quarta-feira, 11 de abril de 2012

Diferente pra quem?




Outro dia, uma equipe da TV Brasil foi à escola do meu filho mais novo, o Luca, de 3 anos, que está no Transtorno do Espectro Autista (TEA) - seguindo seus passos e evoluindo em seu ritmo, graças a Deus - para fazer uma matéria. A escola é inclusiva e uma das poucas do Brasil que tem material adaptado para a maior parte das deficiências sejam elas físicas ou intelectuais. 
A reportagem era sobre como as crianças neurotípicas lidavam com a inclusão. Um olhar da criança sobre a outra, sobre o colega, neurotípico ou não. E as respostas me surpreenderam. A repórter perguntou para uma menina neurotípica o que ela via de diferente na coleguinha que sentava ao lado, autista. E a resposta foi linda. Depois de olhar para a menina durante alguns segundos, a garota de 7 anos respondeu: “O cabelo dela é enrolado e o meu não. Ah, e ela vem com lacinho vermelho de vez em quando. Eu gosto de rosa.” Simples assim.

As outras respostas foram no mesmo nível. Com sinceridade e pureza, como as crianças são. Aí me dei conta que quem dá importância e tem verdadeiro medo das diferenças somos nós, adultos. Não por maldade. Muitas vezes é medo. Medo do desconhecido, medo de pensar que um dia aquele poderia ser o nosso filho. Conheci pais que tiraram seus filhos de escolas inclusivas com medo de ele “ficar igual” ao coleguinha que não falava direito, que tinha umas estreotipias estranhas e que não tinha o mesmo traquejo social que o seu filho. As crianças mesmo lidam com a inclusão da forma mais natural possível.
Minha experiência maior é na educação infantil. Sei que quanto mais velhas as crianças vão ficando, a tendência é que as diferenças as afaste. Isso pode ser diferente se os pais conversarem, desde cedo e com naturalidade sobre o porquê de o amiguinho por exemplo ainda usar fralda, ou ainda não falar, ou ficar isolado quando todos estão brincando... Mas aí eu pergunto: como os pais vão falar sobre isso naturalmente se eles mesmos não conseguem pensar no assunto por medo de que um dia isso aconteça nas suas vidas? Conviver com as diferenças desde criança é um baita aprendizado. Sei por experiência própria e porque vejo isso em casa atualmente.
Tive um irmão excepcional em último grau. O parto foi complicado, ele ficou alguns minutos sem respirar e teve paralisia cerebral severa. Faleceu aos 17 anos sem falar, sem andar, tinha fortes convulsões... fui criada com ele e não tínhamos vergonha de levá-lo onde íamos: passeios, viagens, praia... o difícil era sentir o olhar das pessoas. O resto era fichinha. Agora, vejo o Thiago, meu filho mais velho, de 5 anos, com o Luca e me emociono. O Thiago é um irmaozão. Defende o Luca no parquinho se algum menino quer tomar o brinquedo dele, por exemplo.... fala para todo mundo que aquele é o irmão dele. Que é para ele ser sim, incluído na brincadeira! Se um amigo pergunta porque o Luca não fala direito, ele responde que o irmão está aprendendo.

Eu, provavelmente ficaria 10 minutos explicando o autismo, o diagnóstico, iria me enrolar toda para chegar à mesma resposta incrivelmente sincera do Thiago. Ultimamente pego ele conversando com o Luca, ensinando o irmão a falar. Fica modulando as palavras: “Luca, fala ‘leão”, e o Luca repete. Aí o Thiago grita de onde estiver: “mãe, o Luca falou leão”. E vibra com cada palavrinha nova do irmão. Não são irmãos perfeitos, viu gente! Longe disso! Se pegam várias vezes, rolam no chão, brigam por brinquedo, mas eu noto que o Thiago não se importa com o fato de o irmão ter um vocabulário de 80, 100 palavrinhas, que seria normal para uma criança típica de um ano e meio, por exemplo. Isso tem feito ele aprender a conviver com as diferenças de forma natural.
Outro dia, no play do condomínio onde moramos, tinha uma criança cadeirante olhando as outras brincarem. Ele saiu de onde estava e a chamou para brincar de pique-esconde com os outros... ele nem pensou na possibilidade de a cadeira ser um problema. A criança foi, brincou e os outros amiguinhos ajudaram ela a se esconder, deram dicas e tudo mais. Eu, no meu olhar de adulta, mesmo tendo convivido com as diferenças minha vida toda, fiquei toda cheia de dedos, com medo de que o convite para brincar pudesse constranger o amigo que estava na cadeira de rodas... Mas a criança que ainda não tem o olhar treinado, que ainda não tem o medo enraizado, não pensa dessa forma ainda.
Minha reflexão disso tudo, como mãe relativamente nova de filho especial (o diagnóstico do Luca foi dado há pouco mais de um ano), é que faz muito bem para nós conviver com as diferenças. Nos torna adultos melhores. Mais humanos e compreensivos. Pode nos fazer até pessoas melhores, se soubermos aproveitar a experiência.
Publicado em 11/04/2012



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