sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Transtorno autista e a abordagem cognitivo-comportamental: Possibilidade de auxílio psicológico

Adriana Soczek Sampaio
O cinema americano há tempos apresenta filmes nos quais o transtorno autista aparece como foco principal, inclusive mostrando personagens com alta capacidade para decifrar códigos secretos ou como testemunhas de homicídios ou outros crimes. Mas, na realidade, fora das telas dos cinemas, ainda é grande o desconhecimento do que é o autismo, como este se caracteriza e apresenta-se e quais as modalidades de tratamento atualmente disponíveis e com bons índices de êxito.
O transtorno e seu histórico
O autismo foi primeiramente descrito pelo médico Leo Kanner em 1943, tendo este autor descrito em seu artigo, datado também deste ano, onze casos de crianças autistas que acompanhou sendo que estas apresentavam características semelhantes entre si. No ano seguinte, Hans Asperger escreveu o artigo intitulado “Psicopatologia autística da infância”, no qual também descreveu casos de crianças com quadro semelhante às de Kanner.
Em 1961, Ferster realizou estudos intentando compreender o autismo e as crianças que apresentavam tal síndrome, numa época em que a maioria dos profissionais considerava que esta era causada por um transtorno emocional subjacente. Ferster sugeriu, então, que o autismo seria resultante de uma interação pais/filhos inadequada e precária, que levaria a uma falha na aprendizagem destas crianças (Loovas e Smith, 2005). Hoje em dia tal teoria não é defendida, porém acabou por lançar as bases da compreensão de que a conduta autista pode ser entendida e tratada através dos princípios de aprendizagem da teoria behaviorista.
Desde então, outros estudos vêm sendo realizados acerca da síndrome autística, porém ainda hoje suas causas são desconhecidas. O transtorno autista é enquadrado na classificação do DSM IV dentro dos transtornos invasivos do desenvolvimento e na CID 10 é classificado como um transtorno global do desenvolvimento. Logo, este transtorno caracteriza-se por um desenvolvimento alterado ou anormal na criança, manifestando-se antes dos 3 anos de idade, sendo este um dos critérios para diagnóstico deste quadro.
Em relação às causas, motivo que gera ansiedade nos pais que recebem o diagnóstico autista de seus filhos, pode-se dizer que a idéia hoje mais aceita é de que é uma síndrome comportamental possivelmente resultante de um quadro orgânico, e com provável origem genética. Além disso, não se pode esquecer que o indivíduo é uma totalidade, e dentro do referencial comportamental, este indivíduo é resultante da interação do biológico com o ambiente, sua história de aprendizagem e desenvolvimento, das contingências a que este indivíduo está exposto na sua história de vida. Logo, não seria apenas o biológico que se manifesta, mas a interação de todo o aparato orgânico/genético com o ambiente que cerca o indivíduo.
Segundo critérios de diagnóstico do DSM IV e da CID 10, o quadro do transtorno autista inclui perturbações características da interação social, da comunicação e do comportamento. As duas primeiras e uma dificuldade no uso da imaginação caracterizam o que Wing e Gould (1979) denominam a tríade constituinte da síndrome autista, devendo estes três aparecerem juntos. Conforme ressalta Mello (2003, p. 12), “a tríade é responsável por um padrão de comportamento restrito e repetitivo, mas com condições de inteligência que podem variar de retardo mental a níveis acima da média”.
Consoante Frith (1991, apud Ballone, 2005), as crianças autistas possuem também dificuldade para se colocarem no lugar do outro, para então compreender o que a outra pessoa pode estar sentindo. Tal comportamento empático faz parte das habilidades sociais que uma pessoa deve possuir para manter adequados níveis de interação interpessoal, o que estando prejudicado, leva a maiores prejuízos de ordem social, como os identificados no autista.
Os critérios de estudo do autismo são bastante diferentes e por isso têm-se encontrado na literatura números díspares em relação à incidência do autismo na população em geral. O que se sabe com certeza é que este número é maior entre meninos do que entre meninas. De forma ampla, pode-se dizer que estes números flutuam de 5 a 15 casos em cada dez mil crianças, sendo que estes números estão em dependência dos diferentes autores dos estudos, já que por vezes o enquadre de uma criança no diagnóstico autista pode assumir caráter subjetivo (Ballone, 2005).
Não obstante todo o rol de desajustes descritos para o diagnóstico de autismo, deve-se levar em conta que as crianças autistas também apresentam diferenças entre si, que podem ser bastante marcadas (Lovaas e Smith, 2005), e que por este motivo o tratamento deve sempre ser avaliado e esquematizado a partir das peculiaridades apresentadas pela criança em questão, enquadrando a técnica ao quadro do paciente e não tentando enquadrar a criança a uma técnica de maneira generalista (Echegaray, García, Bujedo, Domínguez, 2002).
Manifestações mais comuns
Dentro do que foi mencionado acima, é importante lembrar que das manifestações que serão a seguir descritas, estas podem ocorrer em diferentes graus, o que traz a individualidade do quadro dentro do espectro autista como um todo.
A primeira manifestação que geralmente ocorre, é que a criança ainda bebê reage de maneira que parece incomodada ao ser pega no colo, ou de não estar à vontade, fato este que gera estranhamento nos adultos, mas que só vai ser compreendido mais tarde, quando se sabe do diagnóstico de autismo. Estes bebês também denotam estar bem quando ficam a sós, tendo muito pouco ou nenhum contato visual com a mãe quando alimentados, e nem com outros adultos. Seguindo o curso do desenvolvimento, mais à frente os pais notarão que a criança não se antecipa nem estende os braços para ser pega no colo, não imita, não aprende a utilizar gestos para se comunicar e nem aponta no sentido de compartilhar sentimentos com outras pessoas. É também comum a aquisição de estereotipias, como movimentos repetitivos ou o hábito de morder roupas ou a si mesmo. São freqüentes, ainda, os problemas de alimentação e de sono.
O sintoma que na maioria das vezes leva os pais a buscarem auxílio é o problema de comunicação oral, mas que pode se caracterizar também a nível não verbal. No entanto, é a dificuldade de expressão verbal que assusta os pais, pois à medida que o tempo passa, a criança não é capaz de se comunicar de modo eficiente, ou mesmo, com idade avançada (3 a 5 anos de idade), a criança não fala. Conforme Ballone (2005, p.4), “aproximadamente 37% das crianças autistas começam a falar as primeiras palavras normalmente, mas param de falar, repentinamente, entre o 24º e o 30º mês”. Muitas crianças apenas repetem as palavras ouvidas, o que caracteriza a ecolalia, que pode ser imediata (repete o que acabou de ouvir) ou tardia (repete coisas que ouviu há mais tempo, que podem ser de horas ou dias). E mesmo que a criança autista utilize a fala, pode-se dizer que esta não visa à comunicação com as outras pessoas em sentido de interagir com estas.
Outro fator grandemente afetado qualitativa e quantitativamente é o da socialização, pois crianças autistas não tratam de forma diferenciada pessoas, animais ou objetos; ou seja, elas não conseguem compreender que há diferença entre objetos inanimados e seres humanos (Ballone, 2005). E como há dificuldade de empatia, a criança não consegue discriminar no outro diferentes expressões faciais, emoções ou sentimentos, tendo também dificuldade de compartilhar tais situações (Mello, 2003). Tal dificuldade também aparece no comportamento imitativo, que é a base para o aprendizado, havendo, em conseqüência, déficit neste âmbito na criança autista.
Aiello (2002, p. 16) escreve que “cabe destacar que esses comportamentos, quando presentes no repertório da criança comprometem seu desenvolvimento referente a modular suas experiências afetivas, estabelecer e manter interações sociais e oferecer um meio de expressão de suas necessidades e desejos”. Assim sendo, é importante ter-se em mente que o diagnóstico precoce vem a se constituir um importante passo para que a criança possa ser auxiliada, desde cedo, a adquirir as classes de comportamentos que lhe são deficitárias, para que sua inserção no meio em que vive se dê de maneira efetiva e com menor custo para todos, criança e familiares; diminuindo também o estresse e a angústia, normalmente presentes nos pais neste momento (op. cit.).
A visão cognitivo-comportamental do autismo
No enfoque cognitivo comportamental, conforme assinalado por Lovaas e Smith (2002), o quadro autista não é entendido como tendo uma causa subjacente e que todas as crianças autistas fazem parte de uma população homogênea. Ao contrário, as crianças autistas apresentam características que se assemelham, mas que se apresentam em diferentes níveis de intensidade, sendo que não se pode deixar de assinalar que comportamentos apresentados por autistas são também observados em crianças normais, ainda que com taxa de freqüência menor, como citam Kravitz e Boehm (1971 apud Lovaas e Smith, 2002), podendo-se exemplificar com condutas auto-estimuladas, como se balançar.
Assim sendo, pode-se dizer que os desvios comportamentais apresentados por estas crianças não escapam às leis da aprendizagem a que estão sujeitos os demais comportamentos em geral. Ou seja, através de um bem elaborado manejo comportamental é possível obter-se melhora do quadro autista, utilizando-se os princípios de aprendizagem, como reforçamento e modelação comportamental. Logo, comportamentos autistas podem estar sendo mantidos por conseqüências como atenção fornecida pelo cuidador da criança, que pode ser o pai, a mãe ou outra pessoa que convive diariamente com a criança; por auto estimulação, ou seja, a criança sente algum tipo de prazer quando emite aquele determinado comportamento; ou ainda, porque a emissão de um comportamento, como auto agressão, pode servir para a retirada de uma situação em que a criança não quer estar, como fazer uma tarefa escolar (Bagaiolo e Guilhardi, 2002).
Mas, no momento do diagnóstico, é importante que o terapeuta tenha em mente que este deve ser diferenciado do olhar clínico médico, pois se deve atentar não só para aquilo que a criança autista apresenta como déficit, mas também se deve olhar para aquilo que ela consegue fazer com êxito (Aiello, 2002). Como ressaltam Bagaiolo e Guilhardi (2002), a intervenção comportamental não será, então, baseada na nosografia do quadro, mas estará pautando-se nos comportamentos que a criança emite, avaliando sua funcionalidade no ambiente, bem como seu desenvolvimento social.
Assim sendo, o terapeuta cognitivo-comportamental tem que levar em consideração não apenas que a criança tem um quadro autista e aceitar como conseqüência deste, comportamentos como déficit de interação social, de comunicação, comportamentos autolesivos e agressivos, entre outros. Ao contrário, deve fazer um levantamento de todos os comportamentos que são emitidos pela criança, passando depois a estudar as situações de ocorrência, assim como possíveis reforçadores subseqüentes aos comportamentos que podem ser seus mantenedores. Para isso, deve seguir uma série de passos que serão abaixo descritos, sendo que na seqüência, estarão sendo apresentadas modalidades de atendimento cognitivo-comportamental para crianças com quadro autista, lembrando-se que as mesmas precisam estar sendo adaptadas a cada caso em específico, de acordo com a topografia de cada comportamento a ser modificado.
Passos de avaliação cognitivo-comportamental do quadro autista
Os passos aqui apresentados não são exclusivos para a avaliação do quadro autista, podendo ser utilizados para avaliação de diversos outros quadros que se apresentam na clínica psicológica.
O terapeuta cognitivo-comportamental deve, em primeiro lugar, ouvir o relato dos pais acerca da criança, fazendo perguntas quando conveniente para esclarecer melhor pontos importantes deste relato. Segundo Aiello (2002), o terapeuta também pode valer-se da observação de vídeos nos quais a criança apareça junto a outras pessoas, como festas de aniversário, por exemplo, os quais podem constituir-se em material de apoio para análise de comportamentos retrospectivos da criança. Conforme esta mesma autora, ainda, há autores que referem não ser esta uma fonte segura de análise já que são situações não estruturadas e nas quais podem estar presentes reforçadores e outros comportamentos inadequados de pessoas que interagem com a criança.
É importante ter-se alguns contatos com a criança, não só para que esta se familiarize com o terapeuta e o novo ambiente (clínica/consultório), como também para a observação da criança e os comportamentos que esta emite nestas situações. O passo seguinte consiste em elaborar-se um relatório acerca das classes de comportamentos a serem instalados, mantidos ou minimizados que a criança apresenta e sobre os quais será efetivada a intervenção terapêutica.
Outro aspecto importante a ser colocado em prática é fazer a análise funcional dos comportamentos disfuncionais para saber o que mantém cada um destes comportamentos, para poder-se então estabelecer um plano de ação que seja eficaz para mudar o repertório comportamental em questão. Deve-se lembrar também que, além de alterar classes de comportamentos, o terapeuta também pode, deve, e no autismo é quase sempre necessário instalar novas classes de comportamentos, sempre se baseando nos princípios da análise do comportamento.
Conforme assinala Baer (2002, p. 73), “(…) crianças com autismo precisam de habilidades de linguagem, habilidades sociais, habilidades de solver problemas, e habilidades de auto cuidado. Elas também precisam estar livres de auto agressão, agressão, e auto estimulação”.
Em seguida, o terapeuta deve estabelecer a linha de base de cada comportamento, ou seja, com que freqüência este ocorre em determinado intervalo de tempo; estabelecendo as metas a serem cumpridas; escolhendo os procedimentos a serem utilizados; pensando no processo de generalização dos comportamentos trabalhados e avaliando-se constantemente a intervenção proposta (Bagaiolo e Guilhardi, 2002). Esta avaliação é importante, pois se a criança não estiver atingindo os avanços esperados, o terapeuta deve reavaliar o plano de intervenção, pois o mesmo está sendo falho em relação àquela determinada criança. A escolha dos procedimentos é crucial, já que é o terapeuta “quem se responsabiliza pelo desenvolvimento de novas habilidades da criança e pela diminuição de comportamentos inapropriados” (op. cit., p. 72).
As técnicas cognitivo-comportamentais de tratamento
Abaixo serão delineadas algumas das técnicas de manejo terapêutico, baseadas nos princípios cognitivo-comportamentais para o tratamento da criança autista.
1. Intervenção intensiva
Esta é uma forma de manejo que exige várias horas por semana de atuação do terapeuta junto à criança, que pode ser em ambiente doméstico e consiste, especialmente, em instalar novos repertórios de comportamento importantes para a criança atuar em seu meio social. Durante este procedimento, o terapeuta vai estar utilizando reforço positivo às aproximações dos comportamentos desejados emitidos pela criança, aumentando-se o grau de exigência gradativamente e à medida que a criança obtém êxitos, até que a criança emita o comportamento desejado, o qual será reforçado por mais um tempo para que seja instalado e mantido no repertório comportamental desta.
Neste tipo de tratamento, pode-se incluir atividades rotineiras caseiras como tomar banho ou alimentar-se, e também comportamentos mais complexos como a aquisição de comportamento de comunicação e interação social.
Esta atuação intensiva, primeiro em ambiente conhecido e estruturado como a casa da criança, e depois podendo-se passar a ambientes e situações diferentes, tem especial importância em intervenções precoces (antes dos 3 anos de idade), pois pode-se atuar de maneira a facilitar a aquisição de comportamentos funcionais e prevenir que comportamentos disfuncionais sejam instalados ou corrigidos com maior facilidade do que se instalados há mais tempo.
Este tipo de tratamento tem um custo econômico elevado, o que na maioria das vezes inviabiliza sua utilização por parte da família. Porém, quando tal tratamento é disponibilizado, a criança obtém grandes avanços , o que compensa a relação custo-benefício. A família assume papel importante neste sentido, cabendo ao terapeuta treinar os pais e demais pessoas que convivem diariamente com a criança para que sejam “terapeutas” auxiliares e dêem continuidade ao programa proposto nas demais horas do dia da criança. Como citam Bagaiolo e Guilhardi (2002, p. 68), as intervenções cognitivo-comportamentais são uma “tecnologia possível de ser transmitida para pessoas do meio social da criança, por exemplo, os pais, capacitando-os a se tornarem, eles próprios, agentes participantes e comprometidos com o processo de mudança de seus filhos”.
2. PECS
O método PECS (Picture Exchange Comunication System), de intercâmbio de imagens, foi elaborado com o intuito de auxiliar as pessoas autistas, de diferentes idades e com dificuldade de comunicação, a poderem expressar, de maneira alternativa, que não usando a fala, aquilo que desejam (Mello, 2003). O material utilizado consiste em cartões com figuras que representam objetos e situações que a criança utiliza para expressar aquilo que deseja. O reforçamento subseqüente, receber aquilo que quer, faz com que o comportamento de utilizar os cartões seja instalado, ampliando o repertório comportamental da criança e servindo de instrumento de comunicação quando a criança não possui o comportamento verbal necessário para interagir com o ambiente.
Esta é uma técnica de baixo custo econômico, que pode (e deve!) ser revista e ampliada sempre que necessário, permitindo à criança com dificuldade de comunicação interagir em diferentes ambientes sociais. Para facilitar seu uso, os pais, ou mesmo o terapeuta, podem construir um álbum de PECS em uma pasta catálogo, que facilita o manejo por parte da criança.
Num primeiro momento, sabendo-se de algo que a criança queira, como um chocolate, por exemplo, um desenho deste é feito, ou então uma figura é recortada e a criança é orientada pelo terapeuta a colocar a figura na mão da pessoa que segura o chocolate, que deve dizer algo como “você quer o chocolate?” e então entrega-o à criança. Na medida que a criança entende que está sendo efetivada uma troca (figura por chocolate), as ajudas vão diminuindo até que ela mesma passe a entregar a figura para receber o que deseja. Em seguida, mais pessoas são inseridas no contexto, para que a criança possa discriminar que diferentes pessoas podem dar aquilo que ela deseja, ocorrendo uma generalização do uso dos PECS. Conforme a criança avança neste sentido, são então inseridas mais imagens de coisas que a criança gosta, porém de maneira gradual, cuidando para que cada novo item seja integrado ao repertório da criança. Esta maneira de interação pode auxiliar para que a criança obtenha aquilo que deseja de maneira calma, solicitando através dos PECS a um adulto, e não simplesmente tentando de maneira inadequada obter aquilo que deseja. Pode-se, em seguida, passar para o uso de frases como “eu quero...”, complementada com a figura daquilo que ela deseja. Um passo adiante consiste em ensinar à criança a diferença entre solicitações e comentários, como “eu tenho”, entre outros.
No entanto, apesar do auxílio prestado por esta técnica, não se deve esquecer que é importante atuar junto à criança autista para que esta adquira um comportamento verbal, o que pode trazer maior independência a ela, porém sempre se respeitando os limites de desenvolvimento de cada criança.
3. Automonitoração
A técnica de automonitoração é citada por Lord (1999) como parte de um programa empregado com um adolescente autista. Porém, para que a pessoa possa se beneficiar deste tipo de técnica é necessário que haja em seu repertório o comportamento de observar a si mesmo e discriminar comportamentos, emoções e pensamentos, o que nem sempre ocorre com os sujeitos autistas. Nem mesmo é útil com crianças pequenas, como assinalam alguns pesquisadores (op. cit., p. 298), pois é necessário estar-se suficientemente treinado para discriminar as mudanças que ocorrem consigo mesmo.
A automonitoração inclui a pessoa aprender a definir seus próprios sentimentos e pensamentos e poder comunicá-los às outras pessoas, o que, via de regra, pode diminuir o comportamento de frustração, de ansiedade e de agressividade que geralmente eclodem quando a criança não se sente compreendida e atendida em suas necessidades. Uma maneira auxiliar para a criança pode ser fixar em algum lugar de fácil acesso à ela um dispositivo, que pode ser em forma de termômetro ou algo semelhante com uma parte não fixa que a criança possa movimentar para indicar estados de humor, sentimentos ou emoções. A partir disto, pode-se estruturar outras intervenções, como dar um descanso quando a criança mostrar-se agitada, ou outra combinação que seja feita. Tal técnica acaba por ser válida para a criança expressar verbal ou gestualmente, ou por meio de PECS, de maneira escrita ou mesmo como acima descrito, seus desejos, necessidades, mudanças em seu humor, sentimentos e idéias, conseguindo com isso um ajuste com o ambiente que resulte mais favorável a ambos.
4. TEACCH
O TEACCH (Treatment and Education of Autistic and related Communication handicapped CHildren) foi legitimado em 1972 no estado da Carolina do Norte, Estados Unidos, tendo como iniciadores Schopler e Reichler, com seu projeto “Child Research Project”, no qual propuseram uma intervenção baseada na atuação de pais como co-terapeutas para o tratamento psicoeducacional das crianças autistas (Vatavuk, 2005).
De acordo com dados da University of North Carolina, o TEACCH não se reduz a uma técnica ou a um método. Ele constitui-se em um programa completo para trabalhar-se com pessoas autistas, podendo ser utilizado em combinação com outros métodos em dependência da necessidade de cada pessoa (Trehin, 2005). A base deste programa não é fundamentalmente behaviorista, mas com certeza as bases cognitivistas e comportamentais são as que melhor se apresentam como úteis, guiando tanto pesquisas como as intervenções no TEACCH.
Este programa objetiva desenvolver na criança autista o treino em habilidades sociais, independência e o ensino de maneira geral dentro de um programa especificamente elaborado para a criança. Este programa individualizado é montado a partir de uma avaliação PER-R (perfil psicoeducacional revisado), levando em conta tanto os pontos fortes como fracos da criança.
A técnica em si baseia-se em criar um ambiente organizado para a criança através de rotinas expostas em quadros, agendas ou murais. A criança após reconhecer onde ficam as atividades relacionadas a ela (pelo nome ou algo, como figura ou posição na sala, que a faça discriminar que aquilo se refere a ela), pode ver através de desenhos ou anotações a atividade que deve realizar e, em seguida, colocá-las em prática. Isto torna o ambiente mais fácil de ser compreendido pela criança, assim como o que se espera que ela faça.
Existem críticas acerca deste programa, mas estudos mencionados por diversos autores (Mello, 2003; Trehin, 2005), ressaltam não só a validade deste, como também a aplicabilidade em diferentes países do mundo. No entanto, este programa não é adotado nas clínicas e consultórios, via de regra, mas geralmente é utilizado por escolas com atendimento de crianças com necessidades especiais, em especial autistas, formando um currículo individualizado para cada criança, no qual cada uma tem seus próprios objetivos a atingir.
5. ABA
O Applied Behavior Analysis (ABA), constitui-se em um estudo científico comportamental que intenta aumentar, diminuir, melhorar, criar ou eliminar comportamentos previamente observados e identificados segundo critérios de funcionalidade para um determinado indivíduo em relação a seu ambiente. A habilidade que ainda não faz parte do repertório da criança é ensinada em etapas, iniciando-se com uma instrução ou indicação do terapeuta. Caso necessário, faz-se uso, por um período de tempo menor possível, de algum apoio externo, como um objeto, por exemplo. A toda resposta correta dada pela criança, é-lhe oferecido algo agradável, que funciona como um reforçador positivo. Sendo utilizado de forma consistente, este reforçador adquire capacidade de fazer com que a criança repita o mesmo comportamento em busca deste. Com o tempo, o reforço deve ser administrado de forma intermitente, passando este comportamento a fazer parte do repertório da criança sem a necessidade do reforço contínuo do mesmo (Mello, 2003).
As condutas negativas, bizarras e mesmo disfuncionais apresentadas pela criança não devem ser reforçadas, podendo ser ignoradas (caso seu antigo reforçador seja a busca de atenção – reforço social), corrigidas ou redirecionadas, buscando-se alternativas de comportamentos funcionais dentro do ambiente social em que a criança vive.
Também este é um método de longa duração e que, portanto, tem alto custo econômico, mas que através de treino e instrução, pais e demais pessoas que convivem com a criança autista podem aprender e utilizar, sendo eles mesmos terapeutas auxiliando na aquisição dos comportamentos funcionais à conduta da criança como um todo.
6. Auto-instrução
A técnica de auto-instrução segue o viés cognitivista, constituindo-se em uma técnica que surgiu com base nos estudos de Luria e Vygotsky (Santacreu, 1999), autores estes que propuseram que o controle do comportamento do ser humano dá-se primeiro pela linguagem externa (fala) para depois passar para a interna (pensamento). Dentro do quadro autista esta técnica pode ser empregada para que a pessoa possa melhor orientar seu próprio comportamento, porém deve-se levar em consideração que como neste quadro o processo de comunicação/linguagem está, na maioria das vezes, prejudicado, esta não se constitui numa técnica de ampla utilização com esta população, estando restrita àquelas pessoas com melhor nível de comunicação. “A técnica consiste em ensinar à criança como orientar seu próprio comportamento, servindo o terapeuta como o modelo a ser seguido pela criança no seu aprendizado” (Sampaio, 2005, p.2). O modelo, a princípio o terapeuta, realiza uma atividade relativamente simples, orientando verbalmente, em voz alta, todos os passos de sua ação. Em seguida, a criança é motivada a realizar a mesma atividade do terapeuta, sendo orientada pela fala deste. Num terceiro momento, a criança é quem assume a responsabilidade de dirigir sua atividade, falando em voz alta os passos que deve seguir para realizá-la (auto-instrução). Em seguida, a mesma atividade é feita com a criança apenas sussurrando a ordem de execução da tarefa (auto-instrução disfarçada), e por último ela deve realizá-la apenas guiando-se por auto-instruções internas.
Este tipo de procedimento pode ser utilizado para a criança aprender a ter maior controle sobre as atividades que precisa realizar, assim como pode fornecer a si mesmo auto-instruções no sentido de controlar seu comportamento agressivo, por exemplo, dizendo a si mesma “tente se controlar, você consegue”.
7. Tentativas discretas
Bagaiolo e Guilhardi (2002), descrevem a técnica comportamental de tentativas discretas, a qual pode ser segmentada em quatro passos de execução. Num primeiro momento, o terapeuta fornece instruções para a criança daquilo que ela necessita realizar. Tais instruções devem ser claras para facilitar seu entendimento e para que possam ser seguidas pela criança orientada. Em seguida, observa-se a conduta emitida pela criança, constatando-se o seguimento ou não da instrução fornecida, e ainda, a possível ocorrência de condutas fora do contexto, como auto agressão ou choro. O terceiro passo constitui-se da consequenciação, ou seja, se a resposta emitida pela criança for correta, disponibiliza-se para ela algo que tem, neste caso, função reforçadora positiva. A ocorrência deste reforço sinaliza para o fato de que, se a criança novamente emitir a conduta reforçada, há grande probabilidade de que ela venha a ser reforçada de novo. Caso a conduta emitida se mostre disfuncional para a situação, como choro, este comportamento pode ser ignorado, especialmente se já se sabe que o mesmo é reforçado e mantido por reforço social na forma de atenção. Caso a resposta dada pela criança seja errada, mas não seja disfuncional, o terapeuta vai auxiliá-la, através de contato físico, como tocar seu braço, para que responda da maneira esperada. Após estes passos, faz-se um breve intervalo, a pausa discreta, dando um espaço de tempo de 3 a 5 segundos entre a consequenciação e a próxima instrução para a criança.
Esta técnica pode ser utilizada para trabalhar com a criança uma série de comportamentos, podendo-se treinar também pais e educadores para auxiliarem no processo de generalização das condutas em outros ambientes, desde que estes se comprometam a seguir à risca as instruções fornecidas pelo terapeuta e exigidas pelo método para sua eficaz contribuição.
Concluindo...
Além destas técnicas, o terapeuta deve atuar de forma a garantir a ocorrência de contingências para a manutenção dos novos comportamentos, as quais devem ser adequadas, presentes e contínuas, sendo que gradualmente o reforço vai sendo retirado, à medida que o comportamento desejado esteja fortalecido e esteja fazendo parte do repertório comportamental da criança. Importante também lembrar que a decisão de que classes de comportamentos é preciso instalar não é arbitrária, mas sim, esta decisão deve estar pautada na possibilidade de ampliação da vivência da criança autista (Bagaiolo e Guilhardi, 2002).
Outro aspecto a se ressaltar é que o terapeuta também deve programar as respostas específicas a serem generalizadas, garantindo que o trabalho clínico seja estendido aos outros contextos da criança. Para isso, um passo importante é ensinar a pais e educadores os manejos adequados que garantam a generalização dos comportamentos aprendidos e que visam à adaptabilidade da criança ao seu ambiente.
Logo, ao terapeuta cognitivo-comportamental cabe estabelecer um estudo observativo dos comportamentos da criança, elencando aqueles que necessitam ser reforçados, daqueles que precisam ser extintos e mesmo instalados, para que haja melhor adaptação da criança autista ao meio social, com possibilidade de desenvolvimento pleno de seus diferentes aspectos, respeitando não só as diferenças entre as demais crianças e aquela com autismo, como também as diferenças encontradas entre as crianças autistas, respeitando-as como seres humanos únicos, levando em consideração que limitações existem, mas que não são estas que devem pautar seu trabalho, e sim a capacidade destas crianças de aprender e se desenvolver caso sejam oferecidas as devidas possibilidades a estas.
Referências
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BALLONE, G. J. Autismo infantil. In: PsiqWeb, Psiquiatria Geral. Disponível em http://www.psiqweb.med.br/infantil/autismo.html . Download realizado em abril de 2005.
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Entrevista Dra. Carla Gikovate

Programa Especial sobre AUTISMO com Fernando Cotta e Carla Gikovate


Edição de 13/11/2007 dedicada ao autismo que contou com a participação de Fernando Cotta, fundador do Movimento Orgulho Autista Brasil, de Brasília. Pai de Fernandinho, ele revela como o fato de ter um filho autista foi determinante para a criação do movimento, que promove palestras e grupos de discussão sobre o tema, além de dar informações às pessoas que possuem parentes ou amigos com autismo. Para aprofundar o assunto, Juliana Oliveira (apresentadora) entrevista a neurologista infantil Carla Gikovate, que explica como o autismo é desenvolvido nas crianças, as principais características e a melhor forma de lidar com esta deficiência.

TVE - Edição de 13/11/2007 — www.tvebrasil.com.br/programaespecial

Transcrição da entrevista de Carla Gikovate no programa especial para Juliana Oliveira.

Juliana : Quem está aqui ao meu lado é a Carla Gikovate. Ela é neurologista e mestra em psicologia. A Carla é especialista em atender o autismo. Carla, eu queria que você descrevesse para a gente o conceito de autismo.

Carla: O autismo é definido como um conjunto de comportamentos. Seriam pessoas que têm dificuldade de comunicação, para falar, ou para se comunicar, ou para manter um diálogo. Existiria uma dificuldade social, que pode ir desde um isolamento completo até uma dificuldade sutil, para uma piada, para uma brincadeira, levar tudo ao pé da letra. E existe uma tendência a repetição, ser metódico, a ter um assunto preferido, assim, muito vinculado a um determinado assunto. Esse tripé: a dificuldade social, de comunicação e de linguagem, é o que compõe o diagnóstico de autismo. E tem os diferentes graus, graus mais severos e graus mais leves.

Juliana: Fala um pouco sobre essa diferença de graus.

Carla: Você tem, assim, desde um autista que não fala, que tem um isolamento social muito importante, manias a ponto de ficar num cantinho fazendo aqueles movimentos de troco, que é o que todo mundo mais se lembra do autismo, até autistas com nível superior, casados, quer dizer, pessoas que têm dificuldade para entender numa cena, uma situação, o que o outro está pensando, o que o outro está sentindo, pessoas que tem ainda, apesar de ter um bom funcionamento, uma tendência a repetição e a ser muito metódico. Então, os graus vão desde o isolamento social quase completo até uma pessoa que é inábil socialmente. E da mesma maneira, desde uma pessoa que não fala até uma pessoa que tem dificuldades com sutileza de linguagem, como uma piada ou uma metáfora.

Juliana: E como os pais podem perceber que o seu filho tem autismo e iniciar um tratamento para isso?

Carla: Você tem crianças que desde bebê pequeno já tem alguns sintomas de autismo. Quer dizer, não olha bem para o olho da mãe, na idade de começar a apontar, que é ao redor de 12 meses, não apontam, não dão tchau, não mandam beijos, aquelas brincadeira de neném, de você falar e quando você parar de falar o neném fazer um barulhinho. Esses são os sinais mais precoces. Setenta por cento das crianças já têm esses sinais de que vão ter algum grau de autismo, no primeiro ano de vida. Mas, você tem 30% das crianças que vão sem nenhuma dificuldade nos primeiros 18 meses de vida e depois começam a perder algumas palavrinhas que já falavam, começam a perder o seu contato social que tinham, param de apontar, param de dar tchau. Então esses são os sinais precoces, pode ou nascer com eles ou desenvolver de 18 meses para frente. Pode ser que isso represente duas situações biológicas diferentes. Pode ser que signifique a mesma coisa, mas que por algum motivo houve uma quebra no desenvolvimento. Essas respostas a gente ainda não tem.

Juliana: O autismo tem uma causa específica?

Carla: Provavelmente, tem múltiplas causas. Quer dizer, dentro de um grupo grande de pessoas com autismo, tem algumas que podem ter origem genética, algumas que podem ter origem em algum tipo de infecção na gravidez, algumas podem ter algum tipo de relação com virose na primeira infância. Mas, não vai sair como uma causa. Como é uma síndrome de comportamentos que varia em grau e severidade, provavelmente, você vai encontrar várias causas. E estão começando a serem mapeadas melhor, essas causas.

Juliana: E uma vez diagnosticado, qual o tratamento recomendado?

Carla: O tratamento, é um tratamento voltado para onde estão as dificuldades. Então, se você tem dificuldade de comunicação, é um tratamento onde você vai tentar encontrar as vias para aumentar a comunicação. Então,uma criança de um ano e meio que não aponta, a gente vai ensinar a apontar, vai ensinar a imitar. Quer dizer, uma criança com desenvolvimento típico, a gente não ensina a imitar, ela já nasce sabendo. A gente abre a boca, o bebê abre a boca imitando. Você tem crianças com autismo que ainda não tem a possibilidade de imitar, só que todo aprendizado social ele se dá por imitação. A gente aprende a falar por imitação, a gente aprende os gestos que na nossa sociedade se usa, cumprimentar, mandar um beijo, socialmente, é através da imitação. Então, a base de tratamento de autismo de uma criança pequena é ensinar a imitar, ensinar a função da comunicação, quer dizer, o prazer de brincar, o prazer de brincar usando a imaginação, que é uma coisa que eles também têm dificuldade. Cada faixa etária, cada momento existem prioridades diferentes. Se você já está numa fase onde a criança já fala, já está alfabetizada, aí as suas prioridades são outras. Talvez a interpretação das entrelinhas sociais, o que quis dizer aquela situação lá, "A pessoa falou aquilo porquê?". Ela falou que você entregou um presente e a criança disse assim: "Esse eu já tenho." Aí, você ensina: "A gente não diz isso porque senão o outro vai ficar triste com aquela situação." Então, existe um ensinamento de prioridades, dependendo da faixa etária e do grau do autismo.

Juliana: E que profissional é esse que vai tratar o autismo?

Carla: Tem diferentes profissionais que podem ser úteis, cada um na sua situação. O importante é ser um profissional que goste e que tenha uma relativa especialização nisso. Porque é uma situação que demanda conhecimentos específicos do autismo para saber o que fazer. Então, pode ser um psicólogo, pode ser uma fonoaudióloga, pode ser uma terapeuta ocupacional. O importante é que seja alguém que conheça como se dá o tratamento do autismo.

Juliana: Carla, a gente sabe que a estimulação precoce, ou seja, quanto antes iniciar o tratamento melhor. No caso do autismo, se a criança iniciar um tratamento cedo, isso faz diferença no desenvolvimento do grau de severidade do autismo?

Carla: Completamente. Então, na verdade, você pode pegar uma criança de dois anos que parece ter um quadro muito severo, que não tem contato, que não olha no olho, que não aponta, que não emite nenhum som, que ignora, parece ser surdo quando você fala, mas com uma intervenção, nada impede que esse autista se transforme num autista bem leve. E, hoje em dia, a gente sabe que tem um pequeno percentual das crianças com quadro de autismo que saem completamente do quadro do autismo. Essa estatística é entre 7 e 12% das crianças, com diagnóstico com autismo nos dois primeiros anos de vida. Se você fizer uma intervenção, bem feita, esse percentual sai completamente do quadro.

Juliana: O que você diria para uma família que tem um autista?

Carla: Olha, a primeira coisa que eu diria, isso não foi causado por vocês, não tem nada que vocês poderiam ter feito para evitar, nem nada do que vocês fizeram causou essa situação. Porque isso ainda, apesar de cientificamente não ter nenhuma base, ainda é usado que o autismo foi causado por um trauma, por uma questão familiar. Então, primeiro, não se sinta culpado, pelo contrário. Quer dizer, você é uma pessoa muito valiosa, que tem que conduzir uma situação muito difícil, muito pesada no dia-a-dia. É muito frustrante especificamente no autismo, essa falta de troca. Que ,às vezes, você tem um empenho enorme, anos a fio de empenho afetivo, que é um empenho afetivo que nem sempre você tem esse retorno afetivo na mesma medida. Quer dizer, o sonho, da maior parte das mães de autista, é um dia a criança olhar e falar assim: "Você é minha mãe. Eu te reconheço como minha mãe. Eu amo você como minha mãe." E, nem sempre isso chega e isso é muito duro. Mas, apesar disso, são pessoas bem cuidadas, amadas, que em alguma medida, mesmo que não tenham essa possibilidade de verbalizar isso, se sentem acolhidas, se sentem queridas nas suas famílias.

Juliana: E como a gente pode incluir o autista na sociedade?

Carla: É claro que isso depende do grau de autismo e também da faixa etária. Então, se a gente imaginar uma criança de baixa idade, dois, três, quatro anos, com autismo, é viável incluí-la numa escola regular. Muitas vezes, a gente usa um acompanhante para poder fazer com que esse contato, um para um e trazer essa criança para o grupo, aconteça de verdade. Com o passar do tempo, vamos supor, uma criança com oito, dez anos de idade que ainda não fala, vai ficando mais difícil a inclusão dela numa escola regular. Porque na faixa etária dela, as crianças já vão estar alfabetizadas, o currículo de uma sala de aula já muito sentado numa cadeira, às vezes ela não consegue. Aí, chega em alguns momentos, a situação, de você reavaliar: "Não, a gente fez todo o programa possível, até uma determinada idade, para que essa criança fosse incluída numa escola regular." Ás vezes, chega um momento de você entender que o melhor para aquela criança é ir para uma instituição especializada. Onde você tem técnicas específicas para você tentar realizar uma comunicação, seja falando ou através de cartões. Você tem métodos que você usa figuras para que a criança possa dizer o que ela quer. E depois, vamos colocar uma outra faixa etária, ela cresceu e você tem aquele percentual, você tem uma fatia das pessoas com autismo que chega a 25%, que nunca vão se tornar verbais. E aí, chega a um momento que você tem um adulto, uma pessoa de 20, 25, 30 anos com um autismo que ainda não fala, a maneira de incluir, ela é totalmente diferente do que seria para uma criança de dois anos. E aí, você pode imaginar que seja interessante esses pais se associarem, criarem grupo de pais, onde você tem atividades e possibilidades. Vamos supor, uma atividade num clube onde você possa usar uma piscina, onde esses adultos com autismo possam participar. E as famílias também teriam a oportunidade de ter uma vida social entre elas, trocar idéias. É uma situação muito difícil, muito pesada no dia-a-dia, muito solitário. Às vezes, essa inclusão social de um autista grave e adulto, passa muito mais pelos pais se agruparem por criarem associações de pais onde essas pessoas possam ter um bom convívio e as famílias terem uma qualidade de vida menos isolada. Porque é uma situação que isola muito as próprias famílias. O autismo não é uma coisa rara. Hoje em dia, as estatísticas de outros países, a gente aqui não tem uma estatística tão bem desenhada e reafirmada, chega que 1% da população mundial tem algum grau de autismo e as pessoas não conhecem. A criança com autismo joga água em alguém ou faz alguma coisa que parece mal criada, muitas vezes eles vão ouvir declarações enormes de outros pais de como eles não souberam educar os seus filhos. Então, eu acho que numa situação onde te constrangem te dizendo que você que educou mal, é muito correto dizer: "Olha, não é uma questão de educação, ele tem autismo. Poderia ter acontecido na sua casa, como aconteceu na minha."

Juliana: Então, o que você diria para essa sociedade, para receber melhor o autista?

Carla: Eu acho que deve existir um encontro entre você trabalhar o autista para que ele se dirija em direção a expectativa da nossa sociedade e acho que a nossa sociedade tem que conhecer um pouco do que se passa na maneira de funcionar, ver e viver no autismo para que suavize esse convívio.

Juliana: Carla, toda vez que a gente fala sobre autismo, no Programa, a repercussão é muito grande. A gente sente que as pessoas querem saber mais sobre esse assunto. Quem quiser falar mais sobre o autismo, saber mais informações, como pode fazer?

Carla: Tem um site que eu fizer para isso, quer dizer, para gerar informação e tem vários links também, que é o: www.carlagikovate.com.br. Uti

O espectro autístico

Mas o fundamental é perceber que todo o espectro tem em comum o tripé de sintomas descrito abaixo.

Os perigos da superproteção

Os perigos da superproteção.

Todos sabemos que o sentimento de proteção à sua cria é inerente à maioria das espécies do reino animal.

A proteção ao filhote é instintiva, ela se manifesta nas situações de perigo, de risco, na manutenção da sobrevivência. Transportando este sentimento de proteção para a raça humana, tão indefesa na tenra idade, esperasse dos pais que eles afastem o perigo iminente, alertem sobre os riscos de sua incidência e, por vezes, apontem o caminho que entendam mais seguro.

Em outras palavras, preparem os seus filhos para a vida, para serem independentes, para seguirem seus caminhos e suas escolhas. Creio que isso é o certo a se fazer. O mais saudável.

Mas nem sempre é assim, principalmente quando um de nossos filhos, em razão de alguma questão, necessita de cuidados especiais. Ai toda lógica vai para o espaço, o sentimento que deveria ser de proteção e de preparo para a vida, se potencializa. Você quer antecipar tudo para que nada aconteça diante das dificuldades que seu filho já enfrenta.

Eu me coloco nesta categoria de super protetora. Sem nenhum pudor, visto a minha capa de heroína onipresente, tento antever os perigos que nem existem e saiu atropelando tudo. Não tenho limite mesmo, jogo sujo, “por debaixo do pano”, tento comprar tudo e todos para que minha cria não tenha que enfrentar mais dificuldades.

Uma vez eu fui chamada pela Coordenadora pedagógica para uma conversa na qual ela me pedia, em resumo, para que eu fizesse menos pela minha filha porque eu não a estava deixando crescer e ter suas próprias experiências, amadurecer. Eu confesso que cheguei a corromper crianças de 5 anos, eu disse 5 anos, com presentes, balas e chocolates para que não maltratassem minha filha, situação que sequer existia, loucura, exagero, não é ?!
Mas este é o perigo da superproteção, a falta de limites.

Ficamos cegos e surdos. A razão passa ao largo.

Eu sai dessa reunião morrendo de raiva contida, sentei no meu carro e chorei copiosamente. Quem era aquela mulher para dizer que eu devia amar menos minha filha? O que ela sabe das suas reais fragilidades e dificuldades. Eu poderia dar uma aula sobre o assunto, bibliografia completa e tudo.

Passada a fase da indignação que durou um bom tempo, lampejos de razão me fizeram ponderar que a Coordenadora em momento algum disse para eu amar menos minha filha. Quem diria uma coisa dessas, só a cegueira da superproteção poderia deduzir tamanho absurdo.
O que ela sensatamente aconselhou, é que eu parasse de tentar protegê-la demais, porque eu a estava sufocando, atrasando seu desenvolvimento e tornando-a cada vez mais despreparada para seguir a vida sem mim.

Infelizmente, falta à eternidade, não temos garantias e o tempo não para, principalmente para aqueles que têm filhos com questões especiais. É uma corrida insana para deixá-los os mais preparados possíveis para viver sem nós. E ai eu tenho que concordar que os excessos da superproteção só atrapalham.

A partir do momento que eu tomei consciência desses fatos, começou em mim um processo para me libertar das amaras da superproteção. Esta mudança de atitude não é fácil. A minha melhora tem sido a conta gotas. Mas todos já visualizaram grande ganho na minha filha: independência, amadurecimento, melhora no convívio social.

Todo dia eu sofro para deixá-la seguir seu caminho sem que eu atropele as coisas. Eu fico repetindo um mantra: “Eu não posso viver a vida dela por ela”. Ela vai errar, vai cair, mas vai se fortalecer com isso.

Não vou dizer para vocês que não tenho recaídas. Outro dia, conversando com a mediadora a respeito das possíveis dificuldades na época do vestibular e faculdade, antecipando um futuro tão longínquo, pois ela só tem 10 anos de idade e ainda esta cursando o ensino fundamental, eu disse categoricamente: “Não haverá problemas, se preciso eu compro uma vaga para ela.” Olha a recaída e os excessos da superproteção voltando à tona.

Confesso que vou passar a vida lutando contra os perigos da minha mente super protetora e pelo bem de todos espero conseguir.


Roberta Haude

Inclusão escolar e o hiato que vivemos...


Para quem tem filhos, a temporada de matrículas, pré-matrícula, entrevistas, avaliações pedagógicas, provas para conseguir uma vaga,  é um período que muitas vezes eleva a ansiedade das crianças e de seus pais a níveis estressantes.

Na maioria dos casos a escolha da Instituição de ensino gira em torno de critérios gerais, tais como, custo da mensalidade, método de ensino, oferta de atividades extracurriculares e localização. Para outras famílias, contudo, estas questões são meramente secundárias porque elas estão preocupadas com algo bem mais vital e complexo como a aceitação, o acolhimento de filhos que, por razões de natureza neuro-cognitivas ou psicomotoras, encontram-se em uma lacuna entre o desenvolvimento dito “normal” e aqueles que tem pouca ou nenhuma chance de se desenvolverem pelas propostas regulares de ensino.

Aos primeiros o universo ilimitado das escolhas, aos últimos, ainda que em menor escala, a possibilidade das escolas especiais. E o que fazem as famílias cujo filho encontra-se no meio deste caminho? Onde encaixar o cada vez mais numeroso grupo de crianças com transtornos de ansiedade, déficit de atenção, hiper-atividade, bipolaridade, dislexia, dificuldades motoras que a maioria das escolas friamente rejeitam?

Por terem a sua capacidade cognitiva preservada, elas são capazes de se desenvolverem, mesmo que para isso necessitem de uma forma ou um tempo pouco diferenciado, motivo pelo qual não se enquadrariam nas propostas específicas das Escolas Especiais.

Geralmente, estas crianças necessitam muito mais de acolhimento, boa vontade e comprometimento do que grandes mudanças pedagógicas. Por vezes, basta proporcionar adaptações como uma formatação individualizada dos textos a serem estudados, a liberdade de escrever com o tipo de letra que lhe seja mais fácil, um tempo próprio para entrega dos trabalhos, em certos casos a aceitação de uma mediadora profissional em sala de aula ou basta apenas permitir que este aluno realize seus exames individualmente, em sala separada para que não haja comprometimento de seu nível de atenção e o problema da inadequação estaria resolvido.

Mas, para isso é preciso uma dose de boa vontade e a realidade que encontramos é a da rejeição sustentada pela criação de dificuldades levantadas como intransponíveis e alimentadas pelo preconceito e pelo comodismo daqueles que, investidos da nobre função de educar, se apresentam exclusivamente como administradores de um negócio cujo objetivo se restringe unicamente a números e lucros.

O renomado educador Daniel Pennac, nascido no Marrocos, professor de língua Francesa em Paris e autor de diversas obras sobre educação e pedagogia, dedica sua longa vida profissional a resgatar estes desvios de padrão que, como ele próprio, são muitas vezes levados a acreditar serem lerdos e incapazes, mas que segundo ele, necessitam sobre tudo de acolhimento por parte do sistema educacional, cabendo ao professor, como quem cuida de pássaros, reanimá-las, cuidar delas e pô-las a voar novamente, desta vez direto rumo a seu futuro (Diário de Escola, pág.235/236 – Ed. Rocco).

A princípio, é muito mais fácil trabalhar o universo do lugar comum. O novo, o diferente, desafia, assusta, por vezes, expõem nossas deficiências, em contrapartida, nos faz repensar valores pré-estabelecidos, ver por ângulos inimagináveis, quem sabe, evoluir.

A história da humanidade esta repleta de casos que computam à genialidade dos considerados inadequados, loucos e diferentes, boa parte da responsabilidade pelo estágio evolutivo em que nos encontramos. Ressalte-se que estes cérebros costumam apresentar aptidões especiais que lhes conferem habilidades intelectuais não alcansáveis pelas pessoas ditas normais. É da mente desses desvios de padrão que por vezes saem soluções para as grandes questões científicas que nos assombram ou que artisticamente mudam os padrões culturais de sociedades.

Outro fato que podemos observar também é o aumento considerável desses casos nos últimos tempos, conseqüência talvez dos efeitos da vida moderna ou quem sabe seja a mente humana entrando em uma fase de mudança evolutiva. Atualmente, difícil alguém que não convive ou conhece alguém que tenha em sua família crianças nessa situação.

Concluímos, então, que, num mundo globalizado, impossível não se deparar com essas realidades, que impõe a necessidade de nos prepararmos para lidar com elas a qualquer tempo, auxiliando, acolhendo, tirando ensinamentos valiosos para nossa vida pessoal, profissional e social. Lapidando-nos como pessoas antenadas com o nosso tempo.

Feliz aquele que em sua formação educacional tem ou teve oportunidade de conviver com essas diferenças, gerenciar, crescer com elas, no mínimo se tornarão cidadãos socialmente mais preparados.

A pergunta que fica se dirige a grande maioria das Instituições de Ensino. O que falta para que se apercebam desta realidade?! Não duvidem que este já é um diferencial, um requisito importante para que muitos pais optem por escolher esta ou aquela Escola para educar seus filhos.


Roberta Haude

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