quarta-feira, 27 de junho de 2012

"O autismo como espelho de um país", por Luiz Fernando Vianna (O Globo)

Reproduzo aqui o artigo do jornalista Luiz Fernando Vianna, que é pai de um garoto autista, o Henrique, publicado na edição de 9/3 da versão do Globo para o iPad:

"Como pai de um menino autista, tenho natural interesse por livros e filmes sobre o assunto. "Tão forte e tão perto", adaptação do romance de Jonathan Safran Foer "Extremely loud & incredibly close" ("Extremamente alto e incrivelmente perto"), concorreu ao Oscar e chegou aqui com a pecha de dramalhão. Não é bem assim. Vale pensar em assistir enquanto não sai de cartaz (a sala estava quase vazia na última quarta-feira), mesmo para quem não tem qualquer ligação com o autismo, pois o filme não é apenas sobre isso.

O diretor Stephen Daldry e o roteirista Eric Roth se esforçaram, é fato, para esvaziar as contradições da história de Foer e adequá-la ao gosto do suposto americano médio. Afinal, era um projeto dos grandes, planejado para bilheterias ainda maiores, com Tom Hanks e Sandra Bullock nos papéis dos pais do protagonista. O paralelo que o romance faz entre a queda das torres gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, e o bombardeio americano à cidade alemã de Dresden, em 1945, é suprimido, resumindo-se a história a uma chaga nacional, não do ser humano.

Sobrevive, ainda assim, o painel de um mundo sem sentido que se revela aos olhos de um adolescente com Síndrome de Asperger, a forma mais branda de autismo, na qual a socialização é precária, mas a capacidade cognitiva é alta. A inteligência de Oskar Schell (Thomas Horn) lhe permite empreender complexas expedições por Nova York sob o estímulo do pai, que procura desta forma aproximá-lo das pessoas. Quando Thomas Schell desaparece junto com as torres, seu filho parte para a mais complexa e aparentemente inútil das expedições: encontrar a fechadura novaiorquina em que se encaixa uma chave deixada pelo pai.

Há quem ressalte a inverossimilhança do mote, mas ele me parece quase fabular. Oskar leva à rua o pânico que os autistas têm de multidão, de barulhos altos ou estridentes, de tudo que não lhes pareça seguro. E encontra uma cidade em polvorosa, um país gritando seus mortos e a perda de seus pilares políticos e morais, começando a entrar no túnel de obscurantismo do qual ainda se esforça para sair.

Não por acaso, é com a ajuda de um velho silencioso (o sempre brilhante sueco Max von Sydow) que o menino toma coragem para andar em metrôs e pontes, falar verdades e temores (sua mãe encontra um estranho artifício para acompanhar sua jornada, mas não parece capaz de ouvi-lo) e se dispor até a reconhecer o fracasso da busca. Oskar, num jogo de espelhos, faz na sua vida o que os Estados Unidos não conseguiram realizar sob o comando beligerante e mercantilista de George W. Bush. E assim resolve, tanto quanto possível, a ausência do pai.

O romance de Foer foi publicado em 2005, no auge da sanha vingativa de Bush, com as feridas ainda sangrando. Lançado dez anos depois do 11 de setembro, com Obama no poder e simplificando aspectos políticos e éticos, o filme tem temperatura menor. A loquacidade do adolescente também não contribui para que ele cative o público (salvo na revelação final) nem nos amedronte, como fazia David Bennent na pele de outro menino Oskar, o de "O tambor" (1979), de Volker Schlöndorff.

Mas fica claro que está na tela alguém perdido diante de um mundo que não cabe em esquemas lógicos, regido, mesmo que em nome de discursos de paz, por mentiras e crueldades, sentimentos que um autista tem muita dificuldade de compreender. Observar o desamparo de Oskar, portanto, pode ser muito enriquecedor, um aprendizado. Para pais de autistas que vivem longe ou para qualquer pessoa."

fonte: http://avidadomeufilho.blogspot.com.br/

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