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Craque dentro e fora dos gramados |
Foi em setembro de 2010 que comecei a perceber que algo estava errado.
Olhando agendas antigas, achei um recado para mim no dia 12 de setembro
de 2010: "Procurar fono para o Luca". Claro, autismo ainda não passava
pela minha cabeça. Essa palavra só fez parte dos meus pensamentos um mês
depois, por acaso, quando estávamos em uma consulta despretenciosa, com
uma ortopedista, para ver a perna do Luquinha, que era meio arqueada.
Nosso
"Garrinchinha" entrou no consultório todo marrento, perna torta, pinta
de boleiro... A médica ofereceu um pirulito. Ele aceitou e se sentou na
cadeira, sem fazer um som ou olhar para ela. Mas, esse "sinal autístico"
eu só sou capaz de ver agora. Naquela época, eu estava, sim, incomodada
com o vocabulário quase nulo do meu filhote, mas ainda achava que "cada
criança tem seu tempo" e blá, blá, blá...
Sentados, eu e Luca,
de frente para a médica, ela olha para ele e pergunta: "Qual o seu nome,
menino bonito?" Diante do silêncio incômodo, eu mesma respondo: "Luca".
Ela olha para mim com um ar de reprovação, tipo: "Não foi para você que
eu perguntei, mãe ansiosa e estressada!".
A
médica olha novamente para ele e continua": "Qual a sua idade, Luca?"
Novo silêncio e novamente eu perco a paciência e respondo: "Dois anos e
três meses". A médica me lança outro olhar mortal, deixa o fair-play de
lado e faz logo uma falta, sem bola, na cara do juiz, dentro da pequena
área: "Deixa ele falar, mãe. Desse jeito o garoto não vai falar nunca
mesmo, poxa!"
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Perninhas arqueadas! |
Mudo de assunto e pergunto sobre a perna do Luca, tipo "Podemos
começar a consulta?" Estava irritada por ter de dar explicações (sem
tê-las) sobre o porquê do meu filho – que já deveria estar falando pelos
cotovelos – ainda não falar. Ela pede para o Luca ficar de pé, faz ele
andar, olha de trás, de frente, e em 30 segundos diz: "Mãe, se até os 3
anos, a perna não desarquear, a gente vê o que faz. Por enquanto, tá
normal".
Antes de sair, ela ofereceu outro pirulito ao Luca.
Agachou, ficou na altura dele. Luca a ignorou completamente. Pegou o
pirulito e não deu sequer um olhar de agradecimento. Novamente, só
percebo essa atitude de isolamento social agora. Para mim, ele só estava
louco para sair do consultório. E, cá entre nós, eu também! Peguei a
bolsa, me levantei e, na porta, a ortopedista diz a frase que deu início
ao tsunami que botou meu mundo de cabeça para baixo: "Mãe, achei o
olhar dele um pouco perdido. Seria bom procurar um neurologista". Em
seguida, me deu o telefone de uma neurologista. Agradeci, joguei o papel
com o número em qualquer lugar da minha bolsa e fui embora irritada,
incomodada com alguma coisa. Hoje vejo que o que me irritou foi ela
tocar em uma ferida que, talvez, inconscientemente, eu não quisesse
mexer.