Especialistas discutem importância da "nutrição cerebral"
TATIANA DINIZda Folha de S.Paulo
Que a privação de uma alimentação adequada prejudica o desempenho da mente, já é razoavelmente sabido. A tese agora é que garantir a presença de certos nutrientes na dieta pode melhorar o desempenho cerebral, driblando quadros de estresse e depressão e até mesmo fomentando a inteligência.
Polêmica, a afirmação está dividindo especialistas das diversas áreas da medicina, que se posicionam contra ou a favor da idéia de ser possível adotar uma alimentação particularmente eficaz para o cérebro humano.
O tema é abordado no recém-lançado "Nutrição Cerebral" (ed. Objetiva, 232 págs., R$ 32,90). No livro, o médico especializado em medicina ortomolecular Helio Póvoa, o psiquiatra Juarez Callegaro e a nutricionista Luciana Alves abordam o funcionamento do organismo e da mente e sua relação com os hábitos alimentares, apontando uma lista com mais de 20 nutrientes com potencial atuação no cérebro. Batizadas de "smart nutrients" (nutrientes inteligentes), essas substâncias têm, segundo a publicação, a capacidade de melhorar a inteligência e de combater o envelhecimento, evitando o surgimento de doenças degenerativas e conduzindo a uma vida mais livre de sofrimento mental.
"Segundo a Organização Mundial da Saúde, a depressão aumenta 1% ao ano. De acordo com a Universidade de Southampton, na Inglaterra, as doenças mentais triplicaram em todos os continentes nas décadas de 1980 e 1990", contextualizam os autores no texto.
Para eles, a preocupação com a nutrição cerebral pode "desenvolver o cérebro e suas plenas capacidades, corrigir desvios de inteligência, preveni-los e aperfeiçoá-la."
"É um conceito recente, que está ganhando força com estudos sobre envelhecimento e degeneração cerebral. Hoje já sabemos que certas vitaminas inibem a glicação, que é o processo lesivo da proteína pela glicose. Assim, já é possível falar em uma postura alimentar preventiva à degeneração cerebral", comenta o médico Helion Póvoa, professor de patologia clínica da Escola Médica da Uni-Rio e um dos autores do livro "Nutrição Cerebral".
"Peixes e algas, entre outros alimentos, são inibidores de glicação e reduzem o risco de problemas cerebrais e do sistema nervoso. As vitaminas agem sinergicamente, e o melhor é obtê-las pela alimentação e não por suplementação", completa o autor.
Há quem questione. O endocrinologista José Marcondes, do Hospital das Clínicas de São Paulo, é um exemplo. "Não existe evidência científica de que um nutriente faça bem especificamente para o cérebro. A boa alimentação leva à saúde e à melhor atividade cerebral", comenta. "Crianças desnutridas têm baixo desempenho escolar. A desnutrição pode levar a deficiências na formação cerebral. Na idade adulta, entretanto, o cérebro já está formado."
O médico Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia, lembra que "o sistema de controle da fome, da saciedade e da termogênica sofre influência de nutrientes, de hormônios e de emoções". O especialista alerta para o risco das superdoses, que podem ocorrer quando o alimento natural é substituído ou complementado pelo consumo de suplementos encontrados nas farmácias. "Com a deficiência característica das dietas ocidentais, a suplementação vitamínica é relativamente bem-vinda. O problema está nas superdoses, que têm efeito oxidante, e não o contrário", diz.
Suplementação
O italiano Andrea Bottoni, médico nutrólogo da Clínica de Terapia Nutricional Total do Hospital Santa Catarina, afirma que, embora dos pontos de vista bioquímico, metabólico e fisiológico existam evidentemente nutrientes que possam otimizar as funções cerebrais, não há motivo para perseguir a ingestão deles. A alimentação ideal é aquela em que come-se de tudo de maneira balanceada.
"É importante não fazer apologia da suplementação. Não adianta tomar suplementos achando que vai alimentar o cérebro e se entupir de gordura na hora da refeição", afirma.
Ricardo Botticini Peres, endocrinologista do Hospital Israelista Albert Einstein, concorda. "O mesmo nutriente que é importante para o cérebro também o é para o coração, para os músculos ou para o intestino. Além disso, a quantidade dessas substâncias ["smart nutrientes'] que o organismo requer é pequena e pode ser facilmente reposta durante as refeições em uma alimentação saudável."
Depressão
Um dos pontos defendidos pelo livro é a possibilidade de uma abordagem nutricional da depressão como alternativa ao tratamento medicamentoso.
Considerando dados como o que aponta que cerca de 1 milhão de crianças norte-americanas que tomam regularmente medicamentos para depressão, os autores observam que "cada vez mais pessoas têm apostado prematuramente em estratégias medicamentosas de cura para distúrbios da mente, sem dar ao organismo uma oportunidade de reversão do sofrimento com métodos menos agressivos."
"Aproximadamente 90% dos pacientes que tratam a depressão com remédios hoje poderiam ficar sem o medicamento caso combinassem terapia e ingestão de nutrientes adequados", afirma o psiquiatra Juarez Callegaro, um dos autores do livro.
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