fonte: http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/efeitos-negativos-meios.html#3
Christakis et al. (2004) fizeram um estudo com 1.278 crianças de 1 ano de idade e 1.345 de 3 anos e verificaram que 10% delas tinham problemas de atenção aos 7 anos. O número de horas que as crianças assistiam TV nas primeiras idades (média de 2,2 e 3,6 horas, respectivamente) foi correlacionada positivamente com problemas de atenção aos 7 anos. "Um aumento de um desvio padrão no número de horas de TV assistida ao 1 ano de idade foi associado com um aumento de 28% na probabilidade de haver problemas de atenção aos 7 anos. Esse resultado é robusto e estável ao longo do tempo – um efeito de grandeza similar foi obtido para o número de horas de TV assistidas aos 3 anos." Eles dizem: "O fato de crianças verem televisão muito cedo está associado a problemas de atenção aos 7 anos. Esforços para limitar o tempo de ver TV na primeira infância (early childhood) podem ser justificados (warranted) e é necessário fazer pesquisa adicional." Os autores ainda afirmam que os pais e pessoas que tomam conta de crianças podem reduzir as chances de uma criança desenvolver Déficit de Atenção e Distúrbio de Hiperatividade (Attention Deficit and Hyperactivity Disorder, ADHD) se limitarem o tempo de ver televisão em crianças pequenas.
É impressionante como muitas pessoas que percebem, sentem ou sabem que a TV é prejudicial às crianças não têm coragem de simplesmente dizer para se cortar a TV de vez, e restringem-se a recomendar a limitação do tempo que as crianças devem vê-las. Um exemplo é o interessante artigo de Ledingham, Ledingham e Richardson (1993) que contém boa bibliografia e 12 recomendações aos pais em relação ao hábito de ver TV de seus filhos, principalmente levando em conta os prejuízos causados pelos programas violentos. Nenhuma das recomendações é de cortar a TV das crianças, não ter TV em casa ou usá-la apenas em ocasiões especiais. Vale a pena mencionar que eles citam um estudo de Williams e Hanford (1986), feito no Canadá, examinando o que ocorria com famílias vivendo em uma pequena cidade antes de a TV ser lá introduzida e depois. "As pessoas passaram a empregar menos tempo falando, tendo contatos sociais fora de casa, fazendo tarefas caseiras, engajando-se em atividades de lazer como leitura, tricô, escrever, e envolvendo-se em atividades comunitárias e esportes, depois que a televisão ficou disponível. Elas até dormiram menos."
Nesse sentido, o exemplo mais patente é o relatório da Academia Americana de Pediatria recomendando que crianças até 2 anos não vejam TV e para as de mais de 2 anos "Limitar o tempo total de mídia (com mídia de entretenimento) a não mais de 1 a 2 horas de programas de qualidade por dia" (AAP 2001, p. 424)! Eu gostaria de saber quantos adultos ficam ao lado de seus filhos escolhendo "programas de qualidade". Além disso, um programa calmo, de real qualidade, sem os efeitos de show, seria extremamente monótono, devido ao efeito de sonolência produzido pela TV, como mencionado no item 1 acima. Por outro lado, a limitação do tempo de ver TV é um grande problema familiar. Muito mais fácil é não ter TV, pois se corta o mal pela raiz, não havendo assim proibições e controles em casa; uma outra solução é mantê-la trancada em um armário e só retirá-la quando se decide, conscientemente, assistir algum programa especial (Setzer 2005, p. 57) – aliás, será uma grande chance para perceber o poder que exerce esse aparelho, verificando-se como será difícil desligá-lo depois do programa que provocou a sua retirada do armário. Infelizmente, essa sugestão tornou-se inviável com aparelhos de tela grande; nesse caso, recomendo a instalação de uma chave (com tambor) no cabo de energia elétrica, de modo que este fique sem corrente elétrica se a chave estiver desligada. De qualquer modo, a TV não deveria fazer parte da vida familiar, o que ocorrerá inevitavelmente se estiver na sala de visita, sempre à disposição. Mas o pior de tudo é ela estar no dormitório das crianças, pois nesse caso não haverá controle absolutamente nenhum por parte dos pais ou responsáveis – o relatório da Academia Americana de Pediatria recomenda explicitamente "Remover aparelhos de televisão dos dormitórios das crianças." (AAP 2001, p. 424). Parece-me que haver TV em um dormitório de crianças ou adolescentes é uma indicação de que não há controle algum por parte do pais, o que é certamente um caso muitíssimo frequente. Isso mostra uma total falta de conhecimento por parte deles, ou uma abdicação, provavelmente por comodismo, de sua obrigação de educar seus filhos. Infelizmente, no último caso esse comodismo vai redundar mais tarde em enormes dores de cabeça e de preocupações, com todos os problemas que advirão e que estou apontando neste trabalho.
Voltanto à questão dos problemas de atenção, Swing et al. (2010) publicaram a primeira pesquisa longitudinal (isto é, acompanhando os sujeitos durante algum tempo) examinando o uso de video games e problemas posteriores de atenção. Eles usaram duas amostras, uma com crianças no meio do ensino médio americano, 430 na 3ª série, 446 na 4ª e 423 na 5ª (idade média 9,6 anos), recolhendo relatórios das crianças, de seus pais e professores durante um período de 13 meses, em 4 pontos, sendo 3 em que todas as medidas foram feitas, com um seguimento de 86%, 70% e 88% de casos, respectivamente. A outra amostra continha 210 jovens no fim da adolescência ou jovens adultos, estudantes de graduação numa grande universidade no meio oeste americano (idade média de 19,8 anos) que estavam cursando disciplinas de introdução à psicologia, e que obtiveram créditos nas mesmas pela sua participação; nesse caso, os formulários do levantamento foram preenchidos pelos próprios participantes. Nas duas amostras, foram levantados os mesmos dados de uso de TV e de jogos eletrônicos. A pesquisa comparou os sujeitos que usavam menos com os que usavam mais do que 2 horas diárias totais desses dois meios, conforme a recomendação da Academia Americana de Pediatria (AAP 2001, 2009). Segundo o artigo, "Os que excederam a recomendação da AAP para a quantidade de exposição diária à TV e a video games tinham maior chance de estar acima da média em problemas de atenção." (p. 217.) Os autores usaram 4 modelos diferentes de análises para as crianças e 2 modelos para os jovens. "O modelo 1 mostrou que o uso combinado dos dois meios foi associado com maiores problemas posteriores de atenção, mesmo depois de se controlar sexo, série escolar, e problemas de atenção no tempo 1 [inicial, isto é, crianças que já eram classificadas como tendo esses problemas no começo da pesquisa]. Os modelos 2 e 3 mostraram que os dois meios foram associados separadamente com problemas maiores de atenção no tempo 4 [último levantamento]. ... [O modelo 4] mostrou que uma exposição aos video games previa com maior segurança os problemas de atenção." (p. 218.) Os outros modelos, aplicados nos jovens, mostraram que "o uso dos 2 meios previam maiores problemas de atenção quando combinados (modelo 5) ou em separado (modelo 6)." (idem.) Idade e sexo não foram associados com problemas de atenção. "A amostra das crianças revelou um novo resultado. O uso de meios com tela foi associado a problemas posteriores de atenção mesmo quando problemas iniciais de atenção e sexo foram estatisticamente controlados. Isso dá uma evidência maior do que uma análise de dados tomados em um certo tempo único, de que meios com tela podem influenciar problemas de atenção. ... Por exemplo, [a pesquisa] elimina a possibilidade que a associação entre o uso de meios com tela e problemas de atenção ser simplesmente devido às crianças com problemas de atenção serem especialmente atraídas para meios com tela." (p. 219.) Os autores chamam a atenção para o fato de as associações do uso dos meios com problemas de atenção ter sido similar nas crianças e nos jovens, dada a diferença nos métodos de levantamento dos dados. Segundo eles, "Essas associações semelhantes nos grupos de idade levantam uma possibilidade importante sobre a persistência da exposição à TV ou a video games afetarem problemas de atenção. Independente da idade na qual ver TV ou jogar jogos eletrônicos podem aumentar esses problemas, as consequências podem ser muito duradouras ou cumulativas." (idem.) Os autores citam extensa bibliografia sobre o tema da pesquisa, que em geral corrobora resultados anteriores.
A produção de hipertatividade pela TV é fácil de ser compreendida: crianças saudáveis não ficam quietas, estão sempre fazendo algo, pois é assim que aprendem, desenvolvem musculatura, coordenação motora etc. Uma criança saudável só fica parada se ouvir uma história: aí se pode observar que ela fica como que olhando para o infinito, pois está imaginando toda a história interiormente. No caso da TV, a criança fica fisicamente estática e, como já vimos, em estado de sonolência (V. item 1), não tendo nada a imaginar, pois as imagens já vêm prontas. Ao se desligar o aparelho, a criança tem uma explosão de atividade, para compensar o tempo que ficou imóvel e passiva; os pais, incomodados, colocam-na novamente à frente da TV para "acalmá-la"...
Stevens e Muslov (2006) empregaram o Early Childhood Longitudinal Study, com 2 grupos de 2.500 crianças cada, usando um período de 2 anos: na idade de 5 anos e no fim da primeira série aos 7 anos. Não foi achada correlação significativa entre número de horas de ver TV e risco de ter ADHD. Aparentemente esse resultado conflita com o de Christakis et al. mencionado acima. Porém, estes examinaram dados de crianças de 1 e 3 anos, assim, a discrepância pode ser devida ao fato óbvio de que crianças menores sejam mais sujeitas a influências externas. Stevens, em uma entrevista (ver na referência ao artigo), declarou: "Não estamos dizendo que ver TV é bom, mas o que está sendo sugerido é que ADHD tem uma base genética e neurológica, e não tem nada a ver com TV." Conjeturo que a base neurológica seja alterada pela TV nas idades mais tenras, quando o cérebro está se organizando, de modo que a TV provavelmente tem, sim, algo a ver com o problema de atenção e hiperatividade.
Depois de escrito o parágrafo acima apareceu o artigo de Christakis e Zimmerman (2006) justamente corroborando meus argumentos (a menos da base neurológica).
Landhuis, Poulton, Welch e Hancox (2007) fizeram o primeiro estudo longitudinal da influência de ver televisão na infância sobre problemas de atenção na adolescência. Foi usado um grupo de 1.037 participantes (502 do sexo feminino) nascidos entre abril de 1972 e março de 1973 em Dunedin, na Nova Zelândia. Foram usados valores do tempo de ver TV estimados pelos pais nas idades de 5, 7. 9 e 11 anos., e problemas de atenção relatados por professores na adolescência, nas idades de 13 e 15 anos. "Os objetos do estudo viram uma média de 2,05 horas (desvio padrão 0, 83) de televisão durante os dias da semana [weekdays, aparentemente de 2ª a 6ª feiras] entre as idades de 5 a 11 anos. Em idades de 13 a 15 anos, isso aumentou em mais de uma hora por dia, para 3,13 horas (desvio padrão 1,43). Houve uma correlação significante entre ver televisão na infância e na adolescência. Também foram feitas correlações entre problemas de atenção na infância e problemas de atenção na adolescência. Resultados de modelos de regressão linear mostraram que ver televisão na infância prevê problemas de atenção na adolescência, ajustando para sexo ... Essa associação permaneceu constante em controles adicionais de problemas precoces de atenção, habilidades cognitivas na infância e situação socioeconômica na infância, representando um aumento de 0,09 no desvio padrão em problems de atenção para cada 50 minutos de ver televisão. Quando ver televisão na adolescência foi adicionado ao modelo, tanto ver televisão na infância quanto na adolescência foram associados independentemente com problemas de atenção na adolescência."(p. 534.) "Estes resultados dão suporte à hipótese de que ver televisão na infância pode contribuir para o desenvolvimento de problemas de atenção. ... Encontramos que tanto ver televisão na infância quanto na adolescência previram, independentemente, problemas de atenção na adolescência. Isso sugere que os efeitos na infância sobre a atenção podem durar muito tempo, e são altamente independentes da continuidade de ver televisão até a adolescência." (p. 535.) Excepcionalmente, os autores discutem as causas dessa situação, corroborando o que venho escrevendo e falando há dezenas de anos; vale a pena citá-los para mostrar que não estou sozinho. "Pelo menos duas explicações foram propostas para a associação entre ver televisão e problemas de atenção. Uma explicação envolve o desenvolvimento do cérebro na primeira infância. Devido ao fato de haver uma considerável plasticidade do cérebro durante os primeiros anos depois do nascimento, as rápidas mudanças de imagem e de cena comumente encontradas na televisão podem superestimular a criança e afetar adversamente o desenvolvimento do cérebro. Se isso é verdadeiro, podemos esperar que crianças bem pequenas sejam particularmente vulneráveis a esses efeitos, enquanto crianças de mais idade seriam menos afetadas. Uma outra explicação é que a vida, como exibida na televisão, com técnicas de edição produzindo rapidez e para prender a atenção torna, faz, em comparação, a realidade parecer monótona. Portanto, crianças que veem muita televisão podem tornar-se menos tolerantes a tarefas mais lentas e mais mundanas, como fazer trabalhos escolares. ... Nosso resultado de que ver televisão no meio da infância foi associado com problemas de atenção na adolescência tende a dar apoio à última hipótese. Entretanto, as duas explicações não são mutuamente exclusivas, e ambas podem ter um papel na associação entre ver televisão e problemas de atenção. ... [Pode haver outros mecanismos] Por exemplo pode ser que ver televisão desloca outras atividades que promovem e encorajam a atenção, tais como leitura, jogos, esportes e brincadeiras. Além disso, falta de atenção pode ser uma resposta condicionada. Isto é, programas de televisão continuam, independentemente da atenção dispensada pelo telespectador. Portanto, crianças podem aprender que podem distrair sua atenção enquanto veem televisão. Essa reação aprendida pode ser generalizada para outras atividades." (p. 535.) "Problemas de atenção são reconhecidamente um fator importante para prever um rendimento educacional fraco, e também foram envolvidos em fraca sociabilização. Portanto, é prudente observar a recomendação da Sociedade Americana de Pediatria [ver AAP 2001, p. 424] de limitar o tempo de criança ver televisão a no máximo 2 horas por dia." (p. 536.) Recorde-se o que foi dito acima, neste item, sobre a falta de coragem para recomendar que a TV seja banida de crianças e adolescentes.
Quanto aos video games, Rosen e Weil (2001), da Univ. of Southern California, fizeram dois estudos com 914 jovens de 10 a 25 anos, e outro com 682 crianças e adolescentes de 7 a 17 anos. A taxa de uso de meios eletrônicos foi considerada surpreendentemente alta pelos próprios autores: até 12 anos, a média era de 3 horas por dia de jogo, 2 horas entre 12 a 16 e 1 hora para 17 ou mais anos; os jogos favoritos de 42% de meninos até 12 anos eram inapropriados à sua idade (classificados como jogos para 13 ou mais anos), 26% de meninos entre 13 e 16 anos tinham como favoritos jogos para 18 ou mais anos. Mas o que importa aqui é que eles concluíram que o tempo de jogo está relacionado com mau comportamento em classe. Eles confirmam minhas ideias de que na opinião das crianças, os jogos exercem atração (Computer Holding Power, noção introduzida por S. Turkle [1997, p. 30]), ao passo que a escola tinha para eles um poder de alienação, ao que Rosen e Weil deram o nome de disengaging power, "poder de desengajar". Provavelmente, hoje tudo isso piorou.
Na minha conceituação os jogos eletrônicos devem provocar muitíssimo mais distúrbios de atenção e de hiperatividade do que a TV. No caso de problemas de atenção, a razão é clara: na maioria dos jogos utilizados e apreciados, os que têm muita ação e violência, sucedendo-se com rapidez, a reação do jogador deve ser sempre automática, pois o pensamento consciente é muito lento. Esses jogos representam, em si, uma situação de hiperatividade, em ações extremamente especializadas e repetitivas. Hoje em dias as máquinas especiais para esses jogos, como Playstation e Game Boy, conseguem exibir da ordem de um bilhão de páginas, ou imagens, por segundo. Assim, o jogo produz uma falta de concentração ligada à contemplação e ao pensamento calmos, isto é, provoca uma deseducação da concentração. Como uma criança ou adolescente vai tolerar ficar quieto em uma carteira escolar se estão viciados em agir freneticamente nos jogos eletrônicos de ação?
Atenção exige concentração mental. Hoje em dia, o uso normal do computador dá-se com vários programas e janelas ativos ao mesmo tempo, passando-se frequentemente de um para outro. Parece-me fantástico achar-se uma maravilha que crianças e adolescentes sejam hoje capazes de fazer várias coisas ao mesmo tempo: ouvir um aparelho de som, ver TV, usar o computador e a Internet, jogar um video game, falar ao telefon, estudar... Essa fragmentação das impressões sensoriais e das ações só pode redundar em problemas de atenção, talvez também de hiperatividade: se o ambiente não é agitado, a criança ou o adolescente ficam agitados. Tudo isso leva a uma situação trágica: não há mais o costume de se fazer uma introspeção, de se enfrentar e refletir sobre sí próprio. As pessoas estão viciadas em receber estímulos exteriores, em geral agitados e mesmo agressivos, e não aguentam ficar sozinhas consigo próprias.
Christakis et al. (2004) fizeram um estudo com 1.278 crianças de 1 ano de idade e 1.345 de 3 anos e verificaram que 10% delas tinham problemas de atenção aos 7 anos. O número de horas que as crianças assistiam TV nas primeiras idades (média de 2,2 e 3,6 horas, respectivamente) foi correlacionada positivamente com problemas de atenção aos 7 anos. "Um aumento de um desvio padrão no número de horas de TV assistida ao 1 ano de idade foi associado com um aumento de 28% na probabilidade de haver problemas de atenção aos 7 anos. Esse resultado é robusto e estável ao longo do tempo – um efeito de grandeza similar foi obtido para o número de horas de TV assistidas aos 3 anos." Eles dizem: "O fato de crianças verem televisão muito cedo está associado a problemas de atenção aos 7 anos. Esforços para limitar o tempo de ver TV na primeira infância (early childhood) podem ser justificados (warranted) e é necessário fazer pesquisa adicional." Os autores ainda afirmam que os pais e pessoas que tomam conta de crianças podem reduzir as chances de uma criança desenvolver Déficit de Atenção e Distúrbio de Hiperatividade (Attention Deficit and Hyperactivity Disorder, ADHD) se limitarem o tempo de ver televisão em crianças pequenas.
É impressionante como muitas pessoas que percebem, sentem ou sabem que a TV é prejudicial às crianças não têm coragem de simplesmente dizer para se cortar a TV de vez, e restringem-se a recomendar a limitação do tempo que as crianças devem vê-las. Um exemplo é o interessante artigo de Ledingham, Ledingham e Richardson (1993) que contém boa bibliografia e 12 recomendações aos pais em relação ao hábito de ver TV de seus filhos, principalmente levando em conta os prejuízos causados pelos programas violentos. Nenhuma das recomendações é de cortar a TV das crianças, não ter TV em casa ou usá-la apenas em ocasiões especiais. Vale a pena mencionar que eles citam um estudo de Williams e Hanford (1986), feito no Canadá, examinando o que ocorria com famílias vivendo em uma pequena cidade antes de a TV ser lá introduzida e depois. "As pessoas passaram a empregar menos tempo falando, tendo contatos sociais fora de casa, fazendo tarefas caseiras, engajando-se em atividades de lazer como leitura, tricô, escrever, e envolvendo-se em atividades comunitárias e esportes, depois que a televisão ficou disponível. Elas até dormiram menos."
Nesse sentido, o exemplo mais patente é o relatório da Academia Americana de Pediatria recomendando que crianças até 2 anos não vejam TV e para as de mais de 2 anos "Limitar o tempo total de mídia (com mídia de entretenimento) a não mais de 1 a 2 horas de programas de qualidade por dia" (AAP 2001, p. 424)! Eu gostaria de saber quantos adultos ficam ao lado de seus filhos escolhendo "programas de qualidade". Além disso, um programa calmo, de real qualidade, sem os efeitos de show, seria extremamente monótono, devido ao efeito de sonolência produzido pela TV, como mencionado no item 1 acima. Por outro lado, a limitação do tempo de ver TV é um grande problema familiar. Muito mais fácil é não ter TV, pois se corta o mal pela raiz, não havendo assim proibições e controles em casa; uma outra solução é mantê-la trancada em um armário e só retirá-la quando se decide, conscientemente, assistir algum programa especial (Setzer 2005, p. 57) – aliás, será uma grande chance para perceber o poder que exerce esse aparelho, verificando-se como será difícil desligá-lo depois do programa que provocou a sua retirada do armário. Infelizmente, essa sugestão tornou-se inviável com aparelhos de tela grande; nesse caso, recomendo a instalação de uma chave (com tambor) no cabo de energia elétrica, de modo que este fique sem corrente elétrica se a chave estiver desligada. De qualquer modo, a TV não deveria fazer parte da vida familiar, o que ocorrerá inevitavelmente se estiver na sala de visita, sempre à disposição. Mas o pior de tudo é ela estar no dormitório das crianças, pois nesse caso não haverá controle absolutamente nenhum por parte dos pais ou responsáveis – o relatório da Academia Americana de Pediatria recomenda explicitamente "Remover aparelhos de televisão dos dormitórios das crianças." (AAP 2001, p. 424). Parece-me que haver TV em um dormitório de crianças ou adolescentes é uma indicação de que não há controle algum por parte do pais, o que é certamente um caso muitíssimo frequente. Isso mostra uma total falta de conhecimento por parte deles, ou uma abdicação, provavelmente por comodismo, de sua obrigação de educar seus filhos. Infelizmente, no último caso esse comodismo vai redundar mais tarde em enormes dores de cabeça e de preocupações, com todos os problemas que advirão e que estou apontando neste trabalho.
Voltanto à questão dos problemas de atenção, Swing et al. (2010) publicaram a primeira pesquisa longitudinal (isto é, acompanhando os sujeitos durante algum tempo) examinando o uso de video games e problemas posteriores de atenção. Eles usaram duas amostras, uma com crianças no meio do ensino médio americano, 430 na 3ª série, 446 na 4ª e 423 na 5ª (idade média 9,6 anos), recolhendo relatórios das crianças, de seus pais e professores durante um período de 13 meses, em 4 pontos, sendo 3 em que todas as medidas foram feitas, com um seguimento de 86%, 70% e 88% de casos, respectivamente. A outra amostra continha 210 jovens no fim da adolescência ou jovens adultos, estudantes de graduação numa grande universidade no meio oeste americano (idade média de 19,8 anos) que estavam cursando disciplinas de introdução à psicologia, e que obtiveram créditos nas mesmas pela sua participação; nesse caso, os formulários do levantamento foram preenchidos pelos próprios participantes. Nas duas amostras, foram levantados os mesmos dados de uso de TV e de jogos eletrônicos. A pesquisa comparou os sujeitos que usavam menos com os que usavam mais do que 2 horas diárias totais desses dois meios, conforme a recomendação da Academia Americana de Pediatria (AAP 2001, 2009). Segundo o artigo, "Os que excederam a recomendação da AAP para a quantidade de exposição diária à TV e a video games tinham maior chance de estar acima da média em problemas de atenção." (p. 217.) Os autores usaram 4 modelos diferentes de análises para as crianças e 2 modelos para os jovens. "O modelo 1 mostrou que o uso combinado dos dois meios foi associado com maiores problemas posteriores de atenção, mesmo depois de se controlar sexo, série escolar, e problemas de atenção no tempo 1 [inicial, isto é, crianças que já eram classificadas como tendo esses problemas no começo da pesquisa]. Os modelos 2 e 3 mostraram que os dois meios foram associados separadamente com problemas maiores de atenção no tempo 4 [último levantamento]. ... [O modelo 4] mostrou que uma exposição aos video games previa com maior segurança os problemas de atenção." (p. 218.) Os outros modelos, aplicados nos jovens, mostraram que "o uso dos 2 meios previam maiores problemas de atenção quando combinados (modelo 5) ou em separado (modelo 6)." (idem.) Idade e sexo não foram associados com problemas de atenção. "A amostra das crianças revelou um novo resultado. O uso de meios com tela foi associado a problemas posteriores de atenção mesmo quando problemas iniciais de atenção e sexo foram estatisticamente controlados. Isso dá uma evidência maior do que uma análise de dados tomados em um certo tempo único, de que meios com tela podem influenciar problemas de atenção. ... Por exemplo, [a pesquisa] elimina a possibilidade que a associação entre o uso de meios com tela e problemas de atenção ser simplesmente devido às crianças com problemas de atenção serem especialmente atraídas para meios com tela." (p. 219.) Os autores chamam a atenção para o fato de as associações do uso dos meios com problemas de atenção ter sido similar nas crianças e nos jovens, dada a diferença nos métodos de levantamento dos dados. Segundo eles, "Essas associações semelhantes nos grupos de idade levantam uma possibilidade importante sobre a persistência da exposição à TV ou a video games afetarem problemas de atenção. Independente da idade na qual ver TV ou jogar jogos eletrônicos podem aumentar esses problemas, as consequências podem ser muito duradouras ou cumulativas." (idem.) Os autores citam extensa bibliografia sobre o tema da pesquisa, que em geral corrobora resultados anteriores.
A produção de hipertatividade pela TV é fácil de ser compreendida: crianças saudáveis não ficam quietas, estão sempre fazendo algo, pois é assim que aprendem, desenvolvem musculatura, coordenação motora etc. Uma criança saudável só fica parada se ouvir uma história: aí se pode observar que ela fica como que olhando para o infinito, pois está imaginando toda a história interiormente. No caso da TV, a criança fica fisicamente estática e, como já vimos, em estado de sonolência (V. item 1), não tendo nada a imaginar, pois as imagens já vêm prontas. Ao se desligar o aparelho, a criança tem uma explosão de atividade, para compensar o tempo que ficou imóvel e passiva; os pais, incomodados, colocam-na novamente à frente da TV para "acalmá-la"...
Stevens e Muslov (2006) empregaram o Early Childhood Longitudinal Study, com 2 grupos de 2.500 crianças cada, usando um período de 2 anos: na idade de 5 anos e no fim da primeira série aos 7 anos. Não foi achada correlação significativa entre número de horas de ver TV e risco de ter ADHD. Aparentemente esse resultado conflita com o de Christakis et al. mencionado acima. Porém, estes examinaram dados de crianças de 1 e 3 anos, assim, a discrepância pode ser devida ao fato óbvio de que crianças menores sejam mais sujeitas a influências externas. Stevens, em uma entrevista (ver na referência ao artigo), declarou: "Não estamos dizendo que ver TV é bom, mas o que está sendo sugerido é que ADHD tem uma base genética e neurológica, e não tem nada a ver com TV." Conjeturo que a base neurológica seja alterada pela TV nas idades mais tenras, quando o cérebro está se organizando, de modo que a TV provavelmente tem, sim, algo a ver com o problema de atenção e hiperatividade.
Depois de escrito o parágrafo acima apareceu o artigo de Christakis e Zimmerman (2006) justamente corroborando meus argumentos (a menos da base neurológica).
Landhuis, Poulton, Welch e Hancox (2007) fizeram o primeiro estudo longitudinal da influência de ver televisão na infância sobre problemas de atenção na adolescência. Foi usado um grupo de 1.037 participantes (502 do sexo feminino) nascidos entre abril de 1972 e março de 1973 em Dunedin, na Nova Zelândia. Foram usados valores do tempo de ver TV estimados pelos pais nas idades de 5, 7. 9 e 11 anos., e problemas de atenção relatados por professores na adolescência, nas idades de 13 e 15 anos. "Os objetos do estudo viram uma média de 2,05 horas (desvio padrão 0, 83) de televisão durante os dias da semana [weekdays, aparentemente de 2ª a 6ª feiras] entre as idades de 5 a 11 anos. Em idades de 13 a 15 anos, isso aumentou em mais de uma hora por dia, para 3,13 horas (desvio padrão 1,43). Houve uma correlação significante entre ver televisão na infância e na adolescência. Também foram feitas correlações entre problemas de atenção na infância e problemas de atenção na adolescência. Resultados de modelos de regressão linear mostraram que ver televisão na infância prevê problemas de atenção na adolescência, ajustando para sexo ... Essa associação permaneceu constante em controles adicionais de problemas precoces de atenção, habilidades cognitivas na infância e situação socioeconômica na infância, representando um aumento de 0,09 no desvio padrão em problems de atenção para cada 50 minutos de ver televisão. Quando ver televisão na adolescência foi adicionado ao modelo, tanto ver televisão na infância quanto na adolescência foram associados independentemente com problemas de atenção na adolescência."(p. 534.) "Estes resultados dão suporte à hipótese de que ver televisão na infância pode contribuir para o desenvolvimento de problemas de atenção. ... Encontramos que tanto ver televisão na infância quanto na adolescência previram, independentemente, problemas de atenção na adolescência. Isso sugere que os efeitos na infância sobre a atenção podem durar muito tempo, e são altamente independentes da continuidade de ver televisão até a adolescência." (p. 535.) Excepcionalmente, os autores discutem as causas dessa situação, corroborando o que venho escrevendo e falando há dezenas de anos; vale a pena citá-los para mostrar que não estou sozinho. "Pelo menos duas explicações foram propostas para a associação entre ver televisão e problemas de atenção. Uma explicação envolve o desenvolvimento do cérebro na primeira infância. Devido ao fato de haver uma considerável plasticidade do cérebro durante os primeiros anos depois do nascimento, as rápidas mudanças de imagem e de cena comumente encontradas na televisão podem superestimular a criança e afetar adversamente o desenvolvimento do cérebro. Se isso é verdadeiro, podemos esperar que crianças bem pequenas sejam particularmente vulneráveis a esses efeitos, enquanto crianças de mais idade seriam menos afetadas. Uma outra explicação é que a vida, como exibida na televisão, com técnicas de edição produzindo rapidez e para prender a atenção torna, faz, em comparação, a realidade parecer monótona. Portanto, crianças que veem muita televisão podem tornar-se menos tolerantes a tarefas mais lentas e mais mundanas, como fazer trabalhos escolares. ... Nosso resultado de que ver televisão no meio da infância foi associado com problemas de atenção na adolescência tende a dar apoio à última hipótese. Entretanto, as duas explicações não são mutuamente exclusivas, e ambas podem ter um papel na associação entre ver televisão e problemas de atenção. ... [Pode haver outros mecanismos] Por exemplo pode ser que ver televisão desloca outras atividades que promovem e encorajam a atenção, tais como leitura, jogos, esportes e brincadeiras. Além disso, falta de atenção pode ser uma resposta condicionada. Isto é, programas de televisão continuam, independentemente da atenção dispensada pelo telespectador. Portanto, crianças podem aprender que podem distrair sua atenção enquanto veem televisão. Essa reação aprendida pode ser generalizada para outras atividades." (p. 535.) "Problemas de atenção são reconhecidamente um fator importante para prever um rendimento educacional fraco, e também foram envolvidos em fraca sociabilização. Portanto, é prudente observar a recomendação da Sociedade Americana de Pediatria [ver AAP 2001, p. 424] de limitar o tempo de criança ver televisão a no máximo 2 horas por dia." (p. 536.) Recorde-se o que foi dito acima, neste item, sobre a falta de coragem para recomendar que a TV seja banida de crianças e adolescentes.
Quanto aos video games, Rosen e Weil (2001), da Univ. of Southern California, fizeram dois estudos com 914 jovens de 10 a 25 anos, e outro com 682 crianças e adolescentes de 7 a 17 anos. A taxa de uso de meios eletrônicos foi considerada surpreendentemente alta pelos próprios autores: até 12 anos, a média era de 3 horas por dia de jogo, 2 horas entre 12 a 16 e 1 hora para 17 ou mais anos; os jogos favoritos de 42% de meninos até 12 anos eram inapropriados à sua idade (classificados como jogos para 13 ou mais anos), 26% de meninos entre 13 e 16 anos tinham como favoritos jogos para 18 ou mais anos. Mas o que importa aqui é que eles concluíram que o tempo de jogo está relacionado com mau comportamento em classe. Eles confirmam minhas ideias de que na opinião das crianças, os jogos exercem atração (Computer Holding Power, noção introduzida por S. Turkle [1997, p. 30]), ao passo que a escola tinha para eles um poder de alienação, ao que Rosen e Weil deram o nome de disengaging power, "poder de desengajar". Provavelmente, hoje tudo isso piorou.
Na minha conceituação os jogos eletrônicos devem provocar muitíssimo mais distúrbios de atenção e de hiperatividade do que a TV. No caso de problemas de atenção, a razão é clara: na maioria dos jogos utilizados e apreciados, os que têm muita ação e violência, sucedendo-se com rapidez, a reação do jogador deve ser sempre automática, pois o pensamento consciente é muito lento. Esses jogos representam, em si, uma situação de hiperatividade, em ações extremamente especializadas e repetitivas. Hoje em dias as máquinas especiais para esses jogos, como Playstation e Game Boy, conseguem exibir da ordem de um bilhão de páginas, ou imagens, por segundo. Assim, o jogo produz uma falta de concentração ligada à contemplação e ao pensamento calmos, isto é, provoca uma deseducação da concentração. Como uma criança ou adolescente vai tolerar ficar quieto em uma carteira escolar se estão viciados em agir freneticamente nos jogos eletrônicos de ação?
Atenção exige concentração mental. Hoje em dia, o uso normal do computador dá-se com vários programas e janelas ativos ao mesmo tempo, passando-se frequentemente de um para outro. Parece-me fantástico achar-se uma maravilha que crianças e adolescentes sejam hoje capazes de fazer várias coisas ao mesmo tempo: ouvir um aparelho de som, ver TV, usar o computador e a Internet, jogar um video game, falar ao telefon, estudar... Essa fragmentação das impressões sensoriais e das ações só pode redundar em problemas de atenção, talvez também de hiperatividade: se o ambiente não é agitado, a criança ou o adolescente ficam agitados. Tudo isso leva a uma situação trágica: não há mais o costume de se fazer uma introspeção, de se enfrentar e refletir sobre sí próprio. As pessoas estão viciadas em receber estímulos exteriores, em geral agitados e mesmo agressivos, e não aguentam ficar sozinhas consigo próprias.
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