Terça-feira, 10 de abril de 2012
Diferente pra quem?
A reportagem era sobre como as crianças neurotípicas lidavam com a
inclusão. Um olhar da criança sobre a outra, sobre o colega, neurotípico
ou não. E as respostas me surpreenderam. A repórter perguntou para uma
menina neurotípica o que ela via de diferente na coleguinha que sentava
ao lado, autista. E a resposta foi linda. Depois de olhar para a menina
durante alguns segundos, a garota de 7 anos respondeu: “O cabelo dela é
enrolado e o meu não. Ah, e ela vem com lacinho vermelho de vez em
quando. Eu gosto de rosa.” Simples assim. As outras respostas foram no
mesmo nível. Com sinceridade e pureza, como as crianças são. Aí me dei
conta que quem dá importância e tem verdadeiro medo das diferenças somos
nós, adultos. Não por maldade. Muitas vezes é medo. Medo do
desconhecido, medo de pensar que um dia aquele poderia ser o nosso
filho. Conheci pais que tiraram seus filhos de escolas inclusivas com
medo de ele “ficar igual” ao coleguinha que não falava direito, que
tinha umas estreotipias estranhas e que não tinha o mesmo traquejo
social que o seu filho. As crianças mesmo lidam com a inclusão da forma
mais natural possível.
Minha experiência maior é na educação infantil. Sei que quanto mais
velhas as crianças vão ficando, a tendência é que as diferenças as
afaste. Isso pode ser diferente se os pais conversarem, desde cedo e com
naturalidade sobre o porquê de o amiguinho por exemplo ainda usar
fralda, ou ainda não falar, ou ficar isolado quando todos estão
brincando... Mas aí eu pergunto: como os pais vão falar sobre isso
naturalmente se eles mesmos não conseguem pensar no assunto por medo de
que um dia isso aconteça nas suas vidas? Conviver com as diferenças
desde criança é um baita aprendizado. Sei por experiência própria e
porque vejo isso em casa atualmente.
Tive um irmão excepcional em último grau. O parto foi complicado, ele
ficou alguns minutos sem respirar e teve paralisia cerebral severa.
Faleceu aos 17 anos sem falar, sem andar, tinha fortes convulsões... fui
criada com ele e não tínhamos vergonha de levá-lo onde íamos: passeios,
viagens, praia... o difícil era sentir o olhar das pessoas. O resto era
fichinha. Agora, vejo o Thiago, meu filho mais velho, de 5 anos, com o
Luca e me emociono. O Thiago é um irmaozão. Defende o Luca no parquinho
se algum menino quer tomar o brinquedo dele, por exemplo.... fala para
todo mundo que aquele é o irmão dele. Que é para ele ser sim, incluído
na brincadeira! Se um amigo pergunta porque o Luca não fala direito,
ele responde que o irmão está aprendendo. Eu, provavelmente ficaria 10
minutos explicando o autismo, o diagnóstico, iria me enrolar toda para
chegar à mesma resposta incrivelmente sincera do Thiago. Ultimamente
pego ele conversando com o Luca, ensinando o irmão a falar. Fica
modulando as palavras: “Luca, fala ‘leão”, e o Luca repete. Aí o Thiago
grita de onde estiver: “mãe, o Luca falou leão”. E vibra com cada
palavrinha nova do irmão. Não são irmãos perfeitos, viu gente! Longe
disso! Se pegam várias vezes, rolam no chão, brigam por brinquedo, mas
eu noto que o Thiago não se importa com o fato de o irmão ter um
vocabulário de 80, 100 palavrinhas, que seria normal para uma criança
típica de um ano e meio, por exemplo. Isso tem feito ele aprender a
conviver com as diferenças de forma natural.
Outro dia, no play do condomínio onde moramos, tinha uma criança
cadeirante olhando as outras brincarem. Ele saiu de onde estava e a
chamou para brincar de pique-esconde com os outros... ele nem pensou na
possibilidade de a cadeira ser um problema. A criança foi, brincou e os
outros amiguinhos ajudaram ela a se esconder, deram dicas e tudo mais.
Eu, no meu olhar de adulta, mesmo tendo convivido com as diferenças
minha vida toda, fiquei toda cheia de dedos, com medo de que o convite
para brincar pudesse constranger o amigo que estava na cadeira de
rodas... Mas a criança que ainda não tem o olhar treinado, que ainda não
tem o medo enraizado, não pensa dessa forma ainda.
Minha reflexão disso tudo, como mãe relativamente nova de filho especial
(o diagnóstico do Luca foi dado há pouco mais de um ano), é que faz
muito bem para nós conviver com as diferenças. Nos torna adultos
melhores. Mais humanos e compreensivos. Pode nos fazer até pessoas
melhores, se soubermos aproveitar a experiência.
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A pureza, o olhar livre de 'pré-conceitos', a sutileza, doçura e sinceridade no modo com que as crianças lidam com o outro, é algo que jamais deveríamos perder quando nos tornássemos adultos.
obrigada pela contribuição. Sejam bem vindas Na pracinha!