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Autor: Arnaldo José Godoy
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Autor: Arnaldo José Godoy
Neste artigo, apresentaremos os princípios de anatomia e fisiologia do sistema nervoso e indicaremos os achados do exame neurológico esperados para diferentes momentos do desenvolvimento, em crianças de 0 a 12 anos de idade. De maneira alguma, pretendemos esgotar o assunto, e recomendamos que as referências bibliográficas sejam consultadas com freqüência, seja para aprofundamento teórico, seja durante a prática clínica, particularmente quando se detectarem distúrbios do desenvolvimento neuropsicomotor.
1. Introdução à anatomia e á fisiologia do sistema nervoso
O sistema nervoso, atuando em conjunto com o sistema musculoesquelético, é responsável pela constante interação entre cada um de nós e o meio ambiente. Há, em nosso organismo, receptores1 sensíveis aos diferentes estímulos do meio externo e do meio interno. Neurônios sensitivos2 conduzem as informações geradas no nível desses receptores até o sistema nervoso central, onde ocorre um processo de integração dessas informações. Circuitos neuronais responsáveis pela memória retêm esses dados, em muitos casos. Do sistema nervoso central podem partir impulsos nervosos pelos neurônios motores, que promoverão a contração muscular.
Dessa forma, toda vez que procuramos avaliar a integridade do sistema nervoso, devemos buscar dados na história e no exame físico que nos permitam verificar eventual comprometimento da sensibilidade, da motricidade ou das funções que refletem integração das informações derivadas de estímulos do meio ambiente.
O sistema nervoso central3 encontra-se protegido dentro da cavidade craniana (encéfalo) e do canal vertebral (medula espinhal). Pela medula espinhal ascendem fibras nervosas que levarão a níveis superiores as informações obtidas, por exemplo, na superfície do corpo (principalmente, tronco e membros) ou em órgãos internos. São vias sensitivas. Fibras nervosas descendentes vão influenciar neurônios motores que serão os responsáveis pela contração dos músculos esqueléticos. Vários reflexos ocorrem no nível medular.
O encéfalo é constituído por tronco encefálico, cerebelo e cérebro. Estruturas do tronco encefálico respondem pelos controles cardiovascular, respiratório e da musculatura ocular, além de participar das vias auditivas e de inúmeros reflexos. O cerebelo tem importância para a coordenação motora e o equilíbrio. O hipotálamo, localizado na porção central do cérebro, é responsável pelo controle autonômico e pelo controle endócrino. O córtex cerebral2, estrutura nobre do sistema nervoso central, está envolvido com a percepção sensorial, com funções cognitivas, de aprendizagem, de memória e com o planejamento motor voluntário, dentre outras funções.
2. Mielinização
O recém-nascido (RN) não tem o seu sistema nervoso completamente desenvolvido. As fibras nervosas não podem ainda exercer plenamente sua função, que é a de transmissão do impulso nervoso. Para que isso ocorra, deverão ser envolvidas pela bainha de mielina, o que permitirá uma condução do impulso a uma alta velocidade, importante para o seu adequado desempenho funcional. O processo de mielinização é, portanto, decisivo para que o desenvolvimento neuropsicomotor ocorra normalmente. Ele ocorre de modo sincronizado4, em uma seqüência ordenada, em fibras de sistemas funcionalmente relacionados. No sistema nervoso central, a mielina aparece nos sistemas que levam impulsos sensoriais ao córtex cerebral. Posteriormente, nos sistemas que correlacionam os dados sensoriais ao movimento. No tronco encefálico, a mielinização tem início, antes do nascimento, em sistemas envolvidos com impulsos de origem vestibular e acústica. Os sistemas de associação5 entre diferentes regiões do córtex cerebral têm um desenvolvimento comparativamente lento. As vias visuais e auditivas, por exemplo, têm iniciado o processo de mielinização de suas fibras no quinto mês de vida intra-uterina e, segundo alguns autores, concluído entre os 15 e 20 anos de idade6.
Passaremos a considerar dois sistemas descendentes7, de grande importância para as manifestações motoras, principalmente aquelas dos prematuros a partir do sétimo mês e dos nascidos a termo durante os primeiros três meses de vida. Um é o sistema subcorticoespinhal, com fibras de origem subcortical que têm sua mielinização completada entre o sexto e o oitavo mês intra-uterino. O processo de maturação dessas fibras é o responsável por uma onda ascendente de aumento do tônus flexor dos membros e reações posturais, extensoras do tronco. O outro é o sistema corticoespinhal: fibras com origem no córtex cerebral, cuja mielinização tem o seu início no oitavo mês do período fetal. Continua-se, então, muito lentamente, podendo estar praticamente concluído esse processo por volta dos 12 anos de idade. A partir do tronco encefálico (ponte) progride tanto superiormente, em direção ao córtex cerebral, quanto inferiormente, para a medula espinhal. A lenta maturação dessa via explica o desenvolvimento relativamente tardio, apenas na adolescência, de certas habilidades manuais.
O desenvolvimento das funções neuromotoras no período do oitavo mês intra-uterino até o segundo mês pós-natal explica os sinais clinicamente detectáveis da mudança do controle motor dos centros subcorticais para os centros corticais. Quando há uma lesão cerebral perinatal, freqüentemente ela se localiza nos hemisférios cerebrais, envolvendo o córtex cerebral e os tratos corticoespinhais. Essas lesões podem ser expressas como déficits do neurônio motor superior ou como desarmonia entre os dois sistemas motores ou como uma verdadeira supremacia do sistema subcortical.
De grande importância para que o processo de mielinização ocorra de maneira adequada é a interação do bebê com o meio8. Estímulos ambientais que “solicitem” o funcionamento de determinadas vias irão acelerar a mielinização. Assim, crianças prematuras, quando completam a idade correspondente ao final da gestação apresentam-se mais desenvolvidas, por exemplo, do ponto de vista de coordenação motora, do que as crianças a termo6.
A maior parte das fibras nervosas tem a sua mielinização completada antes do segundo ano de vida. Durante os primeiros 15 meses, observamos uma fantástica evolução no desenvolvimento psicomotor9. O recém-nascido encontra-se em uma fase em que o córtex cerebral está longe da plenitude do seu funcionamento (fase subcortical ou cortical inicial). No entanto, é capaz de aprendizado e de formar reflexos condicionados que constituem a base da evolução psicomotora. Colocado em decúbito dorsal, o RN assim permanece passivamente. O sistema corticoespinhal gradualmente assume o controle7. Assim, no decorrer do primeiro ano de vida, vai conseguir sustentar completamente sua cabeça, irá sentar-se, a princípio com e depois sem apoio, e engatinhará. Antes de completar o 15o mês, estará andando e, provavelmente, começando a comunicar-se por meio da fala.
3. Desenvolvimento neuropsicomotor
Ao acompanharmos o processo de evolução da criança, devemos ter em mente que há manifestações presentes apenas durante algum tempo6: são normais somente durante aquele período, desaparecendo e, eventualmente, retornando em condições patológicas (o reflexo cutaneoplantar em extensão, por exemplo; como sinal patológico: sinal de Babinski). Há outras atividades, automáticas ao nascimento (sucção, marcha automática e outras), que serão inibidas, desaparecerão e ressurgirão como atividades mais complexas, voluntárias ou automatizadas em níveis superiores. Reaparecerão aperfeiçoadas, enriquecidas por elementos afetivos e intelectuais. Finalmente, há as manifestações ditas permanentes, com as quais a criança nasce e que não se modificam com a evolução.
Neste ponto, é importante salientarmos que, ao avaliarmos as habilidades já conquistadas pela criança, devemos nos preocupar com a seqüência de aparecimento dessas habilidades. Assim, no caso de incapacidade para realizar uma determinada atividade, é possível que ela nunca tenha atingido tal etapa, mas também é possível que ela tenha regredido a uma etapa anterior do desenvolvimento.
4. O exame físico
Alguns detalhes importantes devem ser considerados para a realização de um exame físico adequado. Salas frias devem ser evitadas. Convém despir a criança aos poucos. Optar por um horário em que ela tenha se alimentado. Acredita-se que o melhor horário para o exame seja após a criança ter acordado espontaneamente depois de um sono pós-prandial, que geralmente durou 2 horas7. A observação inicial deve ser paciente e demorada (verificar atividade espontânea). Iniciar o exame por provas que não deflagram o choro. Recomenda-se saber consolar a criança.
O examinador não deve repetir numerosas vezes a mesma manobra, a fim de obter resultado seguro8. Sucessivas pesquisas de um mesmo reflexo mostram resultados variáveis. A repetição da pesquisa pode ocasionar uma espécie de adaptação ao estímulo. No caso de divergência entre os resultados, deve-se considerar a melhor resposta como a correta.
No caso do recém-nascido, podemos encontrar alterações ao exame, nas primeiras 24 horas de vida6, principalmente do tônus muscular. A causa pode ser algum sofrimento no período periparto. Pode haver uma depressão das atividades do bebê. No máximo no quarto dia de vida, os achados habitualmente se normalizam.
A definição do nível de consciência, expressando o grau de alerta da criança durante o exame físico, é de fundamental importância7. Pode-se utilizar a seguinte escala:
• estágio 1: olhos fechados, respiração regular, sem movimentos;
• estágio 2: olhos fechados, respiração irregular, sem movimentos grosseiros;
• estágio 3: olhos abertos, sem movimentos grosseiros;
• estágio 4: olhos abertos, movimentos grosseiros, não está chorando;
• estágio 5: olhos abertos ou fechados, chorando.
O ideal é realizar o exame com a criança a maior parte do tempo no estágio 3. Predomínio dos estágios 4 e 5 pode refletir hiperexcitabilidade patológica. O caso de predomínio do estágio 2 sugere letargia, ao passo que a persistência do estágio 1 sugere o estado de coma.
Com o aumento da sobrevida de crianças de baixo peso ao nascimento, o exame neurológico do RN assumiu também uma importância no sentido de se prever o desenvolvimento neuropsicomotor em longo prazo. Historicamente, a realização de exames seriados permitiu confirmar a importância de interações precoces entre a criança e seus pais ou profissionais de saúde.
Outra vantagem de exames repetidos é que podem auxiliar na diferenciação entre distúrbios cerebrais de origem fetal daqueles com início no período perinatal. No primeiro caso, os sinais anormais permanecem tipicamente estáveis durante as primeiras semanas de vida. Já na segunda situação, os sinais, geralmente, modificam-se rapidamente à medida que a lesão progride ou regride.
Passaremos a descrever as principais características do exame físico em diferentes momentos do desenvolvimento neuropsicomotor6-8,10. Ao atribuirmos a ocorrência de um dado sinal ou resposta a uma manobra à criança de uma determinada idade, não pretendemos estabelecer uma correlação rígida entre eles. Assim, por exemplo, se uma criança de 6 meses de vida ainda não apresenta uma resposta motora descrita como presente nessa idade, convém aguardar um pouco antes de atestar a condição como patológica, principalmente se o restante do exame for normal. As tabelas 7.1 e 7.2 apresentam os principais marcos do desenvolvimento neuromotor e as idades limites para se iniciar a investigação de atraso do desenvolvimento neuromotor.
Tabela 1: Principais Marcos do Desenvolvimento Neuromotor
Idade
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Evento
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RN
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Reflexos subcorticais
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1 mês | Fixa o olhar, segue com os olhos |
2 meses
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Sorriso social, reconhece os pais
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3 meses | Sustenta a cabeça, tenta alcançar objetos |
4 meses
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Segura objetos
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5 meses
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Gira sobre o abdome
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6 meses
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Senta com apoio
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7 meses
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Preensão palmar
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8 meses | Pinça digital |
9 meses
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Fica sentado sem apoio
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10 meses
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Engatinha
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11 meses | Fica de pé e anda com apoio |
12 a 14 meses
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Anda sem apoio
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RN: recém-nascido.
Tabela 2: Idades Limites para se Iniciar a Investigação de Atraso do Desenvolvimento Neuromotor
Idade
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Evento
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8 semanas
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Sorri em resposta
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3 meses
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Bom contato ocular
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5 meses
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Alcança objetos
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10 meses
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Senta sem apoio
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18 meses
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Anda sem apoio
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18 meses | Diz palavras isoladas com significado |
30 meses
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Fala frases
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5. O recém-nascido
O recém-nascido apresenta atitude de flexão generalizada. Há uma hipertonia flexora dos quatro membros e hipotonia da musculatura cervical paravertebral. Em decúbito lateral, nota-se discreta flexão axial. Os quirodáctilos estão freqüentemente fletidos. No entanto, observa-se, ocasionalmente, abertura das mãos. Movimenta os membros inferiores (extensão e flexão) em pedalagem ou cruzando-os. Para pesquisar déficits motores, cruzamos os braços da criança adiante do pescoço, segurando suas mãos; em seguida, ao soltá-los, observamos com que amplitude e de que modo os membros voltam à posição normal (manobra do cachecol). Com a criança em decúbito dorsal na beira da cama, fazemos com que os membros inferiores fiquem suspensos, sob ação da gravidade (manobra da beira da cama).
Para pesquisa dos reflexos miotáticos, utilizamos martelo pequeno, com ponta de borracha. Os reflexos patelares, adutores da coxa, bicipitais e tricipitais são de fácil obtenção. Observa-se a resposta em extensão ao ser estimulada a planta do pé (reflexo cutaneoplantar). Outros reflexos do RN são: apreensão reflexa dos dedos e artelhos, o reflexo da voracidade (ao leve toque dos cantos da boca, o RN desloca a face e a boca para o lado à procura do estímulo), o reflexo de sucção (toque dos lábios desencadeia movimentos de sucção dos lábios e da língua), o tonicocervical assimétrico ou Magnus-De Kleijn. Este último pesquisa-se com o RN em decúbito dorsal: com uma das mãos na região anterior do tórax da criança e a outra virando-se a cabeça da criança para os lados, havendo extensão dos membros voltados para o lado facial e flexão dos membros voltados para o lado occipital (atitude do esgrimista). Um outro reflexo bastante encontrado é o de Moro: quando batemos palmas ou promovemos um estiramento brusco do lençol por debaixo da criança deitada, haverá uma resposta em extensão-abdução dos membros, seguida de flexão-abdução. O reflexo de apoio plantar e marcha reflexa é pesquisado segurando-se a criança pelas axilas: ao contato da planta dos pés com a superfície da mesa de exame, ela estende as pernas, até então semifletidas. Se inclinarmos a criança para a frente, inicia-se a marcha reflexa.
Para a pesquisa do reflexo de olhos de boneca, rodamos a cabeça do RN lateralmente, com a criança reclinada nos braços do examinador. Procuramos observar a posição dos olhos, que devem lentamente se voltar para o lado da rotação da cabeça. Importante para a detecção de déficit auditivo é o reflexo cocleopalpebral: batemos palmas em cerca de 30 cm de cada ouvido da criança e verificamos o piscamento.
Medidas da cabeça são muito importantes: o perímetro craniano (distância glabela-protuberância occipital externa-glabela), a distância biauricular (entre as inserções superiores das orelhas) e a distância ântero-posterior (glabela-protuberância occipital externa, seguindo a sutura sagital). O perímetro craniano varia de 31 a 37 cm. Ao utilizarmos curvas de perímetro craniano para averiguação da normalidade, é preciso levarmos em consideração o percentil do peso da criança ao nascimento e atentarmos para a tendência familiar para cabeças pequenas ou grandes.
O choro do RN é inarticulado. Chamam a atenção tanto o choro fraco persistente quanto aquele excessivamente forte. Convém observarmos a simetria da contração dos músculos faciais durante o choro. Assimetria poderá ocorrer em casos de paralisia facial. O RN faz diferenças entre a luz e a escuridão. Ao incidirmos um foco luminoso, fechará as pálpebras. Em alguns casos, poderá haver reação de fuga ao estímulo luminoso.
Com relação ao padrão de sono-vigília, a princípio, há períodos de sono durando cerca de 50 minutos e de alerta por 10 minutos. Progressivamente, os períodos de sono atingirão duração aproximada de 2 horas e a vigília, de 20 a 30 minutos.
5.1 Do Primeiro ao 12o Mês de Vida (Fig.1)
A criança ao final do primeiro mês de vida, colocada em decúbito dorsal, apresenta uma posição assimétrica, lateralizando a cabeça. As mãos estão geralmente fechadas. A face é inexpressiva e o olhar, vago. Em decúbito ventral, gira a cabeça para o lado, levanta momentaneamente a cabeça e movimenta as pernas, arrastando-as. Se puxada para sentar-se, exibe queda da cabeça para trás. Sentada, apresenta queda da cabeça para frente. Quando a suspendemos, segurando-a pela região ventral do tronco, seu corpo assume a forma de um arco. Ao lhe apresentarmos um chocalho, fecha a mão ao contato, cerrando-a e logo em seguida o derruba. Diminui a atividade quando escuta uma campainha. Emite pequenos sons guturais.
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Fig. 1 — Criança de 9 meses de vida mantendo-se na posição ortostática (por poucos segundos), mesmo sem apoio neste caso.
Com 2 meses, em decúbito dorsal, deixa a cabeça na linha mediana (atitude simétrica). Ao ter seu corpo suspenso pela região ventral, mantém a cabeça na linha do corpo. Segue uma pessoa que se move. Olha para o examinador. Sua face é mais expressiva e poderá sorrir. Dá resposta facial ao som de uma campainha. Acalma-se com a voz materna. Emite sons vogais: a, e, u. Inicia a lalação.
O bebê ao final do terceiro mês, em decúbito dorsal, apresenta as mãos abertas ou fechadas, sem cerrá-las. A atitude é simétrica em praticamente todas as crianças. O reflexo de Magnus-De Kleijn não é mais observado. Em decúbito ventral, apóia-se nos cotovelos, mantém as pernas curvas. Olha preferencialmente para o examinador. Colocado de pé, sustenta parte do peso; levanta o pé. Segura o chocalho com firmeza e olha para ele. Murmura, ri e responde vocalmente a estímulos sociais. Brinca com a roupa.
No quarto mês, a criança em decúbito dorsal junta as mãos, colocando-as na boca. A prova dos olhos de boneca passa a ter resposta negativa. Em decúbito ventral, as pernas estão estendidas ou semiflexionadas, vira para o lado. Sentada, com apoio, mantém a cabeça firme, dirigida para frente. Ao lhe apresentarmos um chocalho, agita os braços e, ao pegá-lo, leva-o à boca. A criança brinca com os próprios movimentos, fica repetindo as ações que considera interessantes e produzem o mesmo efeito. Não há finalidade nesses gestos, mas é capaz de agarrar o que vê e levar à boca. A organização visuomotora parece iniciar-se nessa época. A mímica facial é bastante expressiva, ri alto, vocaliza, sorri, reconhece a mamadeira. Deixa de apresentar os reflexos de voracidade e sucção.
No final do quinto mês, tenta sentar-se, sem deixar a cabeça cair. Acompanha um estímulo luminoso em várias direções. Procura o brinquedo escondido. Emite sons (gritos). Sorri ao ver-se no espelho.
Com 6 meses, em decúbito dorsal, vira para a posição ventral. Levanta os pés em extensão. Brinca com eles. Assim, adquirido o conhecimento dos pés e incorporada sua imagem ao esquema corporal, começa a realizar movimentos ativos de defesa e tentativas de liberação, ou luta quando os pés são aprisionados ou estimulados. Com a mão em pronação, agarra o lenço colocado sobre o rosto. Sentada, mantém o tronco ereto. É capaz de permanecer assim, apoiada, por cerca de 30 minutos. Pega um objeto e o apanha quando cai. Ao ouvir um ruído, procura o som, vira a cabeça. Balbucia espontaneamente, resmunga. Começa a estranhar.
No sétimo mês, em decúbito dorsal, levanta a cabeça. Põe o pé na boca. Desaparece a hipertonia em flexão dos quatro membros. Na verdade, o tônus flexor gradualmente vinha se reduzindo, a partir dos membros superiores. O normal passa a ser, então, a hipotonia fisiológica. O reflexo de Moro não é mais obtido. Permanece sentada sem apoio. Em pé, sustenta grande parte do corpo. Sacode o chocalho com firmeza, troca de mão. Come bem alimentos sólidos.
No final do oitavo mês, o bebê em decúbito ventral gira em círculo. Fica em pé momentaneamente, dando a mão. Morde os brinquedos. Procura atingir aqueles fora do seu alcance. Podemos dizer que há o início da atividade propriamente inteligente, pois ele pega objetos para sacudi-los, batê-los ou virá-los. A criança percebe, ao manusear o objeto na mão, que cada um tem características próprias, produzindo um resultado diferente. Os movimentos das duas mãos se coordenam, conseguindo segurar um objeto em cada mão. A área pré-motora (frontal) já tem condições de garantir a coordenação das duas mãos. A organização óptico-espacial se processa de modo mais claro nessa época, pois ela percebe a profundidade e a direção do brinquedo. Essas percepções requerem a mielinização das áreas parietoccipitais e temporoparietais. Emite sílabas isoladas como dá, bá e cá. A sucção reflexa e a preensão reflexa dos dedos desaparecem.
Com 9 meses, sentada, mantém-se firme por mais de 10 minutos. Engatinha. Em pé, apoiada, fica firme (Fig. 7.1). Bate um cubo no outro. Imita sons. Responde ao seu nome. Entende o “não”. Dá resposta diferenciada de acordo com o tom emocional da voz materna. Segura a mamadeira e come biscoito sem ajuda. É capaz de realizar a preensão com o indicador e o polegar (pinça nítida).
Com 10 meses, senta-se firme, por tempo ilimitado. Engatinha. Compreende e faz o gesto de até logo. Bate palmas. No final do 11o mês, a criança, apoiada, levanta-se. Dá o brinquedo para o examinador, mas não o larga. Bebe na xícara. Tenta pegar a bola refletida no espelho. Pronuncia palavras-frases, que englobam em um único vocábulo uma frase ou um desejo. Com 1 ano de idade, anda apoiada, segura pelas duas mãos ou segurando na grade do berço, por exemplo. Brinca com objetos da mesa do examinador.
5.2 Do 13o ao 24o Mês de Vida
Com 13 meses anda com auxílio de uma só mão. Diz duas palavras, além de mamã e papá. Dá um brinquedo pedido por gesto. Coopera no vestir-se.
No 14o mês, mantém-se em pé por um instante, sem ajuda. Rabisca por imitação. Começa a falar um dialeto. Compreende o nome de alguns objetos. Dá a bola; faz o gesto de atirá-la. Com 15 meses, dá alguns passos. Diferentemente da marcha automática, a marcha definitiva tem sempre motivações afetivas e volitivas: o desejo de aproximar-se da mãe, de um brinquedo, ou a gratificação que significa receber aplausos e sorrisos. Faz torre de dois cubos. Ajuda a virar as páginas de um livro. Pronuncia quatro ou cinco palavras, usa jargão. Acaricia as imagens de um livro. Deixa a mamadeira. Não agarra o prato da mesa. Pode ter controle retal e controle vesical parcial.
Com 1 ano e meio de vida, é capaz de andar e cai raramente. Senta-se só, na cadeirinha. Tenta chutar uma bola grande. Sobe escada segura por uma mão. Faz torre de três a quatro cubos. Rabisca papel espontaneamente. Olha seletivamente as imagens de um livro. Fala cerca de dez palavras, incluindo nomes. Pode ter controle diurno dos esfíncteres. A criança de 1 ano e 9 meses desce escada dando a mão. Chuta bola grande por imitação. Faz torre de cinco ou seis cubos. Imita dobrar papel uma vez. Fala cerca de 20 palavras, combinando espontaneamente duas ou três. Segura bem uma xícara. Pede para comer e para urinar. Solicita uma pessoa para mostrar ou pedir algo. Ouve uma palavra e a repete na mesma situação que ouviu alguém falar.
Com 2 anos, já corre bem, sem cair. Sobe e desce escada, sozinha. Folheia um livro, página por página. Coloca dois ou três cubos em fila para imitar um trem. Imita um traço vertical. Inicia frases de três palavras. Identifica e nomeia quatro ou mais cartões de imagens. Mantém firme a colher. Pode ter controle noturno dos esfíncteres. Veste-se sem ajuda (roupas simples). Fala de si, chamando-se pelo próprio nome. Brinca com bonecos, repetindo fatos da vida diária. Compara visualmente e encaixa formas simples.
5.3 Do 2o ao 7o Ano de Vida
A criança de 2 anos e meio salta com ambos os pés. Repete dois algarismos (em um ensaio de três). Diz seu nome e sobrenome. Define objetos pelo uso. Ajuda a arrumar brinquedos. Imita atividades. Carrega objetos leves. Tende a repetir palavras e gestos.
Com 3 anos, anda de bicicleta de três rodas, movendo o pedal (Fig. 7.2). É capaz de realizar a manobra índex-nariz somente com os olhos abertos. Dá nome ao que desenha. Copia um círculo e uma cruz. Repete três algarismos. Descreve as ações de pessoas e animais em livros. Usa o plural. Diz o sexo. Responde a uma pergunta. Alimenta-se sem ajuda, derrubando pouco. Vira bem um bule de água no copo. Calça os sapatos. Desabotoa botões acessíveis. Durante um jogo, entende que cada um terá a sua vez. Conhece algumas músicas. Supera as etapas de palavra-frase, frase agramatical e dislalias por troca. Pode apresentar dislalias por supressão. Pode reproduzir canções, mas não é capaz de imitar ritmos com pés e mãos.
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Fig. 2 — Criança de 3 anos de idade, andando em bicicleta com rodas de apoio à roda traseira. É capaz de mover os pedais.
Com 3 anos e meio, traça o losango. Nomeia todas as imagens de um livro, por exemplo. Responde a duas perguntas. Lava e enxuga o rosto e as mãos. Dá o objeto mais pesado. Começa a brincar em forma de participação. Fala com os brinquedos e também sozinha, como que explicando o que está fazendo, repetindo as suas ações. Há dispersão durante a tarefa e qualquer outro estímulo distrai a criança.
A criança com 4 anos anda nas pontas dos pés, sobe e desce escada sem apoio, alternando os pés. Copia uma cruz de um modelo desenhado em um cartão. Descreve um quadro, estabelecendo relações e conexões entre os diversos objetos desenhados. Quando alguns modelos são dados para copiar, comete distorções e simplificações. Enrola o fio em um carretel. Supera todas as etapas do desenvolvimento da fala, inclusive a de dislalia por supressão.
Com 5 anos, anda para frente colocando o calcanhar de um pé encostado na ponta do outro. Salta corda de 30 cm de altura. Salta, girando sobre si mesma, sem desviar-se do lugar. Desloca-se 5 m pulando com os dois pés juntos. Imita gestos alternados e simultâneos, abrindo uma mão enquanto fecha a outra. Realiza atos alternados de mão e pé. Copia um quadrado de modelo desenhado em cartão. Ao copiar modelos, comete erros de proporção das figuras e/ou invenções. Joga uma bola de tênis, por cima, em um alvo, na distância de 2 m. Denomina todas as cores.
A criança de 6 anos de idade é capaz de pular sobre um pé só, com o pé não-dominante, deslocando-se 5 m. Descreve um círculo com os dedos indicadores, estando os braços estendidos horizontalmente para os lados. Bate o indicador direito na mesa e o pé direito no chão, ao mesmo tempo, e alternadamente com os esquerdos. Reconhece os dedos e tem noção de direita e esquerda. Escolhe um ritmo determinado para continuar a seqüência de movimentos. Copia modelos sem cometer os erros mencionados anteriormente por crianças de 4 ou 5 anos.
Com 7 anos, bate palmas duas vezes estando com os pés fora do contato do solo. Senta-se sem apoio, estando deitada, e deita-se sem apoio, estando sentada. É capaz de imitar gestos opostos: o examinador faz um gesto e pede para a criança fazer o oposto do que ele faz. Consegue desenhar figuras ou fazer movimentos obedecendo ordens verbais (maturação de áreas frontais). Reproduz pelo menos quatro, de seis ritmos ouvidos.
5.4 Dos 7 aos 12 Anos de Idade
Aos 7 e 8 anos, coloca árvores (palitos de fósforo) na posição vertical e não perpendicular a uma colina (de massa). No caso de desenhar a projeção da sombra, somente aos 8 ou 9 anos a criança é capaz de perceber e desenhar a perspectiva corretamente.
Repete todos os sons, vogais ou consoantes (maturidade de áreas temporais, região sensoriomotora e pré-motora relacionadas com a fala). Pode repetir palavras simples e sentenças (maturidade temporal do hemisfério dominante). A escrita e a leitura começam a ser ensinadas nessa época, quando as áreas de associação occipitoparietotemporais atingiram a sua mielinização.
Observam-se diferentes conservações, de acordo com a faixa etária: 7 anos – conservação de comprimento e de superfícies. Sete a 8 anos – conservação de substância. Oito a 9 anos – conservação de peso, do volume espacial (volume interior), dos verticais e horizontais. Onze a 12 anos – conservação do volume espacial.
Piaget11-13 estudou a criança desde o nascimento e suas investigações genéticas descrevem os estágios que caracterizam o desenvolvimento da inteligência. Sumariamente:
• período sensoriomotor (de 0 a 2 anos): a inteligência se inicia com operações elementares, que irão se transformar progressivamente em operações lógicas à medida que a criança vai reagindo ao ambiente. A criança começa a perceber o mundo através de impressões sensoriais, e a passagem da inteligência sensoriomotora para a representativa se opera pela imitação, que ao se interiorizar dá margem ao surgimento da linguagem.
• período de operações concretas (dos 2 aos 11 anos): passa pelo período pré-conceptual (2 até 4) e intuitivo (4 a 7). Neste, por exemplo, a criança já chega à generalização, embora seu pensamento ainda precise se referir ao prático. Anteriormente, ela só sabia se referir ao particular. O verdadeiro domínio é ainda o da ação e o da manipulação. Até os 7 anos, a criança ainda é pré-lógica e usa a intuição como mecanismo para substituir a lógica. Para a criança dos 7 aos 11 anos, os objetos não perdem sua identidade fundamental mesmo quando se efetuam diversas operações sobre eles. Têm características permanentes (Fig. 7.3);
(Clique na imagem para ampliá-la)
Fig. 3 — Criança de 10 anos de idade mostrando compreensão de um mapa e sendo capaz de desenhá-lo.
• período de operações formais (11 a 12 anos): A criança sistematiza as operações concretas resolvendo tarefas mais complexas. Surge o pensamento capaz de crítica, percebendo o possível e o real.
Foram apresentadas apenas algumas características motoras, sensoriais ou comportamentais, em diferentes idades. Para um estudo mais detalhado, recomendamos particularmente a leitura da obra monumental: Neurologia Infantil e da Avaliação neurológica infantil nas ações primárias de saúde, de uma aplicabilidade admirável, ambas de autores nacionais renomados.
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DADOS DA EDIÇÃOISBN - 9788573799712
475 págs- 21 x 28 cm | Este artigo foi extraído do livro "Puericultura – Princípios e Práticas " Puericultura – Princípios e Práticas – Atenção Integral à Saúde da Criança e do Adolescente está em sua 2ª edição integralmente revista e ampliada. Segundo os autores, a obra foi idealizada diante da constatação de que a Puericultura tem sido desvalorizada e até mesmo esquecida, frente à tendência de superespecialização e sofisticação tecnológica da Medicina atual, ditada pelo mercado de trabalho e por interesses econômicos e políticos, colocando em risco a figura do Pediatra (necessariamente Puericultor), substituindo-o por técnicos especializados em partes do organismo infantil, perdendo-se o norte do Pediatra, que é considerar a criança e o adolescente como seres humanos em desenvolvimento, integralmente vistos em sua globalidade biopsicossocial”. O livro é fundamentalmente preventivo e de objetivos educativos. Sua abordagem médico-psicológico-social cobre todas as etapas do desenvolvimento infantil. Compõe-se de 38 capítulos escritos por três editores e 54 Colaboradores |
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