Os diagnósticos evoluíram, mas são poucos os tratamentos eficazes. Pais recorrem a terapias
alternativas suspeitas e, com frequência, arriscadas
por Nancy Shute
QUANDO SE DIAGNOSTICOU AUTISMO em Benjamin, seu primogênito, Jim Laidler e sua esposa
começaram a buscar ajuda. “Os neurologistas diziam: 'Não sabemos as razões para o autismo
nem quais serão as consequências para seu filho'”, relata Laidler. “Ninguém dizia: 'Essas
são as causas; esses, os tratamentos'.”
Mas, ao pesquisarem na internet, os Laidlers, moradores de Portland, no estado americano de
Oregon, encontraram dúzias de tratamentos “biomédicos” que prometiam amenizar ou mesmo
curar a incapacidade de Benjamin de falar, interagir socialmente ou controlar seus
movimentos. E, assim, os Laidlers testaram essas terapias em seus fi lhos; começaram com
vitamina B6 e magnésio, dimetilglicina e trimetilglicina – suplementos nutricionais –,
vitamina A, dietas livres de glúten e caseína, secretina – hormônio envolvido na digestão –
e quelação, terapia medicamentosa destinada a eliminar chumbo e mercúrio presentes no
organismo. Aplicaram esses supostos tratamentos a David, irmão caçula de Benjamim, também
diagnosticado com autismo. A quelação não pareceu ser de muita ajuda. Foi difícil perceber
qualquer efeito decorrente da secretina. As dietas trouxeram esperança; para onde fossem,
os Laidlers carregavam a própria comida. E Papai e Mamãe continuaram a alimentar os garotos
com inúmeros suplementos, modifi cando as doses de acordo com cada alteração
comportamental.
O primeiro sinal de fracasso dessas experiências veio quando a mulher de Laidler, cada vez
mais cética, interrompeu a administração dos suplementos a Benjamin. Ela esperou dois meses
para revelar esse segredo ao marido. Seu silêncio chegou ao fi m quando Benjamin, em uma
viagem da família à Disneylândia, pegou um waffl e de cima de um bufê e o devorou. Os pais
observaram a cena horrorizados, convencidos de que o garoto teria uma regressão do quadro
no mesmo instante em que sua dieta restrita fosse interrompida. Mas isso não aconteceu.
Jim Laidler tinha o dever de saber disso: é anestesista. Desde o começo, estava ciente de
que os tratamentos usados em seus fi lhos não passaram por testes clínicos aleatórios,
o padrão-ouro para terapias médicas. “No princípio, tentei resistir”, justifi ca. Mas a
esperança venceu o ceticismo.
Todos os anos, centenas de milhares de pais sucumbem à mesma tentação de encontrar algo
capaz de aliviar os sintomas de seus sofridos fi lhos e fi lhas: ausência de fala ou
comunicação, interações sociais ineptas, comportamentos repetitivos ou restritos, como
bater palmas ou fi xar-se em um objeto. De acordo com alguns estudos, quase 75% das
crianças autistas recebem tratamentos “alternativos” não desenvolvidos pela medicina
convencional. Além disso, essas terapias frequentemente são enganosas; não passam por
testes de segurança ou efi cácia, podem ser caras e, em alguns casos, produzir danos.
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SEM CAUSA, SEM CURA
AUMENTA MUITO A DEMANDA PARA O TRATAMENTO DE AUTISMO, pois mais crianças estão sendo
diagnosticadas sob critérios cada vez mais amplos. No início dos anos 1970, quando o
autismo era conhecido como “psicose infantil” – mistura de défi cits sociais e defi ciência
mental –, considerava-se essa condição rara. Os pediatras recomendavam aos pais já afl itos
de uma criança de 8 meses que, por exemplo, não fazia contato ocular que “dessem tempo ao
tempo”.
Estudos indicavam, nos Estados Unidos, que cerca de 5 crianças em 10 mil apresentavam
autismo, mas essa proporção aumentou quando os médicos redefi niram a condição como
transtorno do espectro autista, que inclui sintomas mais leves. Com a publicação, em 1994,
da versão atualizada da bíblia da psiquiatria, o Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders, conhecido como DSM, incluíram-se a síndrome de Asperger – condição
altamente incapacitante, popularizada pelo fi lme Rain Man – e um grupo abrangente,
denominado “transtornos invasivos do desenvolvimento, sem outra especifi cação”. Os médicos
também começaram a perceber os benefícios do diagnóstico e tratamento precoces. Em 2007, a
Academia Americana de Pediatras recomendava a avaliação universal para autismo de todas as
crianças entre 18 e 24 meses. Nessa época, a taxa de incidência de autismo disparou para 1
em 110 crianças.
É controverso dizer que diagnósticos mais sofi sticados refl etem um aumento real dos
casos, pois pouco se sabe sobre as causas desse problema. “Na grande maioria dos portadores
de autismo, não conseguimos identifi car nenhum fator genético claro”, indigna-se David
Amaral, diretor de pesquisa do Instituto Mind, ligado à University of California em Davis,
e presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa do Autismo. Não há biomarcadores
disponíveis para indicar as crianças sob risco nem para aferir a efi cácia dos tratamentos.
O conjunto mais substancial de pesquisa está relacionado às intervenções comportamentais
destinadas a ensinar interação social e comunicação, que parecem ajudar de várias formas
algumas crianças.
A falta de terapias empiricamente comprovadas torna mais fácil “vender a esperança”,
trabalho dos vendedores de tratamentos não testados. “O que se tem é uma combinação de
pseudociência e fraude”, considera Stephen Barrett, psiquiatra aposentado de Chapel Hill,
na Carolina do Norte, que escreve sobre terapias médicas duvidosas em seu site
Quackwatch.com. “Os pais estão sob grande estresse. E querem ajudar muito seus fi lhos a
melhorar. Com o tempo, percebem uma recuperação, mas dão créditos às coisas erradas.” Esses
ganhos não são decorrentes do “tratamento”, elucida o psiquiatra, mas do desenvolvimento da
criança com o passar dos anos.
Proliferam na internet os vendedores de fórmulas mágicas. Um site afi rma que os pais podem
“combater o autismo de seus fi lhos” ao comprar um livro de US$ 299; outro veicula um vídeo
de “uma menina autista que apresenta melhoras após receber injeções de células- tronco”.
Muitos pais confessam obter informações da internet e, segundo o cientista associado do
Centro de Estudo Infantil de Yale, Brian Reichow, “vários deles se baseiam em relatos
fantasiosos, amigos ou outros parentes”. “Quando se trata de autismo, a pesquisa não
sobrepujou os tratamentos.”
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AUMENTA MUITO A DEMANDA PARA O TRATAMENTO DE AUTISMO, pois mais crianças estão sendo
diagnosticadas sob critérios cada vez mais amplos. No início dos anos 1970, quando o
autismo era conhecido como “psicose infantil” – mistura de défi cits sociais e defi ciência
mental –, considerava-se essa condição rara. Os pediatras recomendavam aos pais já afl itos
de uma criança de 8 meses que, por exemplo, não fazia contato ocular que “dessem tempo ao
tempo”.
Estudos indicavam, nos Estados Unidos, que cerca de 5 crianças em 10 mil apresentavam
autismo, mas essa proporção aumentou quando os médicos redefi niram a condição como
transtorno do espectro autista, que inclui sintomas mais leves. Com a publicação, em 1994,
da versão atualizada da bíblia da psiquiatria, o Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders, conhecido como DSM, incluíram-se a síndrome de Asperger – condição
altamente incapacitante, popularizada pelo fi lme Rain Man – e um grupo abrangente,
denominado “transtornos invasivos do desenvolvimento, sem outra especifi cação”. Os médicos
também começaram a perceber os benefícios do diagnóstico e tratamento precoces. Em 2007, a
Academia Americana de Pediatras recomendava a avaliação universal para autismo de todas as
crianças entre 18 e 24 meses. Nessa época, a taxa de incidência de autismo disparou para 1
em 110 crianças.
É controverso dizer que diagnósticos mais sofi sticados refl etem um aumento real dos
casos, pois pouco se sabe sobre as causas desse problema. “Na grande maioria dos portadores
de autismo, não conseguimos identifi car nenhum fator genético claro”, indigna-se David
Amaral, diretor de pesquisa do Instituto Mind, ligado à University of California em Davis,
e presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa do Autismo. Não há biomarcadores
disponíveis para indicar as crianças sob risco nem para aferir a efi cácia dos tratamentos.
O conjunto mais substancial de pesquisa está relacionado às intervenções comportamentais
destinadas a ensinar interação social e comunicação, que parecem ajudar de várias formas
algumas crianças.
A falta de terapias empiricamente comprovadas torna mais fácil “vender a esperança”,
trabalho dos vendedores de tratamentos não testados. “O que se tem é uma combinação de
pseudociência e fraude”, considera Stephen Barrett, psiquiatra aposentado de Chapel Hill,
na Carolina do Norte, que escreve sobre terapias médicas duvidosas em seu site
Quackwatch.com. “Os pais estão sob grande estresse. E querem ajudar muito seus fi lhos a
melhorar. Com o tempo, percebem uma recuperação, mas dão créditos às coisas erradas.” Esses
ganhos não são decorrentes do “tratamento”, elucida o psiquiatra, mas do desenvolvimento da
criança com o passar dos anos.
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Proliferam na internet os vendedores de fórmulas mágicas. Um site afi rma que os pais podem
“combater o autismo de seus fi lhos” ao comprar um livro de US$ 299; outro veicula um vídeo
de “uma menina autista que apresenta melhoras após receber injeções de células- tronco”.
Muitos pais confessam obter informações da internet e, segundo o cientista associado do
Centro de Estudo Infantil de Yale, Brian Reichow, “vários deles se baseiam em relatos
fantasiosos, amigos ou outros parentes”. “Quando se trata de autismo, a pesquisa não
sobrepujou os tratamentos.”
Ter esperança também não custa barato. Tratamentos alternativos, como a câmara hiperbárica
de oxigênio (empregada para reverter a doença da descompressão), que eleva por algum tempo
os níveis de oxigênio sanguíneo, custam US$ 100 por hora ou mais, com uma ou duas sessões
de uma hora recomendadas diariamente. As terapias de integração sensorial – que podem
variar de envolver a criança em cobertores ou acomodá-la em uma máquina de abraçar para
brincar com massas de modelar aromatizadas – podem custar até US$ 200 a hora. Os
prestadores desses serviços chegam a cobrar US$ 800 a hora por uma consulta e milhares a
mais por vitaminas, suplementos e exames laboratoriais. Pais sob monitoramento contínuo da
Rede Interativa de Autismo, ligada ao Instituto Kennedy Krieger de Baltimore, relatam
gastar uma média de US$ 500 mensais. O único tratamento para autismo que provou ser algo
efi caz – a terapia do comportamento – pode também ser o mais caro, pelo menos US$ 33 mil
anuais. Embora esses custos geralmente sejam cobertos por programas governamentais de
intervenção precoce e pelas redes de escolas públicas, pode ser longa a espera por serviços
e avaliações gratuitos. Dito isso, os custos médicos e não médicos do autismo crescem a uma
média de US$ 72 mil ao ano, de acordo com a Escola de Saúde Pública de Harvard.
POÇÕES MÁGICAS
A NÃO COMPROVAÇÃO DOS TRATAMENTOS se estende às medicações. Alguns
médicos prescrevem drogas aprovadas para outras doenças. Os compostos incluem Lupron –
bloqueador da produção orgânica de testosterona (nos homens) e estrogênio (nas mulheres) –,
usado para tratar câncer de próstata e “castrar quimicamente” estupradores. Os médicos
também receitam Actos, medicamento utilizado na diabetes, e imunoglobulina G intravenosa,
geralmente administrada em pacientes com leucemia e aids pediátrica. Todas as três
medicações têm graves efeitos colaterais, e sua efi cácia e segurança no combate ao autismo
nunca foram testadas.
Outra terapia médica reconhecida que se transformou em “cura” para o autismo é a quelação,
principal tratamento para intoxicação por chumbo. A droga converte chumbo, mercúrio e
outros metais em compostos quimicamente inertes, que podem ser excretados pelo corpo via
urina. Algumas pessoas acreditam que a exposição a esses metais, em particular o
metilmercúrio (usado como conservante em vacinas), pode levar ao autismo, mesmo que nenhum
estudo tenha demonstrado essa ligação. Na verdade, a taxa de diagnóstico de autismo
continuou a crescer após a retirada do metilmercúrio da maioria das vacinas, em 2001. A
quelação pode provocar insufi ciência renal, especialmente na forma intravenosa, a mais
indicada para o autismo. Em 2005, um menino autista de 5 anos morreu, na Pensilvânia, após
receber a quelação intravenosa.
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Em 2006, uma preocupação com esse quadro levou o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês) a anunciar planos para a realização de experimentos de quelação controlados aleatoriamente para autismo. Mas o Instituto engavetou o estudo em 2008, pois os pesquisadores não conseguiram encontrar “uma evidência clara de benefício direto”, e o tratamento colocava as crianças em um “risco superior ao mínimo”. Em parte, o receio dos cientistas do Instituto surgiu de estudos laboratoriais demonstrando problemas cognitivos em ratos que receberam a quelação e não apresentavam intoxicação por metais. “Não acho que alguém tinha muita fé nesse tratamento como a solução para um grande número de crianças”, adverte o diretor do NIMH, Thomas R. Insel. Seus pesquisadores, acrescenta, estão “mais interessados em testar medicamentos que apresentem uma base mecânica”.
Como era de esperar, o cancelamento do estudo alimentou acusações de que a Grande Ciência ignorava as terapias alternativas. Sempre se injetou mais dinheiro para descobrir novas curas que dão certo que para desacreditar aquelas que não funcionam. Até recentemente, a maior parte das investigações sobre autismo foi conduzida dentro dos campos das ciências sociais e da educação especial, áreas em que os orçamentos para pesquisa são modestos e os protocolos, muito diferentes dos empregados na medicina. Às vezes, há o envolvimento de somente uma criança no estudo. “Nem podemos chamar isso de evidência”, critica Margaret Maglione, diretora- associada do Centro Sul-californiano de Prática baseada em Evidência (ligada à corporação Rand).
Simplesmente não há uma pesquisa científi ca de ponta sobre tratamentos para autismo; quando existe, a quantidade de indivíduos estudados é, em geral, pequena. Em 2007, a Colaboração Cochrane, órgão independente avaliador da pesquisa médica, promoveu uma revisão das dietas livres de glúten e caseína, baseadas na premissa de que os compostos presentes na caseína, uma proteína láctea, e no glúten, uma proteína do trigo, interferem nos receptores cerebrais. A Cochrane identifi cou dois experimentos clínicos muito pequenos, um com 20 participantes e outro com 15. O primeiro estudo revelou certa redução nos sintomas de autismo; o segundo nada encontrou. Um novo exame leatoriamente controlado em 14 crianças, publicado em maio deste ano por Susan Hyman – professora-associada de pediatria da Escola de Medicina e Odontologia da University of Rochester –, não identifi cou alterações nos padrões de atenção, sono e evacuação, nem no comportamento autista característico. “Paulatinamente, acumulam- se indícios de que (a dieta) não traz tantos benefícios quanto o esperado”, explica Susan E. Levy, pediatra do Hospital Infantil de Filadélfi a, que fez a análise das evidências em conjunto com Hyman.
É a primeira vez que Levy sente na pele o nível de esforço necessário para mudar a opinião pública. A secretina tornou-se uma commodity em alta depois de um estudo, em 1998, apontar que três crianças apresentarammelhoras no contato visual, no grau de alerta e no uso signifi cativo da linguagem, após receberem o hormônio durante um procedimento diagnóstico para complicações gastrintestinais. A imprensa, incluindo o Good Morning America e o Ladies' Home Journal, divulgou relatos exultantes de pais que viram seus fi lhos transformados. O Instituto Nacional de Desenvolvimento Humano e Saúde Infantil se apressou em fi nanciar experimentos clínicos. Até maio de 2005, cinco estudos clínicos aleatórios não haviam conseguido revelar qualquer benefício, e o interesse pela secretina desapareceu. Passaram anos para pôr um ponto fi nal nessa história, revela Levy, que auxiliou na condução de várias dessas experiências: “A pesquisa é muito trabalhosa e o progresso pode ser lento”. Os pais podem se sentir desamparados, acrescenta a pediatra, e “querem esgotar todas as alternativas possíveis”.
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A boa notícia é que a maior demanda por terapias comprovadas está atraindo investimentos para pesquisa. Em 2001, quando se realizou o primeiro Encontro Internacional para Pesquisa em Autismo, não havia mais que 250 participantes. Em maio último, na Filadélfi a, 1,7 mil pesquisadores, estudantes de graduação e defensores dos interesses de pais participaram do congresso. Novas tecnologias e uma ampliação da consciência da população ajudaram o autismo a se tornar um objeto de pesquisa mais atrativo. E, em meados dos anos 1990, os pais começaram a adotar sofi sticadas táticas de lobby e arrecadação de fundos, empregadas para aids e câncer de mama, recorrendo a fundações e ao governo federal. Como resultado, na última década o fi nanciamento para pesquisa em autismo nos Estados Unidos subiu 15% ao ano, com ênfase nas aplicações clínicas. Em 2009, os Institutos Nacionais de Saúde alocaram US$ 132 milhões em recursos para o trabalho com autismo, com um adicional de US$ 64 milhões decorrentes da Lei para a Recuperação e Reinvestimento Americanos [American Recovery and Reinvestiment Act]; boa parte dessa verba é destinada ao desenvolvimento de protocolos de pacientes e outras ferramentas investigativas. Em 2008, as fundações privadas, incluindo a Fundação Simons e a Autism Speaks, ontribuíram com US$ 79 milhões. Segundo a Autism Speaks, investiram-se aproximadamente 27% de todos os recursos em tratamentos investigativos; 29%, nas causas; 24%, em biologia básica; 9%, em diagnóstico.
Essas buscas recentes reúnem esforços para descobrir se a intervenção precoce com terapias do comportamento – que ensinam habilidades sociais por meio do reforço e recompensa – pode ser usada de maneira bem-sucedida em crianças muito novas, quando o cérebro é mais fl exível ao aprendizado da linguagem e da interação social. Um estudo conduzido por várias universidades, lançado on-line em novembro de 2009, revelou ganhos substanciais nas habilidades linguísticas, na realização de atividades cotidianas e no QI (17,6 pontos, em comparação com 7 pontos no grupo-controle) de crianças submetidas à terapia comportamental por 31 horas semanais, durante dois anos, começando quando tinham entre 18 e 30 meses. Sete das 24 crianças no grupo de tratamento melhoraram tanto que seu diagnóstico evoluiu de autismo para “sem outra especifi cação”, a forma mais leve; somente uma criança das 24 expostas a outras intervenções recebeu um diagnóstico mais brando. A Rede de Tratamento de Autismo criou um registro de mais de 2,3 mil crianças, a fi m de pesquisar tratamentos para as complicações médicas habitualmente sofridas por autistas (em particular problemas gastrintestinais e difi culdades no sono), e planeja desenvolver guias passíveis de ser usados por pediatras nos Estados Unidos.
POR UMA CIÊNCIA REAL DO AUTISMO NO AFÃ DE ENCONTRAR EDICAMENTOS, incluindo aqueles usado sem outros distúrbios neurológicos, obstáculos mais difíceis devem ser vencidos. As intervenções médicas até agora foram “um pouco desanimadoras”, lamenta Insel. Antidepressivos, por exemplo, que estimulam a produção cerebral de serotonina, um neurotransmissor, são muito efi cazes em reduzir os movimentos de mão repetidos nos transtornos obsessivocompulsivos, mas, em agosto, uma revisão patrocinada pela Colaboração Cochrane revelou que essas drogas não aliviaram os movimentos repetidos típicos do autismo. Entre as novas candidatas estão uma medicação que desencadeia o sono de movimento rápido dos olhos, ausente na criança autista, e a ocitocina, um hormônio indutor do parto e da lactação que, supostamente, estimularia os laços entre mãe e fi lho. Em fevereiro, estudo publicado pelo Centro Nacional de Pesquisa Científi ca francês descobriu que, após inalar ocitocina, 13 adolescentes portadores de Asperger apresentavam um melhor desempenho na identifi cação de imagens faciais. Mas, entre as evidências encontradas em um único estudo e a noção de que essa droga poderia aliviar os sintomas mais devastadores do autismo, há uma enorme distância. Nas palavras de Insel, “temos muito trabalho a fazer”.
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Desespero pela Cura do Autismo
Os diagnósticos evoluíram, mas são poucos os tratamentos eficazes. Pais recorrem a terapias
alternativas suspeitas e, com frequência, arriscadas
por Nancy Shute
[continuação]
E esse trabalho está começando a ser realizado. Em junho, uma associação de pesquisadores
analisou os genes de 996 crianças da primeira à quinta série escolar e descobriu novas e
raras variações genéticas em autistas. Muitas dessas imperfeições afetam genes que
controlam a comunicação através das sinapses – os pontos de contato entre neurônios no
cérebro, foco central das investigações sobre autismo. “As presentes mutações são
diferentes [entre os indivíduos], mas há algumas vias biológicas em comum”, segundo Daniel
Geschwind, um dos coordenadores dessa pesquisa e professor de neurologia e psiquiatria da
Escola David Geff en de Medicina da UCLA. Geschwind é também fundador do Autism Genetic
Resource Exchange, um banco de dados utilizado no estudo com amostras de DNA de mais de 1,2
mil famílias com casos de autismo. Os exames para confi rmar um culpado – ou comprovar
tratamentos que possam corrigir as variações – ainda estão longe de ocorrer.
Por enquanto, os pais devem cada vez mais optar por não fazer experiências em seus fi lhos,
isso se conseguirem dormir tranqüilos à noite. Quando seu fi lho, Nicholas, foi
diagnosticado aos 2 anos, Michael e Alison Giangregorio, moradores de Merrick (estado de
Nova York), decidiram usar somente tratamentos com bases científi cas, como a análise
comportamental aplicada. “É muito difícil e desafi ador ajudar meu fi lho”, desabafa
Michael. “Não estava disposto a tentar terapias experimentais. Era meu dever aplicar
somente aquilo em que médicos e pesquisadores despenderam tempo para comprovar o
funcionamento e provar que não causaria nenhum dano adicional.” Hoje, Nicholas tem 9 anos
e, embora permaneça não verbal, a terapia do comportamento o ensinou a usar sinais físicos
para indicar quando precisa ir ao banheiro. Agora, ele pode lavar suas mãos, sentar-se à
mesa em um restaurante e caminhar pelos corredores de uma farmácia sem fi car batendo
palmas. “Obviamente, o objetivo da minha e da maioria das famílias é levar a vida mais
normal possível”, relata Michael, executivo de Wall Street, de 45 anos. “Normal é sair para
jantar com a família.”
alternativas suspeitas e, com frequência, arriscadas
por Nancy Shute
QUANDO SE DIAGNOSTICOU AUTISMO em Benjamin, seu primogênito, Jim Laidler e sua esposa
começaram a buscar ajuda. “Os neurologistas diziam: 'Não sabemos as razões para o autismo
nem quais serão as consequências para seu filho'”, relata Laidler. “Ninguém dizia: 'Essas
são as causas; esses, os tratamentos'.”
Mas, ao pesquisarem na internet, os Laidlers, moradores de Portland, no estado americano de
Oregon, encontraram dúzias de tratamentos “biomédicos” que prometiam amenizar ou mesmo
curar a incapacidade de Benjamin de falar, interagir socialmente ou controlar seus
movimentos. E, assim, os Laidlers testaram essas terapias em seus fi lhos; começaram com
vitamina B6 e magnésio, dimetilglicina e trimetilglicina – suplementos nutricionais –,
vitamina A, dietas livres de glúten e caseína, secretina – hormônio envolvido na digestão –
e quelação, terapia medicamentosa destinada a eliminar chumbo e mercúrio presentes no
organismo. Aplicaram esses supostos tratamentos a David, irmão caçula de Benjamim, também
diagnosticado com autismo. A quelação não pareceu ser de muita ajuda. Foi difícil perceber
qualquer efeito decorrente da secretina. As dietas trouxeram esperança; para onde fossem,
os Laidlers carregavam a própria comida. E Papai e Mamãe continuaram a alimentar os garotos
com inúmeros suplementos, modifi cando as doses de acordo com cada alteração
comportamental.
O primeiro sinal de fracasso dessas experiências veio quando a mulher de Laidler, cada vez
mais cética, interrompeu a administração dos suplementos a Benjamin. Ela esperou dois meses
para revelar esse segredo ao marido. Seu silêncio chegou ao fi m quando Benjamin, em uma
viagem da família à Disneylândia, pegou um waffl e de cima de um bufê e o devorou. Os pais
observaram a cena horrorizados, convencidos de que o garoto teria uma regressão do quadro
no mesmo instante em que sua dieta restrita fosse interrompida. Mas isso não aconteceu.
Jim Laidler tinha o dever de saber disso: é anestesista. Desde o começo, estava ciente de
que os tratamentos usados em seus fi lhos não passaram por testes clínicos aleatórios,
o padrão-ouro para terapias médicas. “No princípio, tentei resistir”, justifi ca. Mas a
esperança venceu o ceticismo.
Todos os anos, centenas de milhares de pais sucumbem à mesma tentação de encontrar algo
capaz de aliviar os sintomas de seus sofridos fi lhos e fi lhas: ausência de fala ou
comunicação, interações sociais ineptas, comportamentos repetitivos ou restritos, como
bater palmas ou fi xar-se em um objeto. De acordo com alguns estudos, quase 75% das
crianças autistas recebem tratamentos “alternativos” não desenvolvidos pela medicina
convencional. Além disso, essas terapias frequentemente são enganosas; não passam por
testes de segurança ou efi cácia, podem ser caras e, em alguns casos, produzir danos.
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SEM CAUSA, SEM CURA
AUMENTA MUITO A DEMANDA PARA O TRATAMENTO DE AUTISMO, pois mais crianças estão sendo
diagnosticadas sob critérios cada vez mais amplos. No início dos anos 1970, quando o
autismo era conhecido como “psicose infantil” – mistura de défi cits sociais e defi ciência
mental –, considerava-se essa condição rara. Os pediatras recomendavam aos pais já afl itos
de uma criança de 8 meses que, por exemplo, não fazia contato ocular que “dessem tempo ao
tempo”.
Estudos indicavam, nos Estados Unidos, que cerca de 5 crianças em 10 mil apresentavam
autismo, mas essa proporção aumentou quando os médicos redefi niram a condição como
transtorno do espectro autista, que inclui sintomas mais leves. Com a publicação, em 1994,
da versão atualizada da bíblia da psiquiatria, o Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders, conhecido como DSM, incluíram-se a síndrome de Asperger – condição
altamente incapacitante, popularizada pelo fi lme Rain Man – e um grupo abrangente,
denominado “transtornos invasivos do desenvolvimento, sem outra especifi cação”. Os médicos
também começaram a perceber os benefícios do diagnóstico e tratamento precoces. Em 2007, a
Academia Americana de Pediatras recomendava a avaliação universal para autismo de todas as
crianças entre 18 e 24 meses. Nessa época, a taxa de incidência de autismo disparou para 1
em 110 crianças.
É controverso dizer que diagnósticos mais sofi sticados refl etem um aumento real dos
casos, pois pouco se sabe sobre as causas desse problema. “Na grande maioria dos portadores
de autismo, não conseguimos identifi car nenhum fator genético claro”, indigna-se David
Amaral, diretor de pesquisa do Instituto Mind, ligado à University of California em Davis,
e presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa do Autismo. Não há biomarcadores
disponíveis para indicar as crianças sob risco nem para aferir a efi cácia dos tratamentos.
O conjunto mais substancial de pesquisa está relacionado às intervenções comportamentais
destinadas a ensinar interação social e comunicação, que parecem ajudar de várias formas
algumas crianças.
A falta de terapias empiricamente comprovadas torna mais fácil “vender a esperança”,
trabalho dos vendedores de tratamentos não testados. “O que se tem é uma combinação de
pseudociência e fraude”, considera Stephen Barrett, psiquiatra aposentado de Chapel Hill,
na Carolina do Norte, que escreve sobre terapias médicas duvidosas em seu site
Quackwatch.com. “Os pais estão sob grande estresse. E querem ajudar muito seus fi lhos a
melhorar. Com o tempo, percebem uma recuperação, mas dão créditos às coisas erradas.” Esses
ganhos não são decorrentes do “tratamento”, elucida o psiquiatra, mas do desenvolvimento da
criança com o passar dos anos.
Proliferam na internet os vendedores de fórmulas mágicas. Um site afi rma que os pais podem
“combater o autismo de seus fi lhos” ao comprar um livro de US$ 299; outro veicula um vídeo
de “uma menina autista que apresenta melhoras após receber injeções de células- tronco”.
Muitos pais confessam obter informações da internet e, segundo o cientista associado do
Centro de Estudo Infantil de Yale, Brian Reichow, “vários deles se baseiam em relatos
fantasiosos, amigos ou outros parentes”. “Quando se trata de autismo, a pesquisa não
sobrepujou os tratamentos.”
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AUMENTA MUITO A DEMANDA PARA O TRATAMENTO DE AUTISMO, pois mais crianças estão sendo
diagnosticadas sob critérios cada vez mais amplos. No início dos anos 1970, quando o
autismo era conhecido como “psicose infantil” – mistura de défi cits sociais e defi ciência
mental –, considerava-se essa condição rara. Os pediatras recomendavam aos pais já afl itos
de uma criança de 8 meses que, por exemplo, não fazia contato ocular que “dessem tempo ao
tempo”.
Estudos indicavam, nos Estados Unidos, que cerca de 5 crianças em 10 mil apresentavam
autismo, mas essa proporção aumentou quando os médicos redefi niram a condição como
transtorno do espectro autista, que inclui sintomas mais leves. Com a publicação, em 1994,
da versão atualizada da bíblia da psiquiatria, o Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders, conhecido como DSM, incluíram-se a síndrome de Asperger – condição
altamente incapacitante, popularizada pelo fi lme Rain Man – e um grupo abrangente,
denominado “transtornos invasivos do desenvolvimento, sem outra especifi cação”. Os médicos
também começaram a perceber os benefícios do diagnóstico e tratamento precoces. Em 2007, a
Academia Americana de Pediatras recomendava a avaliação universal para autismo de todas as
crianças entre 18 e 24 meses. Nessa época, a taxa de incidência de autismo disparou para 1
em 110 crianças.
É controverso dizer que diagnósticos mais sofi sticados refl etem um aumento real dos
casos, pois pouco se sabe sobre as causas desse problema. “Na grande maioria dos portadores
de autismo, não conseguimos identifi car nenhum fator genético claro”, indigna-se David
Amaral, diretor de pesquisa do Instituto Mind, ligado à University of California em Davis,
e presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa do Autismo. Não há biomarcadores
disponíveis para indicar as crianças sob risco nem para aferir a efi cácia dos tratamentos.
O conjunto mais substancial de pesquisa está relacionado às intervenções comportamentais
destinadas a ensinar interação social e comunicação, que parecem ajudar de várias formas
algumas crianças.
A falta de terapias empiricamente comprovadas torna mais fácil “vender a esperança”,
trabalho dos vendedores de tratamentos não testados. “O que se tem é uma combinação de
pseudociência e fraude”, considera Stephen Barrett, psiquiatra aposentado de Chapel Hill,
na Carolina do Norte, que escreve sobre terapias médicas duvidosas em seu site
Quackwatch.com. “Os pais estão sob grande estresse. E querem ajudar muito seus fi lhos a
melhorar. Com o tempo, percebem uma recuperação, mas dão créditos às coisas erradas.” Esses
ganhos não são decorrentes do “tratamento”, elucida o psiquiatra, mas do desenvolvimento da
criança com o passar dos anos.
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Proliferam na internet os vendedores de fórmulas mágicas. Um site afi rma que os pais podem
“combater o autismo de seus fi lhos” ao comprar um livro de US$ 299; outro veicula um vídeo
de “uma menina autista que apresenta melhoras após receber injeções de células- tronco”.
Muitos pais confessam obter informações da internet e, segundo o cientista associado do
Centro de Estudo Infantil de Yale, Brian Reichow, “vários deles se baseiam em relatos
fantasiosos, amigos ou outros parentes”. “Quando se trata de autismo, a pesquisa não
sobrepujou os tratamentos.”
Ter esperança também não custa barato. Tratamentos alternativos, como a câmara hiperbárica
de oxigênio (empregada para reverter a doença da descompressão), que eleva por algum tempo
os níveis de oxigênio sanguíneo, custam US$ 100 por hora ou mais, com uma ou duas sessões
de uma hora recomendadas diariamente. As terapias de integração sensorial – que podem
variar de envolver a criança em cobertores ou acomodá-la em uma máquina de abraçar para
brincar com massas de modelar aromatizadas – podem custar até US$ 200 a hora. Os
prestadores desses serviços chegam a cobrar US$ 800 a hora por uma consulta e milhares a
mais por vitaminas, suplementos e exames laboratoriais. Pais sob monitoramento contínuo da
Rede Interativa de Autismo, ligada ao Instituto Kennedy Krieger de Baltimore, relatam
gastar uma média de US$ 500 mensais. O único tratamento para autismo que provou ser algo
efi caz – a terapia do comportamento – pode também ser o mais caro, pelo menos US$ 33 mil
anuais. Embora esses custos geralmente sejam cobertos por programas governamentais de
intervenção precoce e pelas redes de escolas públicas, pode ser longa a espera por serviços
e avaliações gratuitos. Dito isso, os custos médicos e não médicos do autismo crescem a uma
média de US$ 72 mil ao ano, de acordo com a Escola de Saúde Pública de Harvard.
POÇÕES MÁGICAS
A NÃO COMPROVAÇÃO DOS TRATAMENTOS se estende às medicações. Alguns
médicos prescrevem drogas aprovadas para outras doenças. Os compostos incluem Lupron –
bloqueador da produção orgânica de testosterona (nos homens) e estrogênio (nas mulheres) –,
usado para tratar câncer de próstata e “castrar quimicamente” estupradores. Os médicos
também receitam Actos, medicamento utilizado na diabetes, e imunoglobulina G intravenosa,
geralmente administrada em pacientes com leucemia e aids pediátrica. Todas as três
medicações têm graves efeitos colaterais, e sua efi cácia e segurança no combate ao autismo
nunca foram testadas.
Outra terapia médica reconhecida que se transformou em “cura” para o autismo é a quelação,
principal tratamento para intoxicação por chumbo. A droga converte chumbo, mercúrio e
outros metais em compostos quimicamente inertes, que podem ser excretados pelo corpo via
urina. Algumas pessoas acreditam que a exposição a esses metais, em particular o
metilmercúrio (usado como conservante em vacinas), pode levar ao autismo, mesmo que nenhum
estudo tenha demonstrado essa ligação. Na verdade, a taxa de diagnóstico de autismo
continuou a crescer após a retirada do metilmercúrio da maioria das vacinas, em 2001. A
quelação pode provocar insufi ciência renal, especialmente na forma intravenosa, a mais
indicada para o autismo. Em 2005, um menino autista de 5 anos morreu, na Pensilvânia, após
receber a quelação intravenosa.
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Em 2006, uma preocupação com esse quadro levou o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês) a anunciar planos para a realização de experimentos de quelação controlados aleatoriamente para autismo. Mas o Instituto engavetou o estudo em 2008, pois os pesquisadores não conseguiram encontrar “uma evidência clara de benefício direto”, e o tratamento colocava as crianças em um “risco superior ao mínimo”. Em parte, o receio dos cientistas do Instituto surgiu de estudos laboratoriais demonstrando problemas cognitivos em ratos que receberam a quelação e não apresentavam intoxicação por metais. “Não acho que alguém tinha muita fé nesse tratamento como a solução para um grande número de crianças”, adverte o diretor do NIMH, Thomas R. Insel. Seus pesquisadores, acrescenta, estão “mais interessados em testar medicamentos que apresentem uma base mecânica”.
Como era de esperar, o cancelamento do estudo alimentou acusações de que a Grande Ciência ignorava as terapias alternativas. Sempre se injetou mais dinheiro para descobrir novas curas que dão certo que para desacreditar aquelas que não funcionam. Até recentemente, a maior parte das investigações sobre autismo foi conduzida dentro dos campos das ciências sociais e da educação especial, áreas em que os orçamentos para pesquisa são modestos e os protocolos, muito diferentes dos empregados na medicina. Às vezes, há o envolvimento de somente uma criança no estudo. “Nem podemos chamar isso de evidência”, critica Margaret Maglione, diretora- associada do Centro Sul-californiano de Prática baseada em Evidência (ligada à corporação Rand).
Simplesmente não há uma pesquisa científi ca de ponta sobre tratamentos para autismo; quando existe, a quantidade de indivíduos estudados é, em geral, pequena. Em 2007, a Colaboração Cochrane, órgão independente avaliador da pesquisa médica, promoveu uma revisão das dietas livres de glúten e caseína, baseadas na premissa de que os compostos presentes na caseína, uma proteína láctea, e no glúten, uma proteína do trigo, interferem nos receptores cerebrais. A Cochrane identifi cou dois experimentos clínicos muito pequenos, um com 20 participantes e outro com 15. O primeiro estudo revelou certa redução nos sintomas de autismo; o segundo nada encontrou. Um novo exame leatoriamente controlado em 14 crianças, publicado em maio deste ano por Susan Hyman – professora-associada de pediatria da Escola de Medicina e Odontologia da University of Rochester –, não identifi cou alterações nos padrões de atenção, sono e evacuação, nem no comportamento autista característico. “Paulatinamente, acumulam- se indícios de que (a dieta) não traz tantos benefícios quanto o esperado”, explica Susan E. Levy, pediatra do Hospital Infantil de Filadélfi a, que fez a análise das evidências em conjunto com Hyman.
É a primeira vez que Levy sente na pele o nível de esforço necessário para mudar a opinião pública. A secretina tornou-se uma commodity em alta depois de um estudo, em 1998, apontar que três crianças apresentarammelhoras no contato visual, no grau de alerta e no uso signifi cativo da linguagem, após receberem o hormônio durante um procedimento diagnóstico para complicações gastrintestinais. A imprensa, incluindo o Good Morning America e o Ladies' Home Journal, divulgou relatos exultantes de pais que viram seus fi lhos transformados. O Instituto Nacional de Desenvolvimento Humano e Saúde Infantil se apressou em fi nanciar experimentos clínicos. Até maio de 2005, cinco estudos clínicos aleatórios não haviam conseguido revelar qualquer benefício, e o interesse pela secretina desapareceu. Passaram anos para pôr um ponto fi nal nessa história, revela Levy, que auxiliou na condução de várias dessas experiências: “A pesquisa é muito trabalhosa e o progresso pode ser lento”. Os pais podem se sentir desamparados, acrescenta a pediatra, e “querem esgotar todas as alternativas possíveis”.
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A boa notícia é que a maior demanda por terapias comprovadas está atraindo investimentos para pesquisa. Em 2001, quando se realizou o primeiro Encontro Internacional para Pesquisa em Autismo, não havia mais que 250 participantes. Em maio último, na Filadélfi a, 1,7 mil pesquisadores, estudantes de graduação e defensores dos interesses de pais participaram do congresso. Novas tecnologias e uma ampliação da consciência da população ajudaram o autismo a se tornar um objeto de pesquisa mais atrativo. E, em meados dos anos 1990, os pais começaram a adotar sofi sticadas táticas de lobby e arrecadação de fundos, empregadas para aids e câncer de mama, recorrendo a fundações e ao governo federal. Como resultado, na última década o fi nanciamento para pesquisa em autismo nos Estados Unidos subiu 15% ao ano, com ênfase nas aplicações clínicas. Em 2009, os Institutos Nacionais de Saúde alocaram US$ 132 milhões em recursos para o trabalho com autismo, com um adicional de US$ 64 milhões decorrentes da Lei para a Recuperação e Reinvestimento Americanos [American Recovery and Reinvestiment Act]; boa parte dessa verba é destinada ao desenvolvimento de protocolos de pacientes e outras ferramentas investigativas. Em 2008, as fundações privadas, incluindo a Fundação Simons e a Autism Speaks, ontribuíram com US$ 79 milhões. Segundo a Autism Speaks, investiram-se aproximadamente 27% de todos os recursos em tratamentos investigativos; 29%, nas causas; 24%, em biologia básica; 9%, em diagnóstico.
Essas buscas recentes reúnem esforços para descobrir se a intervenção precoce com terapias do comportamento – que ensinam habilidades sociais por meio do reforço e recompensa – pode ser usada de maneira bem-sucedida em crianças muito novas, quando o cérebro é mais fl exível ao aprendizado da linguagem e da interação social. Um estudo conduzido por várias universidades, lançado on-line em novembro de 2009, revelou ganhos substanciais nas habilidades linguísticas, na realização de atividades cotidianas e no QI (17,6 pontos, em comparação com 7 pontos no grupo-controle) de crianças submetidas à terapia comportamental por 31 horas semanais, durante dois anos, começando quando tinham entre 18 e 30 meses. Sete das 24 crianças no grupo de tratamento melhoraram tanto que seu diagnóstico evoluiu de autismo para “sem outra especifi cação”, a forma mais leve; somente uma criança das 24 expostas a outras intervenções recebeu um diagnóstico mais brando. A Rede de Tratamento de Autismo criou um registro de mais de 2,3 mil crianças, a fi m de pesquisar tratamentos para as complicações médicas habitualmente sofridas por autistas (em particular problemas gastrintestinais e difi culdades no sono), e planeja desenvolver guias passíveis de ser usados por pediatras nos Estados Unidos.
POR UMA CIÊNCIA REAL DO AUTISMO NO AFÃ DE ENCONTRAR EDICAMENTOS, incluindo aqueles usado sem outros distúrbios neurológicos, obstáculos mais difíceis devem ser vencidos. As intervenções médicas até agora foram “um pouco desanimadoras”, lamenta Insel. Antidepressivos, por exemplo, que estimulam a produção cerebral de serotonina, um neurotransmissor, são muito efi cazes em reduzir os movimentos de mão repetidos nos transtornos obsessivocompulsivos, mas, em agosto, uma revisão patrocinada pela Colaboração Cochrane revelou que essas drogas não aliviaram os movimentos repetidos típicos do autismo. Entre as novas candidatas estão uma medicação que desencadeia o sono de movimento rápido dos olhos, ausente na criança autista, e a ocitocina, um hormônio indutor do parto e da lactação que, supostamente, estimularia os laços entre mãe e fi lho. Em fevereiro, estudo publicado pelo Centro Nacional de Pesquisa Científi ca francês descobriu que, após inalar ocitocina, 13 adolescentes portadores de Asperger apresentavam um melhor desempenho na identifi cação de imagens faciais. Mas, entre as evidências encontradas em um único estudo e a noção de que essa droga poderia aliviar os sintomas mais devastadores do autismo, há uma enorme distância. Nas palavras de Insel, “temos muito trabalho a fazer”.
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Desespero pela Cura do Autismo
Os diagnósticos evoluíram, mas são poucos os tratamentos eficazes. Pais recorrem a terapias
alternativas suspeitas e, com frequência, arriscadas
por Nancy Shute
[continuação]
E esse trabalho está começando a ser realizado. Em junho, uma associação de pesquisadores
analisou os genes de 996 crianças da primeira à quinta série escolar e descobriu novas e
raras variações genéticas em autistas. Muitas dessas imperfeições afetam genes que
controlam a comunicação através das sinapses – os pontos de contato entre neurônios no
cérebro, foco central das investigações sobre autismo. “As presentes mutações são
diferentes [entre os indivíduos], mas há algumas vias biológicas em comum”, segundo Daniel
Geschwind, um dos coordenadores dessa pesquisa e professor de neurologia e psiquiatria da
Escola David Geff en de Medicina da UCLA. Geschwind é também fundador do Autism Genetic
Resource Exchange, um banco de dados utilizado no estudo com amostras de DNA de mais de 1,2
mil famílias com casos de autismo. Os exames para confi rmar um culpado – ou comprovar
tratamentos que possam corrigir as variações – ainda estão longe de ocorrer.
Por enquanto, os pais devem cada vez mais optar por não fazer experiências em seus fi lhos,
isso se conseguirem dormir tranqüilos à noite. Quando seu fi lho, Nicholas, foi
diagnosticado aos 2 anos, Michael e Alison Giangregorio, moradores de Merrick (estado de
Nova York), decidiram usar somente tratamentos com bases científi cas, como a análise
comportamental aplicada. “É muito difícil e desafi ador ajudar meu fi lho”, desabafa
Michael. “Não estava disposto a tentar terapias experimentais. Era meu dever aplicar
somente aquilo em que médicos e pesquisadores despenderam tempo para comprovar o
funcionamento e provar que não causaria nenhum dano adicional.” Hoje, Nicholas tem 9 anos
e, embora permaneça não verbal, a terapia do comportamento o ensinou a usar sinais físicos
para indicar quando precisa ir ao banheiro. Agora, ele pode lavar suas mãos, sentar-se à
mesa em um restaurante e caminhar pelos corredores de uma farmácia sem fi car batendo
palmas. “Obviamente, o objetivo da minha e da maioria das famílias é levar a vida mais
normal possível”, relata Michael, executivo de Wall Street, de 45 anos. “Normal é sair para
jantar com a família.”
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