terça-feira, 5 de julho de 2011

autismo – entrando na caverna?


[texto originalmente publicado no site saindo da matrix ]
Ricardo vivia literalmente com a cabeça nas nuvens. Ele tecnicamente não era autista, mas podia ser, quando quisesse. Entrava e saía de seu mundo particular, e às vezes mesclava um com o outro sem que ninguém o percebesse.

Sua família chamava essas suas escapadas de “viagens”. Felizmente nunca chamaram um padre para exorcizá-lo. Ele se lembra que fazia isso desde os 10 anos. Mas nunca usou ou teve curiosidade de usar drogas. Nem precisa, afinal ele podia criar toda a Terra Média de Tolkien na cabeça e passear por ela, sentindo a brisa no rosto, a umidade da floresta, o perfume e a textura das plantas. Interessante que essas sensações não passavam pelos nervos, mas eram criadas diretamente em seu cérebro. Era real a ponto de sentir frio ou calor, mas sem que o corpo reagisse a isso. Achava estranho as pessoas precisarem usar drogas pra “ver coisas novas”, quando esta já é uma capacidade inerente ao ser humano.

Pra “viajar”, tudo o que ele precisa é fazer o corpo vibrar. Pra isso, antigamente movia os braços vigorosamente, e prendia a respiração por longos períodos. Com o tempo, ele aprimorou a técnica, bastando apenas contrair todos os músculos e fazendo o corpo vibrar quase que imperceptivelmente. Ainda assim o dispêndio de energia é grande, e talvez por isso seja tão magro. O interessante disto é que as pessoas que fazem viagem astral conscientemente precisam fazer exercícios pra elevar a vibração do corpo (e, conseqüentemente, do perispírito) para acessar outros planos (mas Ricardo não faz projeção astral consciente).
Há um quase “abandono” do corpo ao fazer estas viagens. Isso traz um certo embaraço se ele fizer isso em locais públicos, pois o rosto fica meio abobalhado, com olhos esbugalhados e boca pendente…

Seus dedos ficam esticados involuntariamente, especialmente o indicador, o médio e o polegar, que são exatamente os 3 mais fortes para absorção/expulsão de energia. Uma das mãos fica involuntariamente em posição de mudrá, mais especificamente o “Ardhapataka mudrá” e o “Chandrakála mudrá”. Esses mudrás são gestos de mãos milenares, criados na Índia, e funcionam como captadores e redirecionadores de energia. Obviamente ele não sabia disso. Outra característica dele é que seus chakras são bem desenvolvidos, a ponto de absorver (sem querer) a energia do ambiente. Tanto é que não gosta de multidões.

Sua percepção de mundo não era muito normal. Pensava sempre sobre o que estava acontecendo nas dimensões invisíveis e, apesar de ser invisível para ele também, ele as imaginava vividamente, utilizando seus recursos de “emulação” da realidade. É incrível como ele podia criar um sistema caótico sem esforço, afinal, bastava criar, ditar as leis que regeriam a “matéria” e pronto. O sistema se auto-geria. Obviamente que sua idéia de Deus era exatamente essa: Nós estaríamos na mente de algo/alguém mais poderoso, que criou o Universo, ditou as regras e agora está só “curtindo” a evolução de sua criação.

Pesquisando a respeito de projeção, que geralmente é rotulada como o “mundo dos sonhos”, vemos que no filme Waking Life percebe-se que o mundo dos sonhos é vivido em múltiplas dimensões. Não há o tempo linear, e não há um ponto x, y, onde a pessoa esteja situada. É comum estar em dois locais ao mesmo tempo, vendo o mesmo acontecimento de ângulos diferentes. Ricardo fala que em seu mundo podia estar dentro de um Fórmula 1, concentrado na pista, mas ao mesmo tempo poderia acompanhar as pedrinhas que rolavam pra fora do asfalto com o passar do carro. Isso poderia ser explicado pela escola do budismo, que diz que o EU (ego) é um ponto no espaço, uma gota d’água separada do oceano, que não passa de uma ilusão desse nosso plano de existência. Como se a mente atrasada, por não compreender o infinito, tivesse de se fechar num casulo para dizer “isto sou eu”. Como um morcego que, por não agüentar a luz, teve de se adaptar aos outros sentidos. Ao acessar planos superiores, essa limitação some, e mentes mais preparadas – assim como pássaros com asas mais fortes – podem experimentar vôos mais altos (e para mais longe).

Deve ter sido difícil para Ricardo se adaptar às limitações do mundo real. Quase não tinha amigos, pois não podia abrir seus questionamentos para eles (ou o taxariam de louco). Com 15 anos estudava com afinco civilizações antigas, extraterrestres, espiritismo, qualquer coisa que o ajudasse a responder “o que” ele era. Talvez para compensar a solidão, sua mente criou 3 novas personalidades para discutir assuntos ditos “transcendentais”. Cada uma com um ponto de vista, e poderia passar horas filosofando com essas vozes, que ouvia em sua mente. Mas ele nunca preferiu essas vozes às pessoas reais, de fato. Tanto é que, quando conseguiu se juntar a um grupo com “cabeça mais aberta”, essas vozes foram desaparecendo, até restar uma, que funciona como a “voz da consciência”, e o manda entrar nos eixos toda vez que Ricardo pensa em fazer algo errado (por mais bobo que seja).

Analisando o caso clinicamente, percebe-se diversas semelhanças com a síndrome de Asperger, uma variante mais leve do Autismo. A pessoa consegue entrar e sair de seu mundo, mas possui dificuldades de relacionamento, de fala, de falta de concentração, etc. Há também casos que estão no limite da normalidade, seja na Síndrome de Asperger, no Borderline ou no DDA (Distúrbio de Déficit de Atenção), um dos quais talvez seja o caso de Ricardo. Não se sabe se essas síndrome são genéticas, mas um dado interessante é que o irmão de Ricardo (quase 1 década mais novo) praticamente nasceu “viajando”. Com menos de 1 ano já movia alucinadamente os braços e ficava com os olhos fixos no vazio. Ele também desenvolveu a técnica de usar um galho de coqueiro para canalizar sua energia enquanto está em seu “mundinho”.

Seria uma patologia clínica, ou uma característica não-usualmente explorada do cérebro? Isso nos remete à velha discussão do mundo das idéias, iniciada com Sócrates a 250 a.C. Segundo Platão, em sua alegoria da caverna, o que vivemos aqui (neste plano) nada mais é do que uma veste grosseira para algo que está situado no mundo das idéias.

Já para os cabalistas, na visão dos quatro mundos, a essência de todas as coisas (arquétipo?) estaria em Azilut (o mundo das emanações, onde tudo existe em essência), seria criado em Beriah (o mundo da criação), formado em Yetsirah (plano astral?) e finalmente manifestado aqui em Assyah (o mundo material, onde estamos).

Para Sócrates e os cabalistas, a “idéia cavalo” existe antes mesmo do animal cavalo. Então, quem o concebeu? Não seria então mera coincidência que os primeiros experimentos com o avião e com o rádio tenham acontecido em vários pontos do mundo ao mesmo tempo? A criação se processa, de fato, no campo mental e depois para o físico? Então, e se esse “campo mental” for na verdade um físico mais sutil, mais maleável, moldável pelo poder da mente? O registro ficaria lá, para quem pudesse acessá-lo e de alguma forma transportá-lo para sua forma mais densa/material. O pensamento seria o instrumento que molda essa matéria mais sutil, agregando seus “átomos” (ou o que quer que seja) através da energia da mente. Enquanto a mente manter o pensamento, essa forma existirá. É assim que essas idéias – que têm o nome de “formas-pensamento” na terminologia dos que lidam com esoterismo – são criadas. Casas, roupas, armas e até mesmo as formas das pessoas do “lado de lá” são moldadas com a mente.

Em setembro de 2001 cientistas suíços publicaram na Revista Nature um estudo onde acreditam ter identificado a área do cérebro onde são desencadeadas as chamadas “experiências fora do corpo”. Enquanto eles usavam eletrodos para estimular o cérebro de uma paciente com epilepsia durante um tratamento, a mulher começou a descrever a sensação de ter deixado seu corpo e estar flutuando sobre ele. Segundo os médicos, isso sugere que a experiência esteja relacionada a uma parte específica do cérebro.

Justamente a cognição espacial. O que nos define num ponto cartesiano. A noção do EU estou AQUI. Então, ao sonhar rompemos esta barreira, inclusive a do tempo. É muito comum vermos anos passando em segundos, acontecimentos simultâneos, e aquilo, pra quem está sonhando, é bastante natural.
A questão aqui é: até que ponto uma pessoa com Autismo é um doente que precisa ser forçado a conviver em nossa realidade? O Autista se tranca em seu mundo, mas não conhecemos seu mundo. O que ele é? Como se parece? São respostas que talvez nunca descobriremos. Mas podemos pegar algumas elucidações na alegoria da Caverna, de Platão. Pensem no autista aqui como a pessoa que enxerga a luz, e é forçado (pelas circunstâncias, ou mesmo por remédios) a encarar a “realidade”:
Sócrates – Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?
Glauco – Por certo que sim.

Sócrates – E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois se habituar à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?

Glauco – Sem nenhuma dúvida.
Não é à toa que as pessoas autistas são tão sensíveis. Elas se acostumaram a um mundo sutil, sem estímulos grosseiros, mecânicos ou neurológicos, desenvolvendo tão somente a mente a um ponto que, mesmo o pensamento de raiva dirigido a ela pode vir a machucá-la. Não seria o autismo uma espécie de adaptação a um mundo novo, mais rude e menos sutil? Os verdadeiros artistas (pessoas inspiradas) são normalmente sensíveis e meio deslocadas da realidade, embora convivam bem com ela. Com base na reencarnação, pergunto: Seriam os autistas de hoje os grandes artistas de amanhã? Estariam eles descendo pra caverna, ou saindo dela?

Importante dizer que, no livro “Deficiente Mental – Porque Fui Um”, de Vera Lucia Marinzeck, vemos que nem sempre tem de haver uma causa espiritual para todos os problemas mentais:
“Porque é difícil nós, na roda dos renascimentos, sermos totalmente isentos de erros. Pode acontecer até um acidente que danifique o feto (o corpo físico), e o perispírito ser e continuar perfeito. Muitas vezes amigos do reencarnante podem desligá-lo da matéria defeituosa, porque, se ele tiver algo para realizar, não será possível num corpo deficiente. Há então o desencarne e ele fará nova tentativa. Ou então esse espírito aproveita a oportunidade e faz da deficiência um grande aprendizado.” 

Acho essa visão meio cruel com quem está passando por isso (especialmente pra família, que provavelmente encontraria conforto na Lei do karma), mas acho bastante plausível que, numa “linha de produção” de milhões de humanos é natural que haja erros, até porque nem todos os espíritos têm o privilégio de ter uma encarnação totalmente planejada, com concepção assistida no plano espiritual, e tal… e mesmo que tenha, ainda assim pode haver imprevistos.

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