Texto retirado do maravilhoso blog da Bruna Marcelino
Dieta sem glúten e sem caseína
Por Claudia Marcelino e Priscila Spiandorello - Texto publicado na edição nº 2 da REVISTA AUTISMO, abril de 2012.
A história da interferência dos peptídeos de glúten e caseína nas desordens mentais é quase tão antiga quanto o próprio autismo. Foi no meio da década de 60 que Dohan começou a sugerir que a ingestão de glúten poderia ser um fator causal da esquizofrenia.
No início da década de 70, peptídeos com atividade imitando a morfina, foram descobertos como um produto fisiológico normal do metabolismo de seres humanos. Esses peptídeos são chamados de endorfinas e são liberados no organismo em situações tanto de prazer, quanto de stress ou dor.
Peptídeos são cadeias de 2 ou mais aminoácidos derivados da digestão incompleta de proteínas. Os peptídeos do glúten e da caseína possuem o mesmo efeito de droga da morfina e de opióides, por isso recebem o nome de gluteomorfina e caseomorfina. Uma vez que estes peptídeos consigam chegar a corrente sanguínea, eles podem se ligar aos receptores opiatos no cérebro causando toda a gama de sintomas destas drogas. O glúten e a caseína são proteínas muito complexas e grandes exigindo uma perfeita condição digestiva e uma boa integridade da barreira intestinal para que sejam devidamente quebrados e assimilados sem vazar para a corrente sanguínea.
O peptídeo mais conhecido de todos provavelmente é a beta-endorfina, que atraiu muito interesse e pesquisas na época dos anos 70.
Foi em 1979 que Jaak Panksepp, um renomado pesquisador mundial na área do comportamento em animais, publicou um documento que pela 1ª vez identificou similaridades entre os sintomas de autismo e os efeitos das beta-endorfinas em seres humanos e animais. Este artigo chamou a atenção de Paul Shattock, médico, pesquisador e pai de autista, que realmente ligou muitos dos comportamentos apresentados por seu filho à pesquisa feita por Panksepp.
No início dos anos 80, entra em cena Karl Reichelt que estendeu a hipótese da interferência do glúten na esquizofrenia para o autismo. Ele demonstrou diferenças entre os peptídeos urinários de pessoas com e sem autismo. Reichelt descreveu dois padrões básicos:
Um grupo onde os sintomas apareceram muito cedo (e correlacionou ao leite animal que a criança toma desde o nascimento)
E outro grupo onde os sintomas apareceram mais tarde (e correlacionou a entrada do glúten na dieta, mais tardia).
Em 1988, GILLBERG, detectou elevados níveis de algumas substâncias conhecidas na época por pseudo-endorfinas (substância com atividade opióide) no líquido céfalo-raquidiano de alguns autistas.
Foi somente no final da década de 80 que os noruegueses, comandados por Ann-Marie Knivsberg, publicaram os primeiros estudos sobre a efetividade da dieta sem glúten e sem caseína na melhora dos sintomas do autismo. Esse estudo foi amplamente ignorado.
Durante todo esse tempo as pesquisas nunca pararam e tanto o grupo inglês, quanto o grupo norueguês, até então não haviam sido sequer convidados para apresentar seus trabalhos em uma conferência. Então, em 1988, os ingleses organizaram uma conferência na Universidade de Durham que passou a ter um calendário anual com participação dos seus centros de estudos favoritos além dos noruegueses: França, Holanda, Itália e Estados Unidos. Em 1990 o grupo de Shattock começou a publicar os estudos científicos formalmente e o assunto passou a ter domínio público. Diversos efeitos são observados quando os peptídeos opióides se elevam na corrente sangüínea, entre eles estão, a alteração do nível de acidez estomacal, alteração da motilidade intestinal e redução do número de células nervosas do sistema nervoso central e conseqüente alteração na neuro transmissão.
Foi a partir de 1991 e entre 1995 com o surgimento da rede mundial de computadores e os grupos de discussão de pais do Yahoo, que a dieta sem glúten e sem caseína passou a ser mais divulgada. Foi nessa época que mães pioneiras como Lisa Lewis e Karen Seroussi começaram a utilizar a dieta com seus filhos e a obter grandes melhoras. Os filhos de Karen hoje são considerados completamente recuperados. Karen e Lisa, mantém até hoje um site na internet para apoio e divulgação da dieta SGSC oWWW.autismndi.com *
* Trecho retirado do livro “Autismo Esperança pela Nutrição”.
No Brasil, temos uma história de 10 anos de atraso em relação à discussão sobre a alimentação como coadjuvante no tratamento do autismo. Foi somente em 2001 quando a médica Geórgia Regina Fonseca obteve o diagnóstico de sua filha caçula e começou a pesquisar sobre os tratamentos disponíveis no mundo, que o assunto começou a fazer parte dos grupos de discussões de pais por aqui, sempre com muito pessimismo e até mesmo sendo ridicularizado.
O fortalecimento da internet desde então e, o aumento de acesso a todo tipo de informação pelos pais das crianças afetadas, tem sido um grande aliado na concretização do uso de uma dieta adequada como parte do tratamento do autismo. Este aumento de acesso a informação, tem proporcionado nutricionistas funcionais a descobrirem que podem ser grandes aliadas das famílias afetadas, pois a retirada do glúten e da caseína, assim como a retirada de alimentos industrializados e processados e a inclusão de alimentos funcionais na dieta, faz parte do processo terapêutico nutricional de muitas enfermidades e sintomas que podem estar correlacionadas ao autismo.
O glúten, proteína encontrada no trigo, centeio, malte, cevada e aveia e seus derivados e, a caseína, proteína encontrada no leite animal e seus derivados, são responsáveis pelo surgimento e/ou agravamento de condições intestinais propícias que acarretam no desenvolvimento ou agravamento de muitas doenças, já que cerca de 70% ou mais da nossa defesa imunológica encontra-se no intestino. Hoje já sabemos também da estreita relação de dependência, simbiose e sincronia entre o cérebro e o intestino, falando-se até mesmo na existência do 2º cérebro: o intestino.
Segundo, Shattock, o autismo pode ser uma conseqüência da ação desses peptídeos de origem exógena que afeta os neurotransmissores dentro do SNC. Esse excesso de opióides interfere com o neurotransmissor ao nível do simpático e diminuí a força dos impulsos sensoriais. Os peptídeos ocupam os receptores aminas no cérebro, causando distúrbios de ordem psíquica, provocando o comportamento autodestrutivo e um sintoma muito conhecido: a avidez por alimentos, pela sensação de prazer.
Vários estudos feitos por Dohan, Rechelt, Schattock, Cade, e outros estabeleceram que crianças com autismo e adultos com esquizofrênia tem níveis elevados de peptídeos na urina resultantes da quebras incompletas de certas proteínas do leite e do trigo e que a remoção destas proteínas através da dieta leva a melhora dos sintomas. (Page,2000; Shaw, 2002; Cave, 2001; Brudnak et al.,2002 e Juarez,2003)
Alguns Sintomas que podem ser produzidos pelos Opiáceos:
Incomodo ou dor ao cortar a unha ou cabelo, andar nas pontas dos dedos, etiquetas das roupas incomodam, hipersensibilidade auditiva, cheiram tudo, chupam as mãos, não percebem alguns cheiros, mas são sensíveis a outros, só comem alimentos com certa textura, colocam tudo na boca, comportamentos sociais alterados (alucinação), incomodo ao escovar os dentes,hipersensibilidade a luz e ou visual, maior tolerância a dor (analgésico), falta de concentração e irritabilidade.
Há uma extensa documentação médica*, tanto em estudos quanto em prática clínica, que mostram grande incidência de autistas com: alergias alimentares, constipação, diarréia, hiperatividade, sistema imunitário deficiente com freqüentes infecções virais e fúngicas, estresse oxidativo e acúmulo de toxinas no organismo, além da interferência dos peptídeos opióides derivados do glúten e da caseína e que podem provocar tanto alterações intestinais, quanto comportamentais. Tudo isto pode agravar sintomas autísticos como: flapping e estereotipias, agressividade, alterações no sono, agitação e hiperatividade, baixa tolerância afetiva e sensorial, resistência ao aprendizado e ao contato social. Estes sintomas podem ser erroneamente interpretados como agravamento do autismo.
Muitas vezes terapias comportamentais e sociais não são suficientes para amenizar estes sintomas, simplesmente porque o que os detonam são problemas de saúde que não estão sendo tratados, frustrando pais e profissionais e o mais grave: permitindo o agravamento da qualidade de vida do indivíduo autista.
O Autism Research Institute mantém uma coleta de dados adquiridos através de questionários com mais de 25.000 famílias avaliando as diversas intervenções biomédicas e medicamentosas.
A dieta sem glúten e sem caseína alcança um benefício em 69% dos pacientes, 28% não obtiveram melhoras e 3% relataram pioras.
A Risperidona, a droga mais utilizada no tratamento do autismo atualmente, tem relatos de benefícios em 54% dos pacientes, 26% não obtiveram melhoras e 21% pioraram.
A comparação de pacientes que obtém melhoras com a dieta (após um período de 8 meses no mínimo) para os que não apresentam melhoras ou ficam piores é de 26:1.
Estes mesmos números para os que utilizam a risperidona é: 2.6:1. Talvez a grande diferença entre estes números seja devido ao fato da Risperidona ter indicação científica no autismo apenas para tratar as manifestações de agressividade, enquanto a dieta, mesmo sem comprovação científica, tem indicação para melhorar todo o quadro de manifestações do autismo.
Quando lidamos com um autista, nada pode ser descartado e tudo tem que formar um conjunto de ações que vise o bem estar dele e de sua família. Um tratamento que leve em conta o controle da exacerbação de sintomas através da alimentação, ainda previne os tão dolorosos e inconvenientes efeitos colaterais de medicações, a curto e longo prazo.
Mesmo sem comprovação científica ainda, com um estudo controlado e duplo-cego, a dieta vem se mostrando um tratamento coadjuvante eficaz no tratamento do autismo de muitos indivíduos afetados.
Para você que é pai, mãe ou profissional e quer se aprofundar no tema para avaliar a possibilidade de incluir a dieta sem glúten e sem caseína no tratamento de seu filho, ou sugeri-la aos responsáveis de seus pacientes, o primeiro e ainda único livro no Brasil sobre o tema é o: Autismo Esperança pela Nutrição, de Claudia Marcelino, editora M. Books.
* Algumas pesquisas médicas publicadas:
- Autism Spectrum Disorders and Allergy: Observation from a Pediatric Allergy/immunology Clinic
Harumi Jyonouchi
Authors and Disclosures
Posted: 06/15/2010; Expert Rev Clin Immunol. 2010;6(3):397-411.
- Dysregulated innate immune responses in young children with autism spectrum disorders: their relationship to gastrointestinal symptoms and dietary intervention. Neuropsychobiology. 2005;51(2):77-85.
- Gluten- and casein-free diets for autistic spectrum disorder. Cochrane Database Syst Rev. 2004;(2):CD003498.
- Immune response to dietary proteins, gliadin and cerebellar peptides in children with autism. Nutr Neurosci. 2004 Jun;7(3):151-61.
- Evaluation of an association between gastrointestinal symptoms and cytokine production against common dietary proteins in children with autism spectrum disorders. J Pediatr. 2005 May;146(5):605-10.
- Spontaneous mucosal lymphocyte cytokine profiles in children with autism and gastrointestinal symptoms: mucosal immune activation and reduced counter regulatory interleukin-10. J Clin Immunol. 2004 Nov;24(6):664-73.
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