quinta-feira, 6 de junho de 2013

Entrevista com a Zíbia Gasparetto na Isto é

A senhora dos espíritos

Como Zibia Gasparetto transformou sua mediunidade num império de comunicação, com 41 livros publicados, 16 milhões de exemplares vendidos e presença no rádio, na tevê e na internet

por João Loes

Confira trechos do documentário “A Vida de Zibia Gasparetto”:
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A fila já dava voltas no auditório da livraria de um shopping da zona norte de São Paulo. Eram 20 horas de uma quinta-feira do mês de maio, dia de trânsito complicado na cidade, mas ninguém dava sinal de que arredaria os pés antes de conseguir um autógrafo e uma foto com a estrela da noite, a escritora, médium, líder espiritual e empresária Zibia Gasparetto, 86 anos. Convidada pela rede de lojas, ela havia falado durante 35 minutos para o público e agora atendia, um a um, os cerca de 150 fãs que aguardavam para conhecê-la e ganhar um exemplar assinado do livro “Só o Amor Consegue”, o 41º da carreira da autora, lançado em março e já com 80 mil cópias vendidas. “Qual o seu nome, minha filha?”, perguntava Zibia às moças, grande maioria, que chegavam com a obra na mão, para depois confirmar a grafia do sobrenome e colocar uma singela dedicatória: “Com carinhoso abraço, alegria e luz, Zibia Gasparetto”. Quando o salão esvaziou, perto das 22 horas, seis funcionárias da livraria apareceram, esbaforidas, com suas cópias do romance para garantir o autógrafo. Mesmo cansada e com dor no pulso, fruto de uma tendinite crônica, atendeu sorridente: “Claro, meu bem, pode vir”, disse.

Soberana do romance mediúnico no Brasil, Zibia Gasparetto escreve livros a partir das mensagens que diz ouvir dos espíritos que a acompanham desde os anos 1950. Carinhosa com os fãs e dura nos negócios, a octogenária, que já publica há 55 anos e contabiliza 16 milhões de livros vendidos, construiu, ao lado dos filhos e netos, um verdadeiro império espírita, com ramificações no rádio, na internet, na televisão e no mercado de palestras (leia quadro na pág. 76). No ramo editorial, onde tudo começou, é ela própria quem comanda a editora e gráfica Vida e Consciência, empresa em franco processo de crescimento. Segundo sua filha e sócia, Silvana Gasparetto, 45 anos, a impressão mensal de livros da empresa, que fechou 2012 com 300 mil unidades, já chegou a 500 mil no primeiro semestre de 2013 e deve bater as 650 mil unidades até o começo de 2014. “A terceira máquina que compramos começa a rodar em breve”, diz Silvana, da espaçosa sala que ocupa no quarto e último andar da sede do grupo, no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo.
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Poucas coisas dão a dimensão do poder dos Gasparetto quanto uma ida à sede da gráfica e editora Vida e Consciência. Quem vê o prédio por fora pode fazer pouco do espaço, uma construção antiga, com aspecto de fábrica. Mas uma visita ao que há do outro lado do muro, principalmente ao quarto andar, onde fica a diretoria, mostra bem o que 16 milhões de livros vendidos podem comprar. O espaço impressiona pela beleza e conforto. Com pé-direito de mais de quatro metros, piso de madeira de demolição, detalhes em pastilhas de vidro e mobiliário refinado, ele lembra uma luxuosa cobertura de prédio. Um grande jardim com fonte adornada por belos conjuntos de ladrilhos hidráulicos circunda metade do andar. Zibia e Silvana têm acesso exclusivo a ele das enormes salas que ocupam, uma vizinha à outra. E, se o tempo estiver frio para um passeio pelo espaço verde, elas podem optar por ficar em uma terceira sala de pelo menos 80 metros quadrados no mesmo quarto andar. Iluminada por janelões de vidro com impecáveis caixilhos brancos, ela tem sofás e poltronas, além de uma pequena cozinha e uma imensa mesa onde a matriarca almoça todo dia, às 12h30. “Gosto daqui, mas, para escrever, preciso estar na minha sala”, diz Zibia.
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O ritual para receber os livros de seu guia espiritual, Lucius, que nas últimas cinco décadas lhe transmitiu 26 romances, sendo “Só o Amor Consegue” o 27º, é o mesmo da década de 1950. Três vezes por semana, por volta das 15h30, a médium mais famosa do Brasil se senta agora diante do computador, diminui a luz, liga uma música suave e lê a última frase do romance em que deseja trabalhar – pelo menos três são escritos simultaneamente. Como mágica, a voz de timbre familiar surge do silêncio e a narração recomeça. “Tenho consciência absoluta do que está acontecendo, não é um transe”, afirma a pioneira no uso do computador para psicografar no Brasil. “Apenas sinto uma grande alegria, e meus pensamentos e raciocínios passam a ser ágeis e leves.”
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Nem sempre, porém, o contato com os espíritos foi agradável para a matriarca dos Gasparetto. A primeira experiência mediúnica, por exemplo, foi traumática. Católica, recém-casada e com um filho de colo, Zibia, então com 22 anos, despertou uma noite sentindo um estranho formigamento pelo corpo. Ainda que incomodada, continuou na cama, na esperança de que aquilo passasse. O desconforto, porém, foi crescendo até que, subitamente, ela começou a falar em alemão, língua que desconhecia. Assustado, seu marido, Aldo, correu até a casa de uma vizinha em busca de ajuda. A senhora foi até a casa, fez uma prece e garantiu: aquilo era “coisa de espírito”. “No dia seguinte meu marido foi até a Federação Espírita Brasileira (FEB) para comprar alguns livros sobre o assunto e, em pouco tempo, estávamos fazendo o evangelho do lar em casa”, diz a autora.
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O incômodo sumiu e um ano se passou até que, um dia, durante o Evangelho, Zibia começou a sentir dor no braço. A mão, então, passou a se mexer sozinha e o marido, mais adiantado nas leituras espíritas, pegou papel e lápis e deu à mulher, que começou a escrever. “Eram coisas desconexas no começo, mas depois passaram a fazer sentido”, afirma a médium. Com visitas ao centro espírita “Seara do Mestre”, no bairro do Ipiranga, a mediunidade foi afinando até que ela passou a ouvir uma voz masculina que parecia ditar uma narrativa. Curiosa para ver como acabava a história, sentava para colocar o que ouvia no papel sempre que podia. Já com dois filhos, porém, ela não conseguia se dedicar como gostaria. “O primeiro livro, ‘O Amor Venceu’, levou cinco anos para ficar pronto”, diz. Talvez como prêmio pela determinação e compromisso, Lúcius, que havia ditado o livro, mas ainda não havia se apresentado, finalmente se identificou, assinando a última página. “Acho que ele se sentiu satisfeito com a parceria”, afirma a autora.
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Até hoje, “O Amor Venceu” (1958) que, como não poderia deixar de ser, conta uma história de amor, só que no Egito antigo, vendeu mais de meio milhão de cópias. Foi, ao mesmo tempo, o livro que abriu o universo espírita para milhões de brasileiros, por tratar do tema de forma leve e romanceada, e colocou Zibia no mapa dos mundos mediúnico e editorial. Recheado de referências a Allan Kardec, que sistematizou a doutrina, e ao espiritismo formal, o título estabeleceu uma espécie de formato para boa parte dos romances da médium até a segunda metade dos anos 1990 – ricamente descritivos, longos, com enredos que se passam em tempos e países distantes e versando sobre temas universais, como amor e ódio, felicidade e sofrimento, justiça e injustiça e fé e incredulidade. Entre 1958 e 1993, Zibia publicou dez romances nesse estilo, entre eles um de seus maiores best-sellers, “Laços Eternos”, de 1976, que já vendeu 825 mil cópias e cuja adaptação para o teatro, em cartaz desde 1991, atraiu mais de 200 mil espectadores.
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Ainda que colhendo resultados expressivos até meados dos anos 1990 dentro do formato que criou na década de 1950, Zibia, em seus contatos com livreiros e já com experiência como dona de editora – em 1982, ela fundou a Editora Caminheiros –, começou a perceber que o perfil do leitor de obras espíritas no Brasil estava mudando. Certo dia, então, o espírito Lucius, segundo a autora, igualmente antenado, deu os primeiros sinais de que mudaria o estilo de suas narrativas. Mas foi só no romance de número 11, intitulado “Pelas Portas do Coração”, de 1995, que a mudança se concretizou. De leitura mais ágil, apoiado em diálogos e quase sem referências ao espiritismo ou a Allan Kardec e com trama contemporânea, o título marcou o início de uma segunda, e mais voraz, etapa da produção literária da autora (leia quadro abaixo). “Mudei por orientação dos espíritos”, afirma. “Lucius me disse que precisava sair do rótulo espírita.” Outra influência, essa mais terrena, também contribuiu para viabilizar a guinada da médium para o mercado. Na época, Luiz Gasparetto, seu filho, então com 46 anos, estava promovendo uma verdadeira revolução no espiritismo nacional. Seus outros dois filhos, Pedro e Irineu, também são médiuns. Pedro administra o curtume da família em Mogi das Cruzes e Irinei é músico e apresetador de rádio. Luiz, prático e despojado como poucas lideranças da sisuda religião, já era referência mundial no ramo da pintura mediúnica, tinha em seu currículo passagens por centros de referência em estudo de terapias alternativas e vinha dando disputadas palestras motivacionais com discurso que misturava as bases do espiritismo com técnicas de aprimoramento pessoal propaladas pelo movimento “Nova Era”.
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Com uma visão completamente diferente do sucesso e, principalmente, do dinheiro, Luiz eliminou a noção de que o trabalho mediúnico devia ser gratuito, como pregava a Federação Espírita. E Zibia acolheu as orientações do filho. Fechou a “Associação Cristã de Cultura Espírita Os Caminheiros”, um centro espírita clássico fundado em 1969 pela família Gasparetto e mantido com dinheiro das vendas de seus livros, e passou a se dedicar exclusivamente à nascente Vida e Consciência, editora fundada por ela com os filhos Luiz e Silvana. Nos dez anos seguintes, entre 1995 e 2005, produziu o que havia levado 37 anos para fazer quando ainda dividia seu tempo com as obrigações e compromissos espíritas. “É curioso observar as mudanças na produção literária de Zibia depois das novidades apresentadas pelo Luiz”, afirma Sandra Jacqueline Stoll, doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro “Espiritismo à Brasileira” (Edusp, 2003). Pendendo pesadamente para a auto-ajuda, mas ainda com a rubrica de Lucius, seus novos livros venderam como água. O maior best-seller da carreira, “Ninguém é de Ninguém”, por exemplo, foi lançado em 2000 e vendeu 860 mil cópias. “Ela passou a seguir um ritmo de lançamentos parecido com o dos grandes autores”, diz Sandra. Com pelo menos um livro novo por ano, sempre em outubro, para pegar carona nas compras de Natal, ela chegou a emplacar dois títulos simultaneamente na lista de mais vendidos do País, feito que só autores do quilate de Paulo Coelho haviam conseguido.

“Hoje não tenho religião, mas não me incomodo de ser chamada de espiritualista”, diz Zibia (leia quadro acima). A tolerância com a nova categorização faz sentido. Para Reginaldo Prandi, professor do departamento de sociologia da USP e autor do livro “Os Mortos e os Vivos” (Ed. Três Estrelas, 2012), é justamente no chamado espiritualismo que boa parte dos egressos do espiritismo, sedentos pela livre associação da doutrina ortodoxa da religião com novidades como a cromoterapia, a energização de cristais e a autoajuda, vai se encaixar. “É um grupo que reúne quem não tem interesse em se conformar com conjuntos de regras”, afirma.
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Mas a guinada que levou os Gasparetto a se distanciarem dos preceitos balizadores do espiritismo não veio sem críticas. Para muitos, a máxima do “dai de graça o que recebestes de graça” foi relegada em nome da vaidade e do dinheiro. Muitos exigiam, inclusive, que Zibia abrisse mão dos direitos autorais dos livros que recebia dos espíritos, como fez Chico Xavier, o maior psicógrafo brasileiro de todos os tempos. “O Chico abriu mão dos direitos dos livros dele, mas uma vez chorou para mim, arrependido do que tinha feito”, revela Zibia.

Não dá para negar que, à sua maneira, a autora mediúnica trabalha pela expansão do que ela acredita ser o caminho certo para o espiritualismo no Brasil. Além do compromisso com a produção de livros, ela hoje tem um programa semanal de rádio e, no começo do ano, lançou uma rede de televisão na internet. Batizada de Alma e Consciência TV (ACTV), ela é administrada por seu neto René Gasparetto, tem quatro horas diárias de programação e, em breve, deve começar a produzir telenovelas baseadas nos livros da matriarca. “É um projeto que começou há um ano e meio e ainda dá prejuízo, mas é uma aposta nossa”, diz Silvana. Mais uma frente que se abre para a família que, liderada por Zibia Gasparetto, construiu um império espírita que não para de crescer.
Fotos: João Castellano/ag. istoé
Fotos: João Castellano/ag. istoé; ZECA WITTNER/ESTADãO CONTEúDO/AE
Fontes: Sandra Jacqueline Stoll, Reginaldo Prandi, Revista Planeta (mar. 1991, ago. 1991, set. 1995), Revista de História da Biblioteca Nacional, Revista IstoÉ
Fotos: PAULO PINTO/ESTADãO CONTEúDO/AE
Foto: ESTADãO CONTEúDO/AE


fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/paginar/302900_A+SENHORA+DOS+ESPIRITOS/2

3 comentários:

  1. Com relação as declarações de que Chico Xavier havia se arrependido de ter doado seus direitos autorais a FEB , gostaria que a autora nos falasse mais sobre isso . Existem documentos , vídeos , entrevistas , ou qualquer outra fonte que possa corroborar essa afirmação ? , ou apenas a Srª Zibia afirma isso ?. Desde já agradeço .

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  2. Isso me parece muito mais um comentário inventado e bem conveniente... Quem conhece vida e obra de Chico Xavier sabe que é totalmente inverossímel um "arrependimento" após ele ter feito somente o certo: a caridade. Mediunidade não é sinônimo de lucro. O médium não deve se beneficiar materialmente com a faculdade concedida a ele gratuitamente.

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    1. O Chico realmente disse que se arrependeu de ter doado os direitos à FEB, pois esta se negou a doar os direitos a tradutores norte-americanos em 1969 e, a partir daí, Chico doou os direitos a outras entidades espíritas. A Zibia interpretou isso de maneira errada: ela achou que o Chico quis dizer que queria usar o dinheiro, mas não foi isso.

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