúde da Criança e do Adolescente, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG.
III Doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
IV Doutor. Professor titular, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
V Doutor. Professor titular, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
VI Doutora. Professora adjunta I, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
II Psicóloga. Mestre, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde: Saúde da Criança e do Adolescente, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG.
III Doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
IV Doutor. Professor titular, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
V Doutor. Professor titular, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
VI Doutora. Professora adjunta I, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie.
RESUMO
Os
transtornos globais do desenvolvimento (TGD) são caracterizados por
anormalidades qualitativas e abrangentes em três domínios do
desenvolvimento: interação social recíproca, comunicação e presença de
um repertório comportamental de interesses restritos, repetitivo e
estereotipado. Estudos genéticos têm identificado a recorrência de TGD
numa mesma família. O presente estudo teve por objetivo rastrear a
ocorrência de sinais e sintomas de TGD em irmãos de indivíduos com esse
diagnóstico. Participaram do estudo 25 sujeitos provenientes de 19
famílias. A coleta de dados foi realizada mediante a utilização da
versão brasileira do Autism Screening Questionnaire (ASQ), ou
Questionário de Comportamento e Comunicação Social. Foram confirmados
dois casos de irmãos com TGD (10,52% dos casos), sendo um irmão gêmeo
monozigótico e um irmão de um probando com diagnóstico de síndrome de
Asperger. Os dados apontam para taxas mais elevadas do que aquelas
descritas na literatura (2-6%) e se aproximam dos achados que relatam
10% de recorrência familiar em gêmeos dizigóticos. Esse resultado
fornece evidências de possíveis fatores neurogenéticos para explicar a
ocorrência de TGD nos familiares dos probandos estudados e salienta a
necessidade de efetuar o rastreamento desse transtorno não só na criança
avaliada, mas também em seus irmãos.Descritores: Irmãos, genética, transtornos do espectro do autismo.
ABSTRACT
Pervasive
developmental disorders (PDD) are characterized by comprehensive and
qualitative abnormalities affecting three areas of development:
reciprocal social interaction, communication, and a repetitive,
stereotyped behavioral repertoire, of limited interests. Genetic studies
have identified the recurrence of PDD in the same family. The present
study aimed to trace the occurrence of signs and symptoms of PDD in the
siblings of patients with this diagnosis. The study included 25 subjects
from 19 families. Data collection was performed using the Brazilian
version of the Autism Screening Questionnaire (ASQ). Two cases of PDD in
siblings were confirmed (10.52% of cases): a monozygotic twin brother
and the brother of a proband with a diagnosis of Asperger syndrome. Our
data indicate higher rates of PDD in siblings than described in the
literature (2-6%), close to the findings that suggest a 10% rate of
familial recurrence in dizygotic twins. This result provides evidence of
possible neurogenetic factors to explain the occurrence of PDD in
relatives of the probands assessed and underscores the need to screen
not only the child under evaluation, but also their siblings.
Keywords: Siblings, genetics, autism spectrum disorders.
Keywords: Siblings, genetics, autism spectrum disorders.
Introdução
Atualmente, o
autismo está classificado na categoria dos transtornos globais do
desenvolvimento (TGD) ou transtornos invasivos do desenvolvimento em
manuais de classificação, tais como o Diagnostic and Statistical Manual
of Mental Disorders, 4th edition, Text Revision (DSM-IV-TR) e a
Classificação Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde -
10ª Revisão (CID-10), respectivamente1,2. O diagnóstico se
estabelece a partir desses critérios clínicos, que abrangem a
identificação de anormalidades em três domínios do desenvolvimento:
interação social recíproca, comunicação e presença de um repertório
comportamental de interesses restritos, repetitivo e estereotipado.
De acordo com o DSM-IV-TR2,
os TGD se classificam em transtorno autista, transtorno de Rett,
transtorno desintegrativo da infância, transtorno de Asperger e
transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação (TGD-SOE).
Entretanto, perante a complexidade da condição, nem sempre os casos
avaliados preenchem todos os critérios diagnósticos para o transtorno
autista. Por esse motivo, atualmente, o grupo de trabalho da Associação
Americana de Psiquiatria do DSM-V discute critérios clínicos diferentes e
a criação de uma nova categoria diagnóstica para incluir o autismo. O
grupo propõe excluir da condição de TGD o transtorno desintegrativo da
infância e a síndrome de Rett, e incluir os três transtornos restantes
na condição transtornos do espectro do autismo (TEA). Esta última se
subdividiria em duas subcategorias: TEA tipo I, para casos típicos do
espectro autista; e TEA tipo II, para casos atípicos3.
O fenótipo dos
TEA é heterogêneo e, embora apresente uma etiologia multifatorial, é o
único transtorno neuropsiquiátrico no qual se tem mostrado considerável
influência da herdabilidade4-12. Essa influência hereditária
tem conduzido à realização de diversos estudos para identificar
alterações neurocomportamentais em irmãos de crianças diagnosticadas com
TEA13-17.
Os primeiros
estudos, que apresentaram taxas de recorrência entre 90 e 96% para
gêmeos monozigóticos e de 0 a 24% em dizigóticos, datam dos anos 1980 e
199018-20. Estudos familiares com gêmeos que abrangem a
identificação de anormalidades cromossômicas fornecem evidências de que
vários genes em interação podem contribuir para esse transtorno21.
Pesquisas que identificaram risco de recorrência de autismo entre
gêmeos monozigóticos mostraram uma taxa superior a 90% quando se
considera o amplo espectro de manifestações18-20,22,23. Um estudo de revisão recente12 mostrou
pesquisas que apontam taxas de concordância em gêmeos monozigóticos
variando de 73 a 95% e um risco de 5 a 6% de recorrência em irmãos. Em
relação à recorrência familiar, um estudo realizado por Sumi et al.24 mostrou taxa de 10% para recorrência familiar em irmãos de indivíduos diagnosticados com TEA.
Para identificar a ocorrência familiar dos TEA em irmãos, são utilizados preferencialmente escalas e inventários de rastreamento24-26.
Esses instrumentos têm algumas vantagens, entre elas o custo
relativamente baixo associado a seu uso e sua elevada sensibilidade para
identificar alterações clínicas do espectro do autismo.
Na última
década, aumentou no Brasil o número de pesquisas destinadas à tradução e
adaptação de instrumentos para rastreamento e auxílio no diagnóstico
dos TEA27-32. Por outro lado, estudos sobre a ocorrência
familiar do transtorno são praticamente inexistentes no país, assim como
são escassas as pesquisas de cunho epidemiológico. Dessas últimas,
apenas dois estudos epidemiológicos foram divulgados até o momento33,34.
Já os trabalhos que focam outras áreas, como diagnóstico, marcadores
neurogenéticos, aspectos psicossociais, entre outros, são mais
frequentes28,35-44. Assim, avaliações diagnósticas desse
tipo, realizadas pelas equipes de saúde, poderiam ser ampliadas para
familiares de primeiro grau. Sugere-se, para isso, o uso de instrumentos
adaptados culturalmente no país28-32.
Desta forma, o
objetivo deste estudo foi identificar sinais e sintomas de TEA em irmãos
de indivíduos previamente diagnosticados com o transtorno.
Método
O estudo foi
composto por uma série de casos de 25 irmãos de 19 crianças e
adolescentes com diagnóstico de TGD. Entre as 19 pessoas afetadas, oito
tinham diagnóstico de transtorno autista, sete apresentavam transtorno
de Asperger e quatro tinham TGD-SOE. Todos os diagnósticos foram
estabelecidos por equipe multidisciplinar composta por especialistas em
neuropediatria, genética, psicologia, fonoaudiologia e pedagogia,
mediante uso dos critérios estabelecidos no DSM-IV-TR2.
Os 25 irmãos
foram identificados em 19 famílias, cuja triagem foi feita através dos
registros existentes nos protocolos dos pacientes da Clínica de
Distúrbios do Desenvolvimento, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios
do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo
(SP). Foram selecionadas famílias nas quais os probandos possuíam um ou
mais irmãos. As famílias foram contatadas e convidadas a participar da
pesquisa. Todos os irmãos dos probandos participaram do estudo. Entre os
pacientes estudados, foram descartados os que apresentavam quadros
sindrômicos de causa genética ou ambiental.
A coleta de
dados foi realizada mediante a aplicação da versão brasileira do Autism
Screening Questionnaire (ASQ), ou Questionário de Comportamento e
Comunicação Social32. O instrumento é composto por 40
questões que abrangem três domínios, a saber, interação social,
linguagem e comportamentos, tendo por objetivo rastrear sinais e
sintomas dos TEA. O ASQ foi aplicado às mães dos pacientes com TGD. Os
procedimentos de análise de dados foram estabelecidos de acordo com as
normas para pontuação, sendo previstas três classificações: 0 a 14
pontos (normal); 15 a 21 pontos (TGD); e > 21 (autismo).
O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da universidade (protocolo nº 081/05/07 e CAAE-0031.0.272.000-07).
Resultados
Dos 25 irmãos,
23 obtiveram pontuações abaixo da linha de corte (89,48%), um irmão
(5,26%) teve pontuação compatível com TGD e um irmão (5,26) teve
pontuação compatível com o diagnóstico de autismo. O caso que obteve
pontuação para TGD no ASQ era irmão gêmeo monozigótico de 8 anos de
idade do probando. O segundo caso classificado como autismo era irmão de
uma criança diagnosticada com síndrome de Asperger. Esses resultados
apontam para um índice de 10,52% de ocorrência de sinais e sintomas de
TGD na amostra estudada.
A aplicação do ASQ permitiu observar diferentes graus de prejuízo nas três áreas investigadas. A Tabela 1apresenta
as pontuações obtidas nas áreas de comportamentos restritos,
repetitivos e estereotipados, comunicação/linguagem e interação social.
De acordo com a
pontuação obtida no ASQ para as três áreas e também a pontuação total,
observa-se que os prejuízos na interação social obtiveram pontuações
elevadas nos dois casos identificados com transtorno autista e TGD
(sujeitos 9 e 22).
Discussão
Apesar da
amostra restrita de 25 irmãos, os achados apontaram sinais e sintomas
para TEA em dois casos da série. Esse resultado coincidiu, em termos
percentuais, com os achados de Ritvo et al.45, que, ao estudar 207 famílias, encontraram uma taxa de 9,6% de recorrência em irmãos.
Se comparada
com estudos recentes que apontam índices de recorrência familiar de TEA
entre 2 e 6%, é provável que a taxa de ocorrência familiar encontrada em
nossa amostra tenha sido mais elevada devido a uma limitação própria do
trabalho, a saber, a de ter analisado uma amostra composta apenas por
irmãos de uma série de pacientes cuja seleção não seguiu critérios
probabilísticos46-48. Por exemplo, Lintas & Persico, em
estudo de revisão sistemática, apontaram como risco de recorrência em
irmãos uma taxa de 5-6%12. Uma taxa mais próxima aos nossos achados foi encontrada por Sumi et al., com 10% de recorrência em irmãos24.
Vale ressaltar
que os achados do presente trabalho devem ser considerados com cautela
ao serem generalizados à população. O estudo pretende apenas alertar,
preferencialmente psiquiatras, neurologistas e pediatras, sobre a
necessidade de avaliar familiares, especialmente irmãos, quando
diagnosticarem algum caso afetado por TEA.
No Brasil, é de
extrema necessidade o desenvolvimento de programas direcionados para a
detecção precoce de TEA. O trabalho agrega informações que poderão
servir de alerta às equipes de saúde, principalmente pediatras. São eles
os profissionais que identificam, em crianças, indicadores de diversos
tipos de alterações comportamentais, entre as quais estão os TEA. Com
uma atuação clínica focada em familiares e probandos, será possível
implementar estratégias mais amplas de manejo e orientação familiar
quando necessário.
Conclusões
Os presentes
dados permitem recomendar às equipes de saúde que avaliam crianças com
suspeita de TEA que também realizem, sempre que possível, o rastreamento
do transtorno em irmãos dos probandos. Os achados focaram sinais
clínicos do distúrbio; entretanto, recomenda-se ampliar e diversificar,
em diversas amostras brasileiras, a existência de manifestações do
espectro do autismo em irmãos de afetados. Nos casos positivos, intensa
investigação genética deve ser iniciada com o intuito de afastar casos
sindrômicos do distúrbio.
A aplicação de
protocolos amplos de maneira sistemática no estudo de casos de
indivíduos com TEA deve prever a investigação genealógica e a aplicação
de questionários de rastreamento de sinais e sintomas em consanguíneos
dos probandos, principalmente irmãos. Tal estratégia permitirá
conhecimento detalhado das manifestações desse transtorno nas famílias,
propiciando melhor assistência às mesmas.
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Correspondência:
Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rua da Consolação, 896, prédio 38, térreo, Consolação, CEP 01302-907, São Paulo, SP.E-mail: cris@teixeira.org
Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rua da Consolação, 896, prédio 38, térreo, Consolação, CEP 01302-907, São Paulo, SP.E-mail: cris@teixeira.org
Suporte financeiro: Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Bolsa de
Pesquisa para Alunos da Graduação da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (BPA-PUCRS).
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
Artigo original:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082011000200009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
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