fonte: http://www.celpcyro.org.br/v4/html/OAUTISMO.htm
Wanderley Manoel Domingues
A Psicanálise como ramo do conhecimento humano, necessitade uma grande renovação para sua própria sobrevivência. Suacontribuição para a compreensão dos fenômenos mentais foifundamental no século passado. As descobertas realizadaspor Sigmund Freud influenciaram enormemente o pensamentoocidental, determinando uma mudança consistente, inclusivenos procedimentos hospitalares no que tange ao tratamentode pacientes portadores de distúrbios mentais. O brilhantismointelectual de Sigmund Freud e sua visão de futuro foramfundamentais no pensamento moderno. Seus seguidores, MelanieKlein, Wilfred Bion, Winnicott, Margareth Mahler, entreoutros tantos, buscaram uma compreensão dinâmica dos processosmentais, gerando a construção de um edifício teórico substanciosoe de valor inestimável.
No entanto, o isolamento da Psicanálise acabou comprometendosua evolução como um todo. A concepção visionária de SigmundFreud - de que a bioquímica teria papel fundamental na compreensãodos fenômenos mentais, expressa em um de seus últimos trabalhos, Psicanáliseterminável e interminável - não foi levada em conta pelosseus diversos seguidores. A Psicanálise não se associou à pesquisacientífica com outras disciplinas. Traiu sua origem impactantee revolucionária, optando por um caminho acomodado numaprática clínica conservadora.
E o conhecimento científico evoluiu muito nas últimas décadas.
Atualmente temos muitas condições clínicas como a esquizofrenia,depressões, transtornos de ansiedade generalizada, autismoinfantil, que são verdadeiras janelas para a compreensãoda interação corpo-mente nos seres vivos. Os conhecimentosadvindos das pesquisas mais recentes da genética e da biologiamolecular, enriqueceram nossa compreensão sobre os referidosfenômenos. No entanto, a Psicanálise teima penosamente emrecusar tais avanços, isolando-se do mundo acadêmico contemporâneoe mantendo-se num isolamento desnecessário, autístico e, portanto,improdutivo.
Tentarei, nesse artigo, preencher lacunasoriundas dessa dicotomia improdutiva do dilema corpo-mente.
O autismo é uma doença do neurodesenvolvimento. Sua descriçãooriginal veio de Leo Kanner, psiquiatra da Universidade JohnHopkins, há mais de 50 anos, para descrever crianças ensimesmadase com severos problemas de índole social no comportamentoe na comunicação.
Sua incidência encontra-se estimada em 01 portador paracada 1000 nascimentos, sendo 03 vezes mais freqüente no sexomasculino que no feminino. É doença que compromete o desenvolvimentoinfantil como um todo, limitando a vida da criança e de suafamília.
Os sinais e sintomas compõem uma tríade: distúrbios nacomunicação, distúrbios na sociabilidade e estereotipiasmotoras. A comunicação humana se torna falha, com perturbaçõesno léxico e no semântico, determinando limitações importantesna interação pessoal. A sociabilidade é pobre, com sinaise sintomas de isolamento, indiferença aos estímulos afetivos,falta de evolução cognitiva e busca do prazer nas estereotipiasmotoras e no alheamento pessoal.
Estudos recentes sugerem um comprometimento genético, ligadoaos cromossomas 7 e 15, gerando dificuldades na metilaçãoda citosina, pelo menos no síndrome de Rett, variante femininodo espectro autístico. Tais alterações levariam à uma hiperfunçãomuito precoce do sistema de neurotransmissão dopaminérgicomesocortical nas regiões frontais, com alterações semelhantes à daesquizofrenia, porém ocorrendo nas fases inicias da vidainfantil, comprometendo severamente a evolução dessas criançasno âmbito social, comunicacional e cognitivo.
Esse quadro clínico também pode ser decorrente de infecçõesgestacionais como rubéola, toxoplasmose, citomegalia congênitas,neurofibromatose, traumatismos de parto, meningoencefalites,traumatismos crânio-encefálicos. Portanto, sua determinação é multifatoriale não psicológica, como se acreditou durante muitas décadas.
A teoria compreensiva vigente era de que a mãe, pelo fatode ser pouco afetiva, rejeitadora e pouco continente, determinavaem seu filho, tal quadro clínico. E a prática clínica utilizada,por conseqüência, era a de encaminhamento da mãe para umtratamento psicológico prolongado, visando solucionar suas culpas,pela sua participação em tal estado. Quanto ao paciente,ele era encaminhado para um tratamento verbal e interpretativo,porém incompatível com seus comprometimentos léxicos e semânticos,de longa duração, para resgatar sua evolução. Era naturalque tal esquema simplificado redundasse num malogro, comuma evolução pobre e incompatível com dispêndio de tanto tempoe energia.
Hoje sabemos que o espectro autístico é composto por váriossubgrupos: autismo típico, síndrome de Asperger, síndromede Rett, e autismo atípico, com diagnóstico diferencial parasíndrome do X frágil, síndrome de Landau-Kleffner, síndromede Williams. Há consenso mundial atual de que esses pacientestêm uma dificuldade de apreender os sentimentos do outro,mantendo um ponto de vista pessoal e único à respeito domundo, com visão concreta e estereotipada dos fenômenos mentais.Quanto ao seu grau de compreensão, podemos dividir os pacientesautistas em 02 subgrupos: os de baixo funcionamento, comdeficiência mental associada e, os de alto funcionamento,com inteligência e habilidades mentais superiores. Lembramostambém que 1/3 desses pacientes manifestam crises convulsivasaté o período da adolescência, denotando um componente cerebralimportante na sua condição clínica.
Como podemos agregar, então, uma compreensão psicodinâmicae ao mesmo tempo clínica mais abrangente, que consiga daruma dimensão mais ampla à fenõmenos tão complexos?
O próprio Sigmund Freud deixou entrevisto, em seus inúmerosescritos, que o ser humano é o produto da sua constituiçãogenética, acrescida das séries complementares de desenvolvimento,questão que a Psicanálise contemporânea parece ter esquecido.Estudos recentes, levados à efeito por Rakic e seu grupo,têm demonstrado que o cérebro precoce, em especial o tálamo,sob a influência de estimulação externa, tende à determinaruma especialização cortical diferenciada, com a construçãode respostas também diferenciadas. Dito isto de uma outraforma, seríamos como seres humanos, o resultado, o produtode uma disposição genética constitutiva, influenciada pelasnossas experiências pessoais, construtoras do nosso modode ser. Quando Margareth Mahler descreveu os 03 estágiosinfantis de desenvolvimento, como sendo: etapa autística,de simbiose e de separação materno-infantil, ela estava ressaltando,do meu ponto de vista, uma visão fenomenológica e não causaldas vicissitudes do desenvolvimento infantil. Entre essadescrição fenomenológica e a crença de que a mãe seria acausadora do autismo infantil, vai uma distância abissal.
O que não podemos é concordar que a Psicanálise se torneautista e se recolha em concepções limitadas e limitantes.
Wanderley Manoel Domingues
A Psicanálise como ramo do conhecimento humano, necessitade uma grande renovação para sua própria sobrevivência. Suacontribuição para a compreensão dos fenômenos mentais foifundamental no século passado. As descobertas realizadaspor Sigmund Freud influenciaram enormemente o pensamentoocidental, determinando uma mudança consistente, inclusivenos procedimentos hospitalares no que tange ao tratamentode pacientes portadores de distúrbios mentais. O brilhantismointelectual de Sigmund Freud e sua visão de futuro foramfundamentais no pensamento moderno. Seus seguidores, MelanieKlein, Wilfred Bion, Winnicott, Margareth Mahler, entreoutros tantos, buscaram uma compreensão dinâmica dos processosmentais, gerando a construção de um edifício teórico substanciosoe de valor inestimável.
No entanto, o isolamento da Psicanálise acabou comprometendosua evolução como um todo. A concepção visionária de SigmundFreud - de que a bioquímica teria papel fundamental na compreensãodos fenômenos mentais, expressa em um de seus últimos trabalhos, Psicanáliseterminável e interminável - não foi levada em conta pelosseus diversos seguidores. A Psicanálise não se associou à pesquisacientífica com outras disciplinas. Traiu sua origem impactantee revolucionária, optando por um caminho acomodado numaprática clínica conservadora.
E o conhecimento científico evoluiu muito nas últimas décadas.
Atualmente temos muitas condições clínicas como a esquizofrenia,depressões, transtornos de ansiedade generalizada, autismoinfantil, que são verdadeiras janelas para a compreensãoda interação corpo-mente nos seres vivos. Os conhecimentosadvindos das pesquisas mais recentes da genética e da biologiamolecular, enriqueceram nossa compreensão sobre os referidosfenômenos. No entanto, a Psicanálise teima penosamente emrecusar tais avanços, isolando-se do mundo acadêmico contemporâneoe mantendo-se num isolamento desnecessário, autístico e, portanto,improdutivo.
Tentarei, nesse artigo, preencher lacunasoriundas dessa dicotomia improdutiva do dilema corpo-mente.
O autismo é uma doença do neurodesenvolvimento. Sua descriçãooriginal veio de Leo Kanner, psiquiatra da Universidade JohnHopkins, há mais de 50 anos, para descrever crianças ensimesmadase com severos problemas de índole social no comportamentoe na comunicação.
Sua incidência encontra-se estimada em 01 portador paracada 1000 nascimentos, sendo 03 vezes mais freqüente no sexomasculino que no feminino. É doença que compromete o desenvolvimentoinfantil como um todo, limitando a vida da criança e de suafamília.
Os sinais e sintomas compõem uma tríade: distúrbios nacomunicação, distúrbios na sociabilidade e estereotipiasmotoras. A comunicação humana se torna falha, com perturbaçõesno léxico e no semântico, determinando limitações importantesna interação pessoal. A sociabilidade é pobre, com sinaise sintomas de isolamento, indiferença aos estímulos afetivos,falta de evolução cognitiva e busca do prazer nas estereotipiasmotoras e no alheamento pessoal.
Estudos recentes sugerem um comprometimento genético, ligadoaos cromossomas 7 e 15, gerando dificuldades na metilaçãoda citosina, pelo menos no síndrome de Rett, variante femininodo espectro autístico. Tais alterações levariam à uma hiperfunçãomuito precoce do sistema de neurotransmissão dopaminérgicomesocortical nas regiões frontais, com alterações semelhantes à daesquizofrenia, porém ocorrendo nas fases inicias da vidainfantil, comprometendo severamente a evolução dessas criançasno âmbito social, comunicacional e cognitivo.
Esse quadro clínico também pode ser decorrente de infecçõesgestacionais como rubéola, toxoplasmose, citomegalia congênitas,neurofibromatose, traumatismos de parto, meningoencefalites,traumatismos crânio-encefálicos. Portanto, sua determinação é multifatoriale não psicológica, como se acreditou durante muitas décadas.
A teoria compreensiva vigente era de que a mãe, pelo fatode ser pouco afetiva, rejeitadora e pouco continente, determinavaem seu filho, tal quadro clínico. E a prática clínica utilizada,por conseqüência, era a de encaminhamento da mãe para umtratamento psicológico prolongado, visando solucionar suas culpas,pela sua participação em tal estado. Quanto ao paciente,ele era encaminhado para um tratamento verbal e interpretativo,porém incompatível com seus comprometimentos léxicos e semânticos,de longa duração, para resgatar sua evolução. Era naturalque tal esquema simplificado redundasse num malogro, comuma evolução pobre e incompatível com dispêndio de tanto tempoe energia.
Hoje sabemos que o espectro autístico é composto por váriossubgrupos: autismo típico, síndrome de Asperger, síndromede Rett, e autismo atípico, com diagnóstico diferencial parasíndrome do X frágil, síndrome de Landau-Kleffner, síndromede Williams. Há consenso mundial atual de que esses pacientestêm uma dificuldade de apreender os sentimentos do outro,mantendo um ponto de vista pessoal e único à respeito domundo, com visão concreta e estereotipada dos fenômenos mentais.Quanto ao seu grau de compreensão, podemos dividir os pacientesautistas em 02 subgrupos: os de baixo funcionamento, comdeficiência mental associada e, os de alto funcionamento,com inteligência e habilidades mentais superiores. Lembramostambém que 1/3 desses pacientes manifestam crises convulsivasaté o período da adolescência, denotando um componente cerebralimportante na sua condição clínica.
Como podemos agregar, então, uma compreensão psicodinâmicae ao mesmo tempo clínica mais abrangente, que consiga daruma dimensão mais ampla à fenõmenos tão complexos?
O próprio Sigmund Freud deixou entrevisto, em seus inúmerosescritos, que o ser humano é o produto da sua constituiçãogenética, acrescida das séries complementares de desenvolvimento,questão que a Psicanálise contemporânea parece ter esquecido.Estudos recentes, levados à efeito por Rakic e seu grupo,têm demonstrado que o cérebro precoce, em especial o tálamo,sob a influência de estimulação externa, tende à determinaruma especialização cortical diferenciada, com a construçãode respostas também diferenciadas. Dito isto de uma outraforma, seríamos como seres humanos, o resultado, o produtode uma disposição genética constitutiva, influenciada pelasnossas experiências pessoais, construtoras do nosso modode ser. Quando Margareth Mahler descreveu os 03 estágiosinfantis de desenvolvimento, como sendo: etapa autística,de simbiose e de separação materno-infantil, ela estava ressaltando,do meu ponto de vista, uma visão fenomenológica e não causaldas vicissitudes do desenvolvimento infantil. Entre essadescrição fenomenológica e a crença de que a mãe seria acausadora do autismo infantil, vai uma distância abissal.
O que não podemos é concordar que a Psicanálise se torneautista e se recolha em concepções limitadas e limitantes.
São Paulo, 28 de setembro de 2003
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