domingo, 3 de julho de 2011

Olhares Divertentes


Do blog Vivências Autísticas
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O maior e mais recente levantamento realizado no país – um dos únicos feitos na América do Sul – sugere que o autismo e suas variações afetam uma em cada 370 crianças ou 0,3% dessa população.    Coordenado por Mercadante, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e Cristiane Silvestre de Paula, psicóloga e epidemiologista da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o estudo avaliou sinais de autismo em 1.470 crianças com idade entre 7 e 12 anos, uma amostra considerada bastante razoável. Mas o trabalho, publicado em fevereiro no Journal of Autism and Developmental Disorders, ainda é um estudo piloto. Sua principal limitação é que foi realizado em apenas um município brasileiro: Atibaia, cidade de 126 mil
habitantes a 60 quilômetros de São Paulo. “Fizemos esse estudo, financiado pelo Mackenzie, com pouco dinheiro”, conta Mercadante, que pretende fazer um estudo populacional sobre autismo com amostra representativa de um município inteiro.
     Em Atibaia, a psicóloga Sabrina Ribeiro identificou todas as escolas e as unidades de saúde da região estudada e treinou professores, médicos e profissionais do programa de saúde da família para identificar sinais de autismo nas crianças. Das 1.470 que viviam na área, 94 foram encaminhadas para testes clínicos mais detalhados e 4 receberam diagnóstico de autismo.
     Se o índice observado ali puder ser extrapolado para o resto do país – inclusive para os adultos, uma vez que estudo recente na Inglaterra mostrou prevalência de autismo semelhante em adultos e crianças –, é de esperar que existam 570 mil brasileiros com alguma forma de autismo. “Alguns trabalhos indicam que a prevalência de autismo talvez seja mais baixa entre os latinos”, comenta Mercadante. “O fato de nossa cultura exigir mais o desenvolvimento das habilidades sociais do que as de muitos países do hemisfério Norte, onde costumam ser feitos os estudos epidemiológicos, pode ajudar as pessoas com casos mais leves a levar uma vida com certa independência e a não serem identificadas como autistas”, diz.
     Essa seria uma estimativa favorável. É possível que os números daqui e os de outros países estejam subestimados, suspeitam os pesquisadores ingleses que realizaram o primeiro estudo de prevalência de autismo em adultos, publicado em maio nos Archives of General Psychiatry. No trabalho, eles avaliaram sinais de autismo em 7.461 adultos e confirmaram que 618 tinham alguma forma do distúrbio. “Em nenhum dos casos identificados nesse levantamento as pessoas sabiam que eram autistas nem tinham recebido um diagnóstico oficial anteriormente”, disse Traolach Brugha, pesquisador da Universidade de Leicester, na Inglaterra, e autor do estudo, em comunicado à imprensa.
     Embora a maioria dos casos fosse de pouca gravidade, a constatação acende um sinal amarelo: mesmo em países com sistemas de saúde bem estruturados muitos casos nem chegam a ser conhecidos. Caso as taxas no Brasil sejam elevadas como a dos Estados Unidos, pode haver até 1,9 milhão de brasileiros com autismo. “Seria uma bomba para os cofres públicos”, diz Cristiane. “Mostraria que é preciso aumentar muito a capacidade de atender o problema.”
     “O autista demanda tratamento contínuo e dispendioso”, conta Maria Cecília Mello, mãe de Nicholas, um jovem de 19 anos que há apenas três anos recebeu o diagnóstico de síndrome de Asperger. “Eles também precisam de acompanhamento especializado para alavancar suas habilidades específicas e desenvolver aquelas em que apresentam dificuldades”, diz a juíza federal, fundadora, ao lado de Mercadante e de outros pais e pesquisadores, da organização não governamental Autismo & Realidade, criada em 2010 com a meta de divulgar informações sobre o distúrbio e arrecadar recursos para financiar pesquisas na área.
     Nos Estados Unidos, onde há estatística para quase tudo, anos atrás Michael Ganz, da Universidade Harvard, calculou em US$ 3,2 milhões o custo para manter um autista ao longo da vida, levando em conta despesas médicas, de educação e perda de produtividade no trabalho.
     No sistema público de saúde brasileiro, os casos suspeitos de autismo deveriam, em princípio, ser identificados pelos pediatras nas unidades básicas de saúde e encaminhados para cuidado especializado em um dos 128 centros de atenção psicossocial infantil (CAPSi). Mas esses centros estão concentrados no Sudeste e no Nordeste. Cinco estados brasileiros não têm CAPSi e outros sete dispõem de apenas um, de acordo com relatório recente do Ministério da Saúde.
     Na cidade de São Paulo, a mais bem servida do país, há apenas 13 CAPSi. Com a prevalência de autismo de 0,3% da população, seriam necessários cerca de 70 desses centros para atender apenas os autistas da capital paulista, segundo Cristiane. Ante esse quadro, conta Mercadante, a maioria dos casos é atendida por associações de pais e amigos das crianças com deficiência intelectual, as AMAs e APAEs. Em São Paulo, uma decisão de 2001 da Justiça determinou que a Secretaria de Estado da Saúde pague tratamento, assistência e educação especializados para quem tem autismo.
     Sem um levantamento mais amplo como o que ele e Cristiane planejam, vive-se um círculo vicioso. “Como não há estudos de prevalência abrangentes no país, não se consegue mostrar que o problema existe. E, sem provas, fica difícil exigir atendimento”, afirma a epidemiologista, que participa de um levantamento de problemas de saúde mental em crianças de cinco capitais brasileiras, projeto do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes, apoiado pela FAPESP e pelo governo federal.
     Atendimento médico precoce e de qualidade é fundamental para influenciar a evolução do autismo. Tanto que, no mundo todo, pesquisadores buscam estratégias para identificar com segurança o autismo já no primeiro ano de vida. “Quanto mais cedo se identificam os sinais, melhores as chances de intervir para tentar recuperar a capacidade de a criança se relacionar com os outros e buscar a construção de uma linguagem significativa”, afirma a psicóloga e psicanalista Maria Cristina Kupfer, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), fundadora do Lugar de Vida, entidade que há 20 anos atende casos de autismo. “A intervenção precoce permite ainda ouvir os pais, que sofrem por não receber de volta dos filhos a atenção que lhes dão.”
     Desde que o autismo foi descrito nos anos 1940, o diagnóstico continua clínico. Em geral um neurologista ou psiquiatra examina a criança e avalia sua história de vida à procura de indícios de atraso no desenvolvimento da capacidade de interagir socialmente e se comunicar e de defasagem no desenvolvimento motor, descritos no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, da Associação Psiquiátrica Americana, e na Classificação Internacional de Doenças, da OMS.
     Ainda que alguns sintomas surjam muito cedo, nos primeiros meses de vida, os casos só costumam ser confirmados por volta dos 3 anos de idade, quando o cérebro já atravessou uma das fases de crescimento mais intenso. E isso na melhor das hipóteses. Mercadante acredita que no Brasil a identificação só ocorra aos 5 ou 6 anos, quando já se perdeu uma fase fundamental do desenvolvimento infantil. No estudo de Atibaia, por exemplo, só um dos quatro casos de autismo havia sido identificado anteriormente e recebia acompanhamento especializado. “Precisamos melhorar a capacitação dos pediatras para que identifiquem os sinais o mais cedo possível”, afirma Cristiane.

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