fonte: http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/efeitos-negativos-meios.html#8
Um estudo de Funk et al. (2004) examinou 150 alunos de 4ª e 5ª séries, que preencheram medidas de exposição à violência na vida real e na mídia, bem como empatia para com as pessoas e atitudes frente à violência. O resultado foi que somente a exposição à violência em video games foi associada com uma baixa empatia, isto é, sentir algo quando uma outra pessoa sofre ou está alegre (compaixão e com-alegria; no alemão há um verbo para ambos, mitfühlen, sentir com). Tanto essa violência como a de cinemas foram associadas com atitudes agressivas mais fortes. Segundo Spitzer (2005, p. 238), Cohen e Strayer (1996) mostraram que as pessoas que não desenvolvem empatia para com as outras têm mais chances de fracassarem socialmente. Myrtek e Scharff (2000), citados por Spitzer (p. 125), fizeram uma pesquisa medindo a pulsação, constatando que o aumento da freqüência cardíaca com as emoções era muito menor em pessoas que assistiam muita televisão. Com isso, concluíram que o consumo de TV produz uma diminuição nas reações emocionais, isto é, há um efeito de dessensibilização. Ele cita também (p. 237) pesquisa de Molitor e Hirsh (1994), em que se mostrou a jovens ou um vídeo com violência ou um sem violência, e que depois presenciaram uma briga entre duas crianças. Os que viram antes o filme violento, mostraram mais tolerância frente à violência real. É óbvio que assistir ou provocar violência em jogos faz com que ela vire normalidade (Spitzer 2005, p. 241) – em outras palavras, passa-se a encarar o mundo como sendo violento por natureza. Anderson et al. trazem um item sobre dessensibilização e habituação, com várias outras referências (2003, p. 96).
Neste item, não posso deixar de citar os extraordinários depoimentos, ideias e movimento (Killology Research Group) de Dave Grossman (ver www.kilology.com), um psicólogo militar e tenente-coronel do exército americano, que trabalhou intensamente com o problema de dessensibilização de soldados, a fim de que estes perdessem a inibição de matar. Quando se iniciaram os massacres nas escolas americanas, ele desligou-se do exército e passou a fazer um intenso trabalho de divulgação contra os video games violentos, que identificou com os mais modernos meios de dessensibilização de soldados. Seu livro deveria ser lido por qualquer pessoa que tenha um mínimo de preocupação quando aos efeitos da violência na TV e nos jogos eletrônicos; ele traz uma grande quantidade de referências de pesquisas apoiando seus argumentos (Grossman 2000, 2002). Vou permitir-me citar extensamente alguns de seus trechos, pois trata-se de pessoa com experiência direta e com profundas reflexões, e gostaria que os leitores pudessem ler diretamente suas palavras. Ele cita (2002, p. 6) que na guerra civil americana, na batalha de Gettysburg em 1863, foram encontrados ao lado de combatentes mortos e moribundos 27.000 armas, das quais 90% ainda estavam carregadas, isto é, "os soldados tinham armado as armas, tinham-nas transportado e posicionado – mas eles não atiraram. Cientistas descobriram, por meio de perguntas, que na 2ª guerra mundial 15 a 20% de todos os soldados na batalha tinham tido oportunidade de atirar sobre inimigos claramente expostos. A maioria não atirou – ou atirou conscientemente errando o alvo. ... Uma razão de tiros na porcentagem de 15% é algo como uma capacidade de 15% de leitura entre bibliotecárias. Já na guerra da Coreia nos anos 50 a razão de tiro havia se elevado para 55% devido a medidas objetivas, e na guerra do Vietnã nos anos 60 para 90%." Ele acrescenta (p. 7): "O método com o qual os militares treinam os soldados a matar é bem instrutivo, pois se assemelha impressionantemente àquilo que nossa cultura faz com nossas crianças. Os métodos de treinamento dos militares são: embrutecimento, condicionamento e atuação de modelos [Vorbildwirkung] gerais e dirigidos. ... Embrutecimento e dessensibilização, embotamento, ocorrem entre nós nos EUA nos assim chamados 'boot-camps', uma formação básica conscientemente dura ao extremo, feita no começo da vida de soldado. Do primeiro momento em diante os jovens soldados são maltratados corporal e verbalmente: incontáveis ajoelhações, horas infindáveis de vigília ou de marcha com carga, constantes berros dos oficiais instrutores, que não têm nenhum outro sentido além de aniquilar [os recrutas] como seres humanos. O cabelo é cortado, as pessoas são encurraladas nuas, postas em uniformes todos iguais, perde-se a individualidade. [Aqui ele coloca uma nota de rodapé: 'A propósito, esses são métodos de tortura que foram e são aplicados nos prisioneiros de campos de concentração.'] Esse embrutecimento tem como meta consciente destruir ligações e normas existentes e aceitar uma nova visão de mundo, que torna a destruição, a violência e a morte algo do dia-a-dia. No fim, a pessoa está totalmente embotada e a violência surge como uma capacidade normal de sobrevivência, em um mundo novo e brutal, no qual se deve viver. Algo semelhante passa-se com nossas crianças por meio da violência nos meios [eletrônicos] – só que essa dessensibilização não se passa aos 18 anos, mas começa, frequentemente, na idade de 18 meses, quando uma criança começa pela primeira vez a poder diferenciar coisas nas telas. Quando as crianças vêm na TV alguém ser morto, espancado ou maltratado, essa ocorrência não é distinguida da realidade. Elas veem um herói nos primeiros 90 minutos de um filme, constroem um relacionamento para com ele – e aí esse herói é morto na frente de seus olhos. Para elas, isso não é muito diferente de poderem brincar durante 90 minutos com outra criança, e depois ver como esta última é morta à sua frente. Somente com 6 ou 7 anos crianças conseguem distinguir adequadamente fantasia de realidade [ver meu item 12] – além disso, elas são colocadas pela violência vista em uma situação de total abandono." Mais adiante (p. 9): "Quando seres humanos sentem medo ou estão com raiva, acabam agindo segundo aquilo para o qual foram condicionados. Em um stand de tiro, soldados aprendem, por exemplo, a atirar sob reflexo em silhuetas dobráveis de inimigos que surgem repentinamente, de maneira mecânica. Solicita-se que não se pense nem se sinta, mas reaja-se de maneira reflexa. Impulso/reflexo, impulso/reflexo, centenas ou milhares de vezes se é treinado, o que em situações sérias garante uma alta quota de acertos. Se já esses fatos pouco agradáveis nos perturbam, tanto mais deveríamos ficar perturbados se as crianças em seus video games interativos aprendem um comportamento absolutamente similar: atirar de maneira reflexa em alvos que aparecem repentinamente. Tanto faz se se trata de soldados, tanques, aviões, ou espaçonaves, que devem ser 'despachados' (ou aniquilados) – sempre trata-se precisamente dos mesmos atos reflexos e capacidades motoras, como os mencionados acima. Trabalhei como perito em processos de homicídios, nos quais jovens assassinos estavam ameaçados da pena de morte. Também aqui tratava-se quase sempre dessa situação: um jovem aprende, durante centenas de horas em frente à tela de seu video game, sempre repetidamente, a apontar e atirar de maneira reflexa. No fim, esse jovem assalta uma tabacaria. Ele aponta para o dono da loja, e atira – se bem que, no processo judicial, ele convincentemente afirma que nunca tinha tido aquela intenção. Um reflexo condicionado. [Ele deve estar se referindo nesse caso ao que conta em detalhes, inclusive com o nome do jovem, na p. 90.] Soldados e policiais aprendem muito conscientemente que, frequentemente, é correto justamente não atirar. Mas nunca alguém joga um video game ou coloca dinheiro em um jogo de um fliperama, no qual ele não tem a intenção de atirar. Não, o video game, por meio de sua forma excitante e realística, impõe justamente que se atire. E quando na vida real ocorre uma situação de excitação semelhante e adrenalina é despejada, reage-se precisamente da mesma maneira. Video games, que têm violência como conteúdo, treinam nossas crianças para a violência. Crianças aprendem a matar – e aprendem a gostar de matar. Podemos honestamente reclamar ou espantar-nos, de haver cada vez mais violência entre jovens e crianças?" Em seguida ele cita (p. 10) o caso de sua cidade natal, Jonesboro, ocorrido em 1998, em que apenas um dos dois meninos (de 11 e 13 anos) que perpretraram um atentado tinha experiência com armas de fogo. No entanto, dos 27 tiros feitos a 90 m de distância 15 acertaram em alguém (quatro meninas e sua professora foram mortas). "Um surpreendente desempenho de tiro para crianças – mas nada anormal para especialistas. A explicação para o alto índice de acerto: video games."
A propósito das citações acima sobre o serviço militar, gostaria de colocar aqui uma observação minha. Aos 18 anos, ele justamente atinge o jovem quando este está descobrindo que tem liberdade, e aprendendo a usá-la: os pais não podem mais impor condutas, às vezes os jovens ganham ou dispõem de seu dinheirinho, têm liberdade para viajar, dirigir automóvel etc. Justamente nessa época da descoberta e desenvolvimento da liberdade consciente – o que deveria envolver o desenvolvimento de uma consciência do limite social das próprias ações –, eles são obrigados a fazer um serviço militar que tem como principal função desinibi-los a matar e fazê-los obedecer ordens cegamente. Pode haver algo mais cretino do que marchar em ordem unida? Obviamente, durante um combate, ninguém vai sair fazendo isso! A intenção clara é acabar com a liberdade de julgamento e de ação, massacrar a individualidade, massificando-a. Isso acaba marcando o jovem para o resto de sua vida. Não é um fato que, em geral, militares pensam e agem de uma maneira muito curiosa? O correto seria fazer o serviço militar aos 28 anos – mas aí, qual adulto aguentaria submeter-se a ações tão cretinas e abafar sua individualidade?
Quanto às ações reflexas como resultado de condicionamentos da TV e dos jogos, gostaria de chamar a atenção para o fato de eu estar mencionando isso há décadas – mais precisamente, no caso da TV, desde 1981. Aliás, Grossman (2002, p. 61) chama a atenção para o fato de a TV e o cinema abrirem o caminho da violência para "o efeito condicionador" dos video games.
Grossman cita (p. 85) que os militares descobriram que treinos de tiro ao alvo do tipo círculos concêntricos não eram suficientes para induzir soldados a atirarem em pessoas; começaram então a usar alvos com forma humana, o que aumentou a quota de acertos em batalhas reais. Em seguida ele diz (p. 86): "Nesse meio tempo, a melhoria da tecnologia permite que soldados treinem com simuladores em computadores – a aprender como e para onde eles devem atirar, como eles devem mover-se em situações mortais de luta em campo e, principalmente, eles aprendem a matar. A situação total de matar em um ambiente de guerra pode ser simulada em um computador." Mais adiante (p. 87): "Os simuladores necessários foram introduzidos há muito, e sua eficácia foi comprovada por inúmeras pesquisas científicas. Há meio século começou o desenvolvimento com simuladores de voos e de tanques. A introdução de simuladores é sem dúvida alguma responsável pelo aumento do sucesso de matar dos soldados, de 15 a 20% na segunda guerra mundial, para 95% na guerra do Vietnam. Na guerra das Falklands, esse era o índice (10 a 15%) do lado dos soldados argentinos, que treinaram com alvos de discos. Ao contrário, os soldados britânicos, treinados com métodos modernos conseguiram 90% de acertos. Sabemos hoje que, em situações análogas, 75 a 80% de todos os tiros mortais no campo de batalha moderno são devidos a uma consequência direta da introdução de simuladores." Agora vem o trecho que era minha meta (p. 87), atenção: "No entretempo, esses simuladores entraram em nossos lares e fliperamas na forma de video games cheios de violência. Quem não acredita nisso, deveria saber que o MACS (Multiporpuse Arcade Combat Simulator), um dos mais efetivos e mais usados simuladores, que foi desenvolvido nos últimos anos pelo exército americano, não é nada mais nada menos que um jogo Super-Nintendo modificado. (De fato, ele se assemelha muito ao jogo de sucesso Duck Hunt, não tomando em consideração que o usuário atira com um fuzil M16 de plástico em alvos tipicamente militares.) ... O simulador FATS (Fire Arms Training Simulator), que é empregado pela maioria das autoridades policiais nos EUA, é mais ou menos idêntico ao jogo extremamente violento Time Crisis. Ambos fazem como que o usuário (ou jogador) acerte um alvo, ambos ajudam com isso a fazer contas do ato de matar e em ambos há armas com pancada de recuo. ... Não somos os únicos a apontar para o fato de que video games cheios de violência e simuladores militares usam a mesma tecnologia. A seguinte formulação em um anúncio do dispositivo WingMan Force diz o mesmo com a maior clareza possível: '(Wingman Force) baseia-se exatamente na mesma tecnologia empregada em simuladores de voo, para medicina e militares. Por meio do uso de motores de alta precisão com cabos de aço você pode realmente sentir o mundo detalhado de seus melhores jogos ...' Além disso, o anúncio diz: 'Os psiquiatras dizem que é importante sentir algo quando se mata.'" Grossman ainda relata, em outro trecho (p. 91), que existe uma versão do jogo Doom para os fuzileiros navais dos EUA, com o nome de Marine Doom, que é usado para familiarizar os recrutas com o ato de matar, até que isso se torne uma coisa "natural" e não, principalmente, para treinar a coordenação motora desse ato. Ele usa esse argumento contra o empregado pela indústria dos jogos de que, usados só com um mouse ou teclado, "eles de modo algum podem treinar para verdadeiras habilidades de luta." Fora isso, o que impede as crianças e adolescentes de comprarem os dispositivos que simulam as armas? Os pais, permissivos em geral, não estão impondo os necessários limites aos filhos, ou estão vivendo numa perigosa santa ignorância dos terríveis efeitos dos jogos.
Vamos ver se consigo sensibilizar um pouco mais o leitor para essa situação calamitosa causada por programas de filmes e jogos eletrônicos violentos. John Naisbitt, em seu livro High Tech, High Touch, um libelo surpreendente contra os males da tecnologia, depois de ter publicado o livro Megatrends, claramente entusiasta por ela, descreve o caso da cidade de Paducah, em Kentucky (2000, p. 80; ver também Grossman 2002, pp. 18 e 89): um garoto de 14 anos entrou em uma classe de uma escola dominical, em que os alunos estavam rezando, armado com um revólver roubado de um vizinho. Ele deu 8 tiros, apenas um tiro em cada criança diferente (como nos video games – tentar acertar o máximo de alvos possível), acertando todos (5 na cabeça, 3 na parte superior do tórax; foram 7 mortes e uma vítima ficou com paralisia; muitos jogos dão pontos de prêmio quando se acerta na cabeça da vítima). No meio da confusão de gritos e correria, o rapaz firmou seus pés no chão e não se moveu enquanto atirava, nunca atirando muito para os lados (segundo Grossman, p. 89, era como se as vítimas fossem aparecendo na "tela" do atirador). Segundo o FBI, normalmente, um policial treinado acerta 1 em cada 5 tiros; além disso, mesmo pessoas treinadas atiram várias vezes até verem a vítima cair (p. 18). O mais impressionante é que o jovem de Paducah jamais havia pego em uma arma real antes do roubo! Seu comportamento deveu-se simplesmente ao fato de ele ter jogado muitos jogos eletrônicos violentos com tiros, como Doom e Quake; além disso, havia assistido ao filme Basketball Diaries, em que o jovem representado por Leonardo DiCaprio entra em sua classe e calmamente mata colegas. Naisbitt cita que esse caso levou os pais a uma solução tipicamente americana: processaram os fabricantes dos jogos e o produtor do filme (p. 108; ver também Setzer 2005, p. 71).
Lembro-me de ter lido um fato interessante passado com o jovem estudante Robert Steinhäuser da cidade alemã de Erlangen, que entrou na sua escola em um estado de raiva (por ter tirado notas ruins e com isso não poder futuramente estudar o que queria – um terrível sistema!) e começou a atirar indiscriminadamente contra colegas e professores. No meio da ação, depois que o jovem tirou a máscara que vestia, um de seus professores encarou-o em seus olhos e lhe disse algo como "Robert, atire em mim." Nesse momento o rapaz baixou a arma e disse: "Não, Sr. Heise, é suficiente por hoje." O professor entao empurrou-o para dentro de uma sala e a trancou; em seguida, o estudante suicidou-se. Vê-se nesse caso como o atirador não estava bem consciente do que estava fazendo – seguia o condicionamento produzido nele pelos jogos eletrônicos. Quando o professor chamou-o pelo nome, ele voltou à consciência e percebeu o mal que estava fazendo.
Nesta altura, vários leitores estarão querendo perguntar-me: mas se a dessensibilização produzida pela TV e pelos jogos eletrônicos é tão efetiva, havendo tanta indução de ações violentas reflexas, por que há relativamente tão poucos casos como Jonesboro, Littleton, Paducah, Erlangen etc.? Penso que a resposta está na educação em geral e na resistência natural ao mal: felizmente, os jovens são educados de alguma maneira a respeitarem as outras pessoas, e nascem com uma tendência natural a não praticarem o mal. A esse respeito, Grossman escreveu em um artigo citado um item intitulado "Matar não é natural" (2000, p. 6). Esses fatores talvez sobreponham-se aos impulsos assassinos aos quais são condicionados pelos meios eletrônicos. Além disso, a disponibilidade de armas é relativamente limitada, por exemplo aqui e na Europa. No entanto, não se pense que com isso a influência daqueles meios torna-se inócua: existem vários graus de violência antes do assassínio, como agressão verbal ou corporal (ver itens 4 e 6). Não menos importante é o condicionamento para a intolerância e para a solução de conflitos sociais por meios agressivos, como veremos a seguir.
Um estudo de Funk et al. (2004) examinou 150 alunos de 4ª e 5ª séries, que preencheram medidas de exposição à violência na vida real e na mídia, bem como empatia para com as pessoas e atitudes frente à violência. O resultado foi que somente a exposição à violência em video games foi associada com uma baixa empatia, isto é, sentir algo quando uma outra pessoa sofre ou está alegre (compaixão e com-alegria; no alemão há um verbo para ambos, mitfühlen, sentir com). Tanto essa violência como a de cinemas foram associadas com atitudes agressivas mais fortes. Segundo Spitzer (2005, p. 238), Cohen e Strayer (1996) mostraram que as pessoas que não desenvolvem empatia para com as outras têm mais chances de fracassarem socialmente. Myrtek e Scharff (2000), citados por Spitzer (p. 125), fizeram uma pesquisa medindo a pulsação, constatando que o aumento da freqüência cardíaca com as emoções era muito menor em pessoas que assistiam muita televisão. Com isso, concluíram que o consumo de TV produz uma diminuição nas reações emocionais, isto é, há um efeito de dessensibilização. Ele cita também (p. 237) pesquisa de Molitor e Hirsh (1994), em que se mostrou a jovens ou um vídeo com violência ou um sem violência, e que depois presenciaram uma briga entre duas crianças. Os que viram antes o filme violento, mostraram mais tolerância frente à violência real. É óbvio que assistir ou provocar violência em jogos faz com que ela vire normalidade (Spitzer 2005, p. 241) – em outras palavras, passa-se a encarar o mundo como sendo violento por natureza. Anderson et al. trazem um item sobre dessensibilização e habituação, com várias outras referências (2003, p. 96).
Neste item, não posso deixar de citar os extraordinários depoimentos, ideias e movimento (Killology Research Group) de Dave Grossman (ver www.kilology.com), um psicólogo militar e tenente-coronel do exército americano, que trabalhou intensamente com o problema de dessensibilização de soldados, a fim de que estes perdessem a inibição de matar. Quando se iniciaram os massacres nas escolas americanas, ele desligou-se do exército e passou a fazer um intenso trabalho de divulgação contra os video games violentos, que identificou com os mais modernos meios de dessensibilização de soldados. Seu livro deveria ser lido por qualquer pessoa que tenha um mínimo de preocupação quando aos efeitos da violência na TV e nos jogos eletrônicos; ele traz uma grande quantidade de referências de pesquisas apoiando seus argumentos (Grossman 2000, 2002). Vou permitir-me citar extensamente alguns de seus trechos, pois trata-se de pessoa com experiência direta e com profundas reflexões, e gostaria que os leitores pudessem ler diretamente suas palavras. Ele cita (2002, p. 6) que na guerra civil americana, na batalha de Gettysburg em 1863, foram encontrados ao lado de combatentes mortos e moribundos 27.000 armas, das quais 90% ainda estavam carregadas, isto é, "os soldados tinham armado as armas, tinham-nas transportado e posicionado – mas eles não atiraram. Cientistas descobriram, por meio de perguntas, que na 2ª guerra mundial 15 a 20% de todos os soldados na batalha tinham tido oportunidade de atirar sobre inimigos claramente expostos. A maioria não atirou – ou atirou conscientemente errando o alvo. ... Uma razão de tiros na porcentagem de 15% é algo como uma capacidade de 15% de leitura entre bibliotecárias. Já na guerra da Coreia nos anos 50 a razão de tiro havia se elevado para 55% devido a medidas objetivas, e na guerra do Vietnã nos anos 60 para 90%." Ele acrescenta (p. 7): "O método com o qual os militares treinam os soldados a matar é bem instrutivo, pois se assemelha impressionantemente àquilo que nossa cultura faz com nossas crianças. Os métodos de treinamento dos militares são: embrutecimento, condicionamento e atuação de modelos [Vorbildwirkung] gerais e dirigidos. ... Embrutecimento e dessensibilização, embotamento, ocorrem entre nós nos EUA nos assim chamados 'boot-camps', uma formação básica conscientemente dura ao extremo, feita no começo da vida de soldado. Do primeiro momento em diante os jovens soldados são maltratados corporal e verbalmente: incontáveis ajoelhações, horas infindáveis de vigília ou de marcha com carga, constantes berros dos oficiais instrutores, que não têm nenhum outro sentido além de aniquilar [os recrutas] como seres humanos. O cabelo é cortado, as pessoas são encurraladas nuas, postas em uniformes todos iguais, perde-se a individualidade. [Aqui ele coloca uma nota de rodapé: 'A propósito, esses são métodos de tortura que foram e são aplicados nos prisioneiros de campos de concentração.'] Esse embrutecimento tem como meta consciente destruir ligações e normas existentes e aceitar uma nova visão de mundo, que torna a destruição, a violência e a morte algo do dia-a-dia. No fim, a pessoa está totalmente embotada e a violência surge como uma capacidade normal de sobrevivência, em um mundo novo e brutal, no qual se deve viver. Algo semelhante passa-se com nossas crianças por meio da violência nos meios [eletrônicos] – só que essa dessensibilização não se passa aos 18 anos, mas começa, frequentemente, na idade de 18 meses, quando uma criança começa pela primeira vez a poder diferenciar coisas nas telas. Quando as crianças vêm na TV alguém ser morto, espancado ou maltratado, essa ocorrência não é distinguida da realidade. Elas veem um herói nos primeiros 90 minutos de um filme, constroem um relacionamento para com ele – e aí esse herói é morto na frente de seus olhos. Para elas, isso não é muito diferente de poderem brincar durante 90 minutos com outra criança, e depois ver como esta última é morta à sua frente. Somente com 6 ou 7 anos crianças conseguem distinguir adequadamente fantasia de realidade [ver meu item 12] – além disso, elas são colocadas pela violência vista em uma situação de total abandono." Mais adiante (p. 9): "Quando seres humanos sentem medo ou estão com raiva, acabam agindo segundo aquilo para o qual foram condicionados. Em um stand de tiro, soldados aprendem, por exemplo, a atirar sob reflexo em silhuetas dobráveis de inimigos que surgem repentinamente, de maneira mecânica. Solicita-se que não se pense nem se sinta, mas reaja-se de maneira reflexa. Impulso/reflexo, impulso/reflexo, centenas ou milhares de vezes se é treinado, o que em situações sérias garante uma alta quota de acertos. Se já esses fatos pouco agradáveis nos perturbam, tanto mais deveríamos ficar perturbados se as crianças em seus video games interativos aprendem um comportamento absolutamente similar: atirar de maneira reflexa em alvos que aparecem repentinamente. Tanto faz se se trata de soldados, tanques, aviões, ou espaçonaves, que devem ser 'despachados' (ou aniquilados) – sempre trata-se precisamente dos mesmos atos reflexos e capacidades motoras, como os mencionados acima. Trabalhei como perito em processos de homicídios, nos quais jovens assassinos estavam ameaçados da pena de morte. Também aqui tratava-se quase sempre dessa situação: um jovem aprende, durante centenas de horas em frente à tela de seu video game, sempre repetidamente, a apontar e atirar de maneira reflexa. No fim, esse jovem assalta uma tabacaria. Ele aponta para o dono da loja, e atira – se bem que, no processo judicial, ele convincentemente afirma que nunca tinha tido aquela intenção. Um reflexo condicionado. [Ele deve estar se referindo nesse caso ao que conta em detalhes, inclusive com o nome do jovem, na p. 90.] Soldados e policiais aprendem muito conscientemente que, frequentemente, é correto justamente não atirar. Mas nunca alguém joga um video game ou coloca dinheiro em um jogo de um fliperama, no qual ele não tem a intenção de atirar. Não, o video game, por meio de sua forma excitante e realística, impõe justamente que se atire. E quando na vida real ocorre uma situação de excitação semelhante e adrenalina é despejada, reage-se precisamente da mesma maneira. Video games, que têm violência como conteúdo, treinam nossas crianças para a violência. Crianças aprendem a matar – e aprendem a gostar de matar. Podemos honestamente reclamar ou espantar-nos, de haver cada vez mais violência entre jovens e crianças?" Em seguida ele cita (p. 10) o caso de sua cidade natal, Jonesboro, ocorrido em 1998, em que apenas um dos dois meninos (de 11 e 13 anos) que perpretraram um atentado tinha experiência com armas de fogo. No entanto, dos 27 tiros feitos a 90 m de distância 15 acertaram em alguém (quatro meninas e sua professora foram mortas). "Um surpreendente desempenho de tiro para crianças – mas nada anormal para especialistas. A explicação para o alto índice de acerto: video games."
A propósito das citações acima sobre o serviço militar, gostaria de colocar aqui uma observação minha. Aos 18 anos, ele justamente atinge o jovem quando este está descobrindo que tem liberdade, e aprendendo a usá-la: os pais não podem mais impor condutas, às vezes os jovens ganham ou dispõem de seu dinheirinho, têm liberdade para viajar, dirigir automóvel etc. Justamente nessa época da descoberta e desenvolvimento da liberdade consciente – o que deveria envolver o desenvolvimento de uma consciência do limite social das próprias ações –, eles são obrigados a fazer um serviço militar que tem como principal função desinibi-los a matar e fazê-los obedecer ordens cegamente. Pode haver algo mais cretino do que marchar em ordem unida? Obviamente, durante um combate, ninguém vai sair fazendo isso! A intenção clara é acabar com a liberdade de julgamento e de ação, massacrar a individualidade, massificando-a. Isso acaba marcando o jovem para o resto de sua vida. Não é um fato que, em geral, militares pensam e agem de uma maneira muito curiosa? O correto seria fazer o serviço militar aos 28 anos – mas aí, qual adulto aguentaria submeter-se a ações tão cretinas e abafar sua individualidade?
Quanto às ações reflexas como resultado de condicionamentos da TV e dos jogos, gostaria de chamar a atenção para o fato de eu estar mencionando isso há décadas – mais precisamente, no caso da TV, desde 1981. Aliás, Grossman (2002, p. 61) chama a atenção para o fato de a TV e o cinema abrirem o caminho da violência para "o efeito condicionador" dos video games.
Grossman cita (p. 85) que os militares descobriram que treinos de tiro ao alvo do tipo círculos concêntricos não eram suficientes para induzir soldados a atirarem em pessoas; começaram então a usar alvos com forma humana, o que aumentou a quota de acertos em batalhas reais. Em seguida ele diz (p. 86): "Nesse meio tempo, a melhoria da tecnologia permite que soldados treinem com simuladores em computadores – a aprender como e para onde eles devem atirar, como eles devem mover-se em situações mortais de luta em campo e, principalmente, eles aprendem a matar. A situação total de matar em um ambiente de guerra pode ser simulada em um computador." Mais adiante (p. 87): "Os simuladores necessários foram introduzidos há muito, e sua eficácia foi comprovada por inúmeras pesquisas científicas. Há meio século começou o desenvolvimento com simuladores de voos e de tanques. A introdução de simuladores é sem dúvida alguma responsável pelo aumento do sucesso de matar dos soldados, de 15 a 20% na segunda guerra mundial, para 95% na guerra do Vietnam. Na guerra das Falklands, esse era o índice (10 a 15%) do lado dos soldados argentinos, que treinaram com alvos de discos. Ao contrário, os soldados britânicos, treinados com métodos modernos conseguiram 90% de acertos. Sabemos hoje que, em situações análogas, 75 a 80% de todos os tiros mortais no campo de batalha moderno são devidos a uma consequência direta da introdução de simuladores." Agora vem o trecho que era minha meta (p. 87), atenção: "No entretempo, esses simuladores entraram em nossos lares e fliperamas na forma de video games cheios de violência. Quem não acredita nisso, deveria saber que o MACS (Multiporpuse Arcade Combat Simulator), um dos mais efetivos e mais usados simuladores, que foi desenvolvido nos últimos anos pelo exército americano, não é nada mais nada menos que um jogo Super-Nintendo modificado. (De fato, ele se assemelha muito ao jogo de sucesso Duck Hunt, não tomando em consideração que o usuário atira com um fuzil M16 de plástico em alvos tipicamente militares.) ... O simulador FATS (Fire Arms Training Simulator), que é empregado pela maioria das autoridades policiais nos EUA, é mais ou menos idêntico ao jogo extremamente violento Time Crisis. Ambos fazem como que o usuário (ou jogador) acerte um alvo, ambos ajudam com isso a fazer contas do ato de matar e em ambos há armas com pancada de recuo. ... Não somos os únicos a apontar para o fato de que video games cheios de violência e simuladores militares usam a mesma tecnologia. A seguinte formulação em um anúncio do dispositivo WingMan Force diz o mesmo com a maior clareza possível: '(Wingman Force) baseia-se exatamente na mesma tecnologia empregada em simuladores de voo, para medicina e militares. Por meio do uso de motores de alta precisão com cabos de aço você pode realmente sentir o mundo detalhado de seus melhores jogos ...' Além disso, o anúncio diz: 'Os psiquiatras dizem que é importante sentir algo quando se mata.'" Grossman ainda relata, em outro trecho (p. 91), que existe uma versão do jogo Doom para os fuzileiros navais dos EUA, com o nome de Marine Doom, que é usado para familiarizar os recrutas com o ato de matar, até que isso se torne uma coisa "natural" e não, principalmente, para treinar a coordenação motora desse ato. Ele usa esse argumento contra o empregado pela indústria dos jogos de que, usados só com um mouse ou teclado, "eles de modo algum podem treinar para verdadeiras habilidades de luta." Fora isso, o que impede as crianças e adolescentes de comprarem os dispositivos que simulam as armas? Os pais, permissivos em geral, não estão impondo os necessários limites aos filhos, ou estão vivendo numa perigosa santa ignorância dos terríveis efeitos dos jogos.
Vamos ver se consigo sensibilizar um pouco mais o leitor para essa situação calamitosa causada por programas de filmes e jogos eletrônicos violentos. John Naisbitt, em seu livro High Tech, High Touch, um libelo surpreendente contra os males da tecnologia, depois de ter publicado o livro Megatrends, claramente entusiasta por ela, descreve o caso da cidade de Paducah, em Kentucky (2000, p. 80; ver também Grossman 2002, pp. 18 e 89): um garoto de 14 anos entrou em uma classe de uma escola dominical, em que os alunos estavam rezando, armado com um revólver roubado de um vizinho. Ele deu 8 tiros, apenas um tiro em cada criança diferente (como nos video games – tentar acertar o máximo de alvos possível), acertando todos (5 na cabeça, 3 na parte superior do tórax; foram 7 mortes e uma vítima ficou com paralisia; muitos jogos dão pontos de prêmio quando se acerta na cabeça da vítima). No meio da confusão de gritos e correria, o rapaz firmou seus pés no chão e não se moveu enquanto atirava, nunca atirando muito para os lados (segundo Grossman, p. 89, era como se as vítimas fossem aparecendo na "tela" do atirador). Segundo o FBI, normalmente, um policial treinado acerta 1 em cada 5 tiros; além disso, mesmo pessoas treinadas atiram várias vezes até verem a vítima cair (p. 18). O mais impressionante é que o jovem de Paducah jamais havia pego em uma arma real antes do roubo! Seu comportamento deveu-se simplesmente ao fato de ele ter jogado muitos jogos eletrônicos violentos com tiros, como Doom e Quake; além disso, havia assistido ao filme Basketball Diaries, em que o jovem representado por Leonardo DiCaprio entra em sua classe e calmamente mata colegas. Naisbitt cita que esse caso levou os pais a uma solução tipicamente americana: processaram os fabricantes dos jogos e o produtor do filme (p. 108; ver também Setzer 2005, p. 71).
Lembro-me de ter lido um fato interessante passado com o jovem estudante Robert Steinhäuser da cidade alemã de Erlangen, que entrou na sua escola em um estado de raiva (por ter tirado notas ruins e com isso não poder futuramente estudar o que queria – um terrível sistema!) e começou a atirar indiscriminadamente contra colegas e professores. No meio da ação, depois que o jovem tirou a máscara que vestia, um de seus professores encarou-o em seus olhos e lhe disse algo como "Robert, atire em mim." Nesse momento o rapaz baixou a arma e disse: "Não, Sr. Heise, é suficiente por hoje." O professor entao empurrou-o para dentro de uma sala e a trancou; em seguida, o estudante suicidou-se. Vê-se nesse caso como o atirador não estava bem consciente do que estava fazendo – seguia o condicionamento produzido nele pelos jogos eletrônicos. Quando o professor chamou-o pelo nome, ele voltou à consciência e percebeu o mal que estava fazendo.
Nesta altura, vários leitores estarão querendo perguntar-me: mas se a dessensibilização produzida pela TV e pelos jogos eletrônicos é tão efetiva, havendo tanta indução de ações violentas reflexas, por que há relativamente tão poucos casos como Jonesboro, Littleton, Paducah, Erlangen etc.? Penso que a resposta está na educação em geral e na resistência natural ao mal: felizmente, os jovens são educados de alguma maneira a respeitarem as outras pessoas, e nascem com uma tendência natural a não praticarem o mal. A esse respeito, Grossman escreveu em um artigo citado um item intitulado "Matar não é natural" (2000, p. 6). Esses fatores talvez sobreponham-se aos impulsos assassinos aos quais são condicionados pelos meios eletrônicos. Além disso, a disponibilidade de armas é relativamente limitada, por exemplo aqui e na Europa. No entanto, não se pense que com isso a influência daqueles meios torna-se inócua: existem vários graus de violência antes do assassínio, como agressão verbal ou corporal (ver itens 4 e 6). Não menos importante é o condicionamento para a intolerância e para a solução de conflitos sociais por meios agressivos, como veremos a seguir.
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